Vôlei: Sobre aqueles que inspiram as juventudes

Na realidade das peneiras, um treinador tem olhar apurado – e acolhedor. O sucesso, para ele, é formar jovens para a vida solidária; não apenas caçar “futuras estrelas”. Mas histórias de afeto e resistência como as suas ficam de fora dos holofotes…

Foto: Site Modobrincar/Reprodução
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Título original: Memórias e histórias do professor e técnico José Rodolfo Lino da Silva.
Um formador de base do Brasil

Breve Introdução

Em 2023 Jonathan Crary publicou Terra arrasada, além da era digital, rumo a um mundo pós-capitalista. Na mesma linha de seu livro anterior, Capitalismo e os fins do sono, o autor nos remete a uma discussão essencial acerca da corrosão das relações sociais, mediada pela era das plataformas. Terra arrasada expõe o soterramento dos encontros e o soerguimentos das frágeis relações sociais no século XXI. Nas pegadas do autor, vivemos um momento em que aparentemente tudo nos empurra para a “terra arrasada”, um mundo dominado pelo solitário castelo de uma pessoa só, gerido e gerado por milhares de sujeitos invisíveis.

Um processo constituído pelo imediato, pela corrosão do caráter1 mediada pela pressa, pelo excesso de ocupação, pelo vicio privado da acumulação controladora e reificadora do roubo do tempo. Em tempos de “terra arrasada”, a memória e a história tornam-se, com uma intencionalidade comercial, insignificantes, esvaziadas de sentido real. Assim, em tempos de “terra arrasada”, recordar torna-se algo descabido, encontrar tempo para o diálogo, apresenta-se como ação desnecessária, e sonhar junto visualiza-se como pura perda de tempo. Parece que o avesso virou a forma de um conteúdo em permanente mudança fragilizadora do ser.

Esse texto é uma antítese à “terra arrasada” e à compra e venda da história e da memória. Recupera, a partir da experiência consciente de quem recorda, a história vivida de forma individual e coletiva e os fragmentos que nos permitem refletir sobre muitos outros temas. E, ainda que apresentemos a história de um indivíduo, um profissional de Educação Física que teve e tem sua vida atrelada ao voleibol, é mais do que isto: é um texto sobre a rotina de décadas de trabalho, seus sabores e dissabores. Tal qual o significado da vida mesma em toda a sua complexidade, ora maravilhosa, ora amedrontadora, apresentaremos a história da experiência mediada por um mundo em constante transformação.

Serão dois textos: 1. O presente texto; 2. Algumas histórias e memórias do professor Rodolfo Lino de Souza. A formação de base no voleibol brasileiro. Os mesmos são o resultado de 4 horas de conversa online entre o técnico de voleibol e profissional de Educação Física, professor José Rodolfo Lino da Silva, a Doutoranda e profissional de educação Física Thatiane Freire e eu, uma curiosa por entender um pouco mais sobre esse mundo mágico na aparência, mas repleto de complexidade na sua essência.

Socializar essa conversa, é tornar público um rico processo de recuperação da memória e da história, mediado por interlocuções e silêncios produzidos pelos três. Logo, não se trata de uma entrevista estruturada, que será literalmente transcrita. Trata-se de uma conversa solta sobre temas diversos vinculados ao voleibol, em particular, e às relações de sociabilidade, em geral.

No entanto, para socializar os pontos sugeridos para a reflexão, coloco-me como responsável integral da escrita e das reflexões apresentadas. Optei por trazer questões que nos permitam, posteriormente, pensar sobre o problema da formação de atletas de base no voleibol, à luz da memória e da história, e centrada na formação social e histórica do capitalismo dependente brasileiro.

Um pouco da história familiar e do voleibol

José Rodolfo Lino da Silva foi o nosso convidado para tentarmos entender, na trajetória do voleibol brasileiro, o que não somos capazes de ver em uma partida de superliga, no processo de classificação, ou não, para os jogos olímpicos, ou em um mundial de clubes: as histórias silenciosas e silenciadas que estruturam o processo de construção, consolidação e necessária revisão do esporte em todo seu movimento político, psicológico, social e cultural.

Para quem acompanha a categoria de base no Brasil, alguns perfis chamam muito a atenção. Seja porque, como no caso do professor Lino, o trato se apresenta como gentil com os atletas, seja porque, como em outros casos, a truculência, ou a falta de formação para a educação via exemplo, parece ser a regra.

Lino nasceu em 1980. Filho mais velho de dona Eliete Lino da Silva e do senhor José Gonçalo da Silva, teve como companhia de desenvolvimento e trajetória similar no esporte como profissão, os irmãos Haroldo Lino da Silva (atualmente atuando com voleibol na França) e Flávia Lino da Silva (a irmã mais nova que se formou através do voleibol nos Estados Unidos e hoje se dedica a família, promoção de eventos e marketing e se arrisca no voleibol master). Os três, ainda crianças, foram incentivados pela mãe à dedicação ao voleibol, dada sua frustração, como mulher, de não poder ter realizado este sonho em sua juventude, uma vez que o conservadorismo e tradicionalismo das famílias nos anos 1970 a impediu de tornar-se atleta.

Com a família, Lino aprendeu desde cedo a diferença entre o atleta dedicado e o talentoso, entre o desejo, de fato, de ter o esporte como profissão, ou não. O empenho do irmão e da irmã os levou muito mais longe como atletas do que a própria experiência do jovem Lino, uma vez que sua dedicação e as lesões o tiravam de cena, no empenho necessário ao “vencer” nesta área.

Um destaque importante sobre essas histórias de uma mesma família, é que tanto a frustração da mãe de não poder ser atleta, como o processo dos filhos, de se desenvolverem no voleibol, estão mediados por um contexto histórico importante que é o da ditadura militar. E não é possível desconsiderar a presença da perspectiva dura militar no cotidiano das famílias dos anos 1964 a 1985, bem como a continuidade de seu reflexo décadas depois. Isto se visualiza concretamente no esporte e na forma em que operam as ideias acerca do que é a vitória, e a formação de um campeão.

A ditadura foi moldadora do princípio de família, de ordem e de progresso, a nosso ver, e consolidou muitos modelos ainda presentes no cotidiano tanto dos esportes, quanto das escolas e das famílias. Disciplina, dedicação, trabalho duro, tornaram-se no modelo de desenvolvimento brasileiro, características do progresso. Ou do atraso. E o voleibol estará condicionado a essa estrutura política, econômica, social e cultural da hierarquia, do mando, das seleções e escolhas, independentemente dos desejos individuais ou das leituras críticas que possam ser feitas.

Do atleta ao profissional de educação física e de voleibol

A carreira de atleta foi substituída pela de estudante e profissional de educação física que teria, na modalidade esportiva de voleibol, sua trajetória firmada ao longo de mais de 20 anos. A convivência no espaço esportivo e a posterior profissionalização na área, deram a Lino elementos substantivos para o tornarem uma grande referência na formação de atletas do país. Processo que o torna herdeiro e parceiro na produção da história de outras grandes referências profissionais, em especial, Alexandre Stanzione, Marcelo Zangrande, Rubinho, Magoo, João Paulo (JP), Fábio Correia, Yoshio Isobe, Bebeto Fonseca, Fernando Maroni, Rubens Rizzo (Rubão) o grande massagista Luizão e o gestor Montanaro e tantos outros dos melhores profissionais com os quais, nas palavras de Lino, teve contato e múltiplas aprendizagens.

Foto do arquivo pessoal do Professor Rodolfo Lindo da Silva (em pé na foto). Comissão técnica em processo de observação em Peneira 2005 em São Bernardo. Anahy (Psicóloga), Marcelo Zangrande (Preparador físico), Montanaro (Gestor), Alexandre Stanzioni (Técnico), Mauro Grasso ( Técnico da equipe adulta).

Desde o início da profissão, Lino se destacou com aptidão para “descobrir” potenciais talentos para o voleibol, seja nas peneiras dos clubes, nas competições, ou em outros processos de captação de atletas. Crítico das estruturas que impedem a relação de aprendizagem a partir do treinamento comum, Lino é enfático acerca da importância de não se pular etapas no processo formativo. E de conjugar, no movimento de aprendizagem, incentivo, melhorias técnicas e acompanhamento multidisciplinar, uma vez que as relações estão cada vez mais complexas e é necessário tempo de escuta para a produção coletiva do processo de competição.

Lino tem características individuais marcantes que o tornam singular em uma área em que despontam os mais turrões, os/as ex atletas campeãs/campeões olímpicos e o faz porque entende que, na pedagogia do exemplo, integra, faz parte de um processo maior, anterior, e que caminha para além de sua própria experiência. No entanto, a história do sujeito é também a de sua forma própria de transitar pelo mundo. O professor e técnico Lino conjuga empenho e dedicação aos fundamentos de um esporte não natural para o humano – o voleibol -, nas palavras dele mesmo, com a aprendizagem necessária para seguir em atuação após tantas abruptas transformações entre as gerações, nas duas últimas décadas.

No nosso diálogo, Lino transita entre a nostalgia do que teve como geração anterior e os dilemas que vive na atualidade como técnico de voleibol. É comum em nossos processos profissionais visualizarmos esse sentimento de nostalgia entre o que fomos e o que hoje são os processos das juventudes. O que não significa dizer que a nostalgia deva imperar frente à aprendizagem e reconfiguração das pautas, das formas e dos conteúdos de trabalho. Novos temas saltarão da realidade concreta e cobrarão vida nas mudanças necessárias à inclusão em uma sociedade desigual. Diversidade de gênero, luta contra os preconceitos e o racismo no esporte, igualdade de gênero na profissão se apresentam como pautas ainda a serem avançadas no esporte brasileiro. E se colocam como um grande desafio à geração formada em tempos duros de ditadura e que não encontram, no tempo atual, momentos de calmaria para a formação continuada na área.

À medida que o jovem profissional de educação física vai sendo forjado, as mudanças na escola, e na disciplina de educação física, vão sendo vivenciadas por ele e pelos demais de sua geração. A educação estará sempre entre mundos, do que fomos, de como estamos, e do que queremos ser. O ambiente escolar registra as transformações societárias ao mesmo tempo em que as potencializa como renovação de movimentos sociais, econômicos culturais. Lino nos dá como exemplo a escola em que estudou, e depois retornou como estagiário. Vivenciou neste processo significativas mudanças no ato educativo e nas relações entre educadores e educandos. O professor olha para essa memória e a registra, após uma pausa reflexiva, que “não mudou necessariamente para melhor”. Lino se referia ao perigo da importação de modelos em vez da troca de saberes sobre os mesmos nas realidades de economias como a brasileira. Na memória e na história que narrava, revisava seu próprio processo de um educador que protagonizava o movimento junto com os estudantes, para um período em que ele mesmo se tornava refém de uma ideia, ou exercícios não necessariamente bem conduzidos, definidos como construtivistas. Havia na sua memória o conto de uma história sentida em que o profissional de Educação Física vai se tornando alguém mais do que periférico na educação formal, e a promoção do movimento, do exercício, é substituída pelos aparatos tecnológicos aparentemente mais atraentes.

Foto do arquivo pessoal do Professor Rodolfo Lino da Silva. Em 2016, ministrando clínicas por todo o estado de São Paulo em escolas do Programa Atleta do Futuro no Sesi-SP

Vale para o ambiente escolar, o que se vivencia na formação de atletas, nos clubes. Na perspectiva de Lino, entre os desafios do nosso tempo está o entendimento de como trabalhar com uma geração que “tem resposta para tudo”, que “tem acesso à informação o tempo inteiro” e que “te interpela, muito, antes de topar trabalhar naquilo que você propõe para ser feito no dia”. Em linhas gerais, o que o professor está ponderando é que houve uma mudança substantiva nas relações sociais em geral, com impactos nas células formativas. Entre essas mudanças estão: a fragilização da educação física nas escolas; o sedentarismo em geral; a substituição do movimento e das brincadeiras pelas telas, entre outros processos; a pressão para os resultados. Aponta também que, entre as mudanças substantivas do nosso tempo, as denúncias aos preconceitos e às violências de gênero estão exigindo um trabalho cada vez mais multidisciplinar e de muita escuta, antes mesmo de serem iniciados os trabalhos.

Mas foi na especialização em treinamento esportivo na modalidade voleibol no ano de 2003 em que Lino realmente se encontrou com o que seria sua própria razão de vida, mesclado, evidentemente, com a formação familiar constituída junto com Juliane Borghi Silva. Parceira de vida e de processos diversos, com a qual teve e tem como aprendizagens geracionais ressignificado o que é ser pai, ajudar a forjar jovens mulheres, a partir do cuidado, do afeto, e, porque não dizer, do excesso de trabalho para conseguir bancar a sobrevivência familiar. Júlia Borghi Silva e Ana Laura Borghi Silva são suas filhas. Momento em que a respiração de Lino dá pausas ou se acelera, fala com sorriso ao mencionar que elas são as três mulheres que realmente o reeducam o tempo inteiro. Com as meninas, Lino diz aprender acerca da importância do cuidado com a diversidade, a escuta das histórias e a centralidade do espaço para as mulheres no trabalho. As mulheres da sua vida o fazem entender como o mundo do voleibol ainda é excessivamente masculino, mesmo quando se trata do voleibol feminino.

Ao longo do processo de desenvolvimento profissional, os trabalhos na área começaram a aparecer e o tempo se encarregou de forjar o formador de atletas diferenciado que Lino se tornou. Entre as experiências marcantes da profissão, ele cita: a experiência no Esporte Clube Banespa de 2003 a 2010, como técnico da equipe do Banespa/São Bernardo categoria infanto-juvenil e juvenil masculino de voleibol; o trabalho posterior no A.D.C. Metodista de 2010 a 2013, como técnico da equipe Bmg/São Bernardo categoria infantil e infanto-juvenil masculino de voleibol e estatístico da equipe adulta de voleibol masculino; a atuação como professor de educação física no ensino médio e técnico das equipes masculinas e femininas de voleibol, no Colégio Emilie de Villeneuve, de 2010 a 2013; a seleção profissional e a chamada para a ocupação de vaga no processo seletivo do Serviço Social da Indústria São Paulo (SESI), entre 2013 e 2024, em que atuou como Técnico da categoria juvenil e adulta femininas, além de ser coordenador técnico das categorias de base e assistente técnico da equipe adulta masculina; atual vínculo profissional no SADA Cruzeiro, como técnico da categoria sub-17 e auxiliar técnico da equipe adulta masculina.

Abro mais um parêntesis para explicitar que maravilha de razão e sensibilidade, dialogar com um sujeito que, apesar de um ambiente duro e hostil como é o do esporte em economias dependentes, mantém-se fiel, mas não sem sofrimento, à bondade, à generosidade, à humildade e, especialmente, à cordialidade com as pessoas. Chega a ser assustador conviver com alguém que sabe, de fato, respeitar o próximo, sem necessariamente deixar de fazer o trabalho duro, ora injusto, ora desigual, de ter que optar por um/uma ou outro/outra, nos processos seletivos.

Mesmo em situações tão difíceis, como a realidade das peneiras em que aparecem mais de 500 adolescentes e somente 15 ficam, expor aos jovens e às famílias que não deu, mas que devem seguir insistindo, a personalidade acolhedora de Lino desponta. Talvez valha a reflexão se a docilidade é compatível com uma ideia de vitória e êxito corroboradas no mundo masculino do esporte, em que o grito, a violência verbal, as falas excludentes de quem não se preparou para lidar com adolescentes e jovens, se apresentaram, nas figuras mais marcantes do esporte, como elementos formadores do exemplo a não ser seguido, a meu juízo.

Entre as descobertas de atletas, os treinamentos e a falta de tempo para si e as mulheres de sua vida (filhas e esposa)

É dessa relação entre a amorosidade do sujeito e a rudeza exigida pelo sistema que o ser social se forja em suas dores e sabores. Afinal, falar de esporte no Brasil hoje e da intensidade de entrega ao trabalho como a de Lino, é reforçar a superexploração da força de trabalho. Tem hora para entrar, mas não tem hora para sair. O que não significa que mais horas trabalhadas sejam sinônimo de salários maiores, ou de reconhecimentos sociais pelo intenso trabalho. Ao contrário, como todos os profissionais do século XXI, o pagamento em dinheiro foi substituído pelo banco de horas, cujo descanso e folga a própria empresa define. E os dirigentes, em geral muito afastados do dia a dia do trabalho com a base, pensam na manutenção econômica da proposta, incapazes, a grande maioria, de acompanhar o processo pedagógico vivenciado no cotidiano da “formação”.

Assim, entre viagens, treinamentos, assistências a outras categorias, o corpo, que já não é mais jovem, vai dando sinais de sobrecarga. Exige freio e comedimento em meio ao ímpeto de seguir dando o máximo. Entre suas memórias relevantes estão histórias de jovens em condições de vulnerabilidade econômica que tiveram o vôlei como inclusão social tanto deles e de suas famílias ao longo do tempo. Nessas histórias, que contaremos no próximo texto, aparecem, sempre, os cuidados da família do Lino com os meninos das periferias nos quais ele apostava. Entre o desejo e a opção de optar por um jovem, e a falta de recursos dos clubes para trazê-los junto com seus familiares, Lino ajustava, sempre, para que a oportunidade fosse viabilizada, mesmo à custa do aperto econômico familiar. Isto, por si só, já fala de uma personalidade que se doa em função do outro. E realmente vai muito além do que conseguimos vivenciar no dia a dia da formação de base nas experiências apreendidas no voleibol.

Vale destacar com ênfase, que no processo de desenvolvimento profissional, por trás das medalhas e vitórias, além da quantidade de derrotas que nos conta, habita uma história vencedora de afeto e cuidados familiares, sem os quais, Lino não teria chegado onde chegou e ainda chegará. As mulheres de suas vidas são seu porto seguro, ambiente do qual ele sempre volta, recarrega seus processos e se ergue para seguir na projeção dos sonhos de outros, mesmo que seu reconhecimento não ganhe os holofotes. Mas, ainda que sejam suas bases existenciais, Juliane, Julia e Ana Laura foram também as que mais sofreram por suas diversas ausências, pelos processos de beijos e abraços à distância, por vivenciarem um projeto de desenvolvimento do esporte em que ainda não cabe a conciliação entre tempo de trabalho e tempo livre. As mulheres da vida de Lino bem sabem o que é não tê-lo por perto e, ainda assim, apoiarem seu processo de forma incondicional, não sem ausências, ou dores.

Ou seja, o modelo de desenvolvimento brasileiro em geral, e esportivo em particular, é desenhado nessa trama entre o trabalho profissional com longas jornadas de trabalho e maior intensidade do mesmo, fruto dos aparatos tecnológicos atuais, com cada vez menos tempo de descanso e lazer com suas pessoas. Esse modelo, da trama da “terra arrasada” é o que estrutura a forma e o conteúdo da ideia de êxito no esporte e no trabalho. No entanto, a realidade nua e crua e que entre o sonho do sucesso, efetivado nas competições vitoriosas, e a realidade do fracasso, concretizada nos adoecimentos cada vez mais presentes no nosso cotidiano, tem colocado como ponto de reflexão real qual o sentido da formação de atletas no Brasil.

Tudo indica, ao menos no diálogo cordial estabelecido entre nós, que estamos longe de uma mudança substantiva entre a aprendizagem e os resultados oriundos do modelo da ditadura militar e uma nova fase que se abre para outros momentos e processos. A desigualdade estrutural entre os que aparecem e fazem fama, e os que trabalham duro e seguem invisíveis, ainda reina no voleibol. A ponto de exportarmos grandes referências na formação de atletas, por não verificarem internamente possibilidade de avançarem nos trabalhos de ponta no país.

O vôlei exemplifica, assim, o que na crítica da economia política entendemos como subimperialismo: respondemos às mesmas regras dos países hegemônicos internamente, e reproduzimos, com os países e sujeitos econômica e socialmente mais fracos na lógica do capital, o mesmo processo violento de dominação desigual. Nesse sentido, Lino reflete a história de um profissional que, apesar de todo o rico processo de desenvolvimento individual e coletivo, segue invisível frente aos holofotes colocados todos em uma ou outra figura concebida como “astro rei”.

Foto do arquivo pessoal do Professor Rodolfo Lino da Silva. @024: Chegada a equipe do Sada/Cruzeiro já com o Título de Campeão Mineiro Adulto.

Mas não importa, pois, o Brasil do dia a dia é o Brasil dos Linos. Esses trabalhadores invisíveis para a grande mídia, que optam por menos tempo com a família, no intenso trabalho de garantir e oportunizar a realização do sonho de que outros/as jovens “cheguem lá”. Faz uma opção pelo trabalho e pela garantia de oportunidades à juventude, em um país que insiste em excluir grande parte dela.

Nota

1 Ver: Richard Sennett. A corrosão do caráter. Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. RJ: Editora record, 1999.

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