Lula e os reitores: a reunião que não houve
Num encontro constrangedor, governo fez apenas marketing – e desastrado. Nada ofereceu – nem aos grevistas, nem às universidades. E pareceu ausente da realidade do país, atento apenas aos dogmas do neoliberalismo e da Fazenda
Publicado 11/06/2024 às 19:38 - Atualizado 12/06/2024 às 16:00
A reunião dos dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) com o presidente Lula, anunciada desde a semana passada e com conteúdo antecipado pelos ministros da Educação e da Gestão e Inovação (MGI), foi realizada nessa segunda (10/6). Nessa antecipação já se explicitava o seu objetivo, qual seja: o governo Lula anunciar ações e recursos destinados às IFES.
A rigor, como ficou evidente depois, não se tratou de fato de uma reunião tal como em geral é concebida: uma troca de informações, argumentos e opiniões (convergentes ou contrárias) entre os seus participantes. Ou seja, um momento dialógico, no qual se explicitasse as visões alternativas sobre o atual momento crítico por que passa as IFES e a greve de seus trabalhadores.
Não houve qualquer discussão ou diálogo: inicialmente dois ministros, da Educação e da Ciência e Tecnologia, falaram longamente, apresentando inúmeros dados sobre recursos e ações efetivadas pelo governo desde seu início, em 2023. Em particular o ministro da Educação ocupou quase todo o seu tempo listando as metas e os valores do futuro Novo PAC.
A seguir falaram os presidentes da Andifes e do CONIF (o conselho das escolas técnicas). Reconheceram ambos as iniciativas que já foram tomadas pelo governo, mas ressaltaram a situação difícil das instituições que representam, em especial no que se refere a absoluta insuficiência de seus orçamentos para 2024. Além disso, destacaram a legitimidade da greve e importância de o governo continuar negociando com os sindicatos para solucionar o atual impasse.
Por fim Lula falou, autoelogiando seu governo e, de forma constrangedora, a si próprio. Após essa longa autopromoção, quase que decretou o fim da greve, ao intimar os dirigentes sindicais a fazerem isso, acenando com uma clara ameaça de desmoralização dos sindicatos, em razão de um eventual fim melancólico do movimento. Ou seja, um recado tácito de que dificilmente haverá avanço no que já foi proposto pelo governo até aqui, em particular no que se refere aos salários.
Segundo Lula, “uma greve tem o momento de começar e o momento de terminar”, o que é uma afirmação acaciana; não há discordância quanto a isso. O problema real é, de um lado, definir concretamente quando esses momentos ocorrerão e, de outro, a quem cabe essa decisão. Adicionalmente, afirmar que “a proposta do governo é irrecusável e que não se pode ficar de greve a vida toda por 3%ou 4%” é uma retórica autoritária que não ajuda em nada e deslustra a biografia do presidente, além de poder ser invertida: por que o governo se mostra tão intransigente, não aceitando conceder reajustes nesses percentuais tão pequenos, apesar de ter concedido reajustes muito maiores para outras categorias (Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal)?
O único momento de “interação” entre governo e representantes das IFES foi quando o ministro da Educação, antes da fala de Lula, retomou a palavra para rebater, sem mencionar, os representantes das universidades, tentando deslegitimar a greve e criticando os sindicatos.
Em suma, a “reunião” foi uma peça clássica de marketing político: do governo e de Lula, com o objetivo de demonstrar formalmente o seu compromisso com as IFES. Quase tudo apresentado pelo governo foi sobre o PAC (suas metas e números), que não é objeto da pauta de reivindicações da atual greve e que, na verdade, diz respeito a ações de longo prazo (infraestrutura, retomada de obras paralisadas, criação de novas Instituições e ampliação das já existentes).
No final da apresentação do ministro da Educação, foi anunciada a “recomposição orçamentária” para as IFES em 2024, num montante total de 400 milhões de reais (apenas 16% dos 2,5 bilhões solicitados pela ANDIFES em caráter urgentíssimo); totalizando um montante absolutamente insuficiente por qualquer referência (ano e valor) que se queira tomar como comparação. E, para piorar, nenhuma sinalização para se avançar na questão salarial; muito pelo contrário, tanto o ministro como Lula deixaram claro que nessa questão o governo não tem muita disposição de continuar negociando.
O que mais impressiona de tudo isso é o contexto. Um governo que vem sendo tutelado e constrangido pela direita neoliberal e a extrema direita – as quais estão impedindo a execução do programa eleito em 2022 –, mas tem amplo apoio nas IFES e entre cientistas e intelectuais em geral, utiliza-se de uma suposta reunião para tentar deslegitimar o movimento grevista e os sindicatos. Tudo isso, num momento em que estas instituições atravessam uma conjuntura grave, o que ocorre também com o país – e em que há clara ameaça à democracia.
É uma escolha política equivocada e que trará, no curto prazo, sérias dificuldades para o governo Lula. Tentar derrotar um dos segmentos que mais confrontou o golpe de 2016, denunciou o caráter político da Lava-Jato e da prisão de Lula, desafiou o fascismo e defendeu a democracia é um “tiro no próprio pé”. O governo, seus apoiadores acríticos e Lula parecem que viver em uma realidade paralela.
Com negociações estritamente no plano parlamentar e desmobilizando a sua base social, Lula e o PT conseguirão, no máximo, “garantir” as conhecidas “migalhas” para o andar de baixo e reforçar a dependência da trajetória (neoliberal). Ou, na pior hipótese, abrirão as portas para o retorno do fascismo na eleição de 2026. Sem apostar na mobilização política efetiva de suas bases sociais, no sentido de promover ações para além do Parlamento e de contestar a atual correlação de forças, pressionando-a para modificá-la, não há a menor possibilidade de conciliar “austeridade fiscal” com distribuição de renda e redução das desigualdades sociais.
A greve dos servidores (técnico-administrativos e professores) das IFES, além da defesa das universidades e institutos e da remuneração de seus trabalhadores (a defesa do trabalho decente), vai na contramão da passividade. Aponta a importância da organização e mobilização das forças antifascistas e antineoliberais, e denuncia as forças políticas que impedem o governo eleito em 2022 de implementar o seu programa econômicosocial.
Reiterando o que já escrevemos em outros textos: só se muda uma correlação de forças desfavorável se houver ações nesse sentido. O momento positivo de aprovação da PEC da Transição apoiou-se ainda na mobilização derivada do processo eleitoral, mas que aos poucos foi-se dissipando. É preciso retomá-la, exigindo uma nova postura tanto do governo Lula como de todas as correntes políticas de esquerda e democráticas. Só assim a correlação de forças poderá se alterar para uma situação mais favorável.
Concordo com quase todo o conteúdo da matéria, no que se refere à dificuldade do atual governo seguir com o programa que foi eleito pela maioria. Ao que parece, o governo envolto em várias disputas de poder, já não é mais capaz de distinguir amigo de inimigo. Algo como na música do Zé Ramalho “O amor é feito de paixões. E quando perde a razão não sabe quem vai machucar”.
Contudo, é preciso lembrar da potência criativa da ambiguidade. Durante muitos anos nos acostumamos com a simulação de identidadas relativamente estáveis de direita e esquerda. Dos enunciados, culturas e ações que policiavam confortavelmente as fronteiras entre os dois universos políticos. As controvérsias e a complexidade no contemporâneo colocaram sob razura a estabilidade distintiva desses mundos. Vivemos tempos de diferenciação, de disputas de significados que não respeitam mais essas fronteiras.
Penso que teremos que passar por isso (não há mesmo outro jeito), para que, quem sabe, emerjam formas políticas renovadas.
Será que os petistas, enfim, descobrirão o que é o PT?
Não consigo encontrar uma única palavra dos docentes e seus dirigentes sindicais sobre os estudantes. Ou melhor, sobre os danos já materializados no calendário escolar (estamos em junho!!!!). Se fossem policiais federais, é possível que passaportes não fossem expedidos. Se fossem petroleiros, menos barris seriam extraídos para vender mundo afora. Ibama, licenças paradas nos escaninhos. E por aí vai, no mundo dos objetos, do consumo. Mas antes, durante e depois temos estudantes. Nada mais que isso, professores! Têm eles merecido tanta consideração quanto passaportes ou barris ou licenças ambientais. Repito, não leio, não escuto falarem dos estudantes. Feitos objetos por quem discursa contra o neoliberalismo? Talvez? No caso dos IFS a situação piora, pois são estudantes adolescentes, do ensino médio. Desmotivados os que pensam em ficar. Muitos já partiram e outros tantos falam abertamente em sair (para onde, no meio do ano, não se sabe). Ah, os estudantes… Contudo, encontro aqui e ali a mais profunda miopia políticas nas manifestações da direção sindical, bem como dos docentes. Falam de ameaça democrática, mas sangram um governo democrático, com palavras agressivas, que parecem retirar do vocabulário fascista do lixo bolsonarista, permitindo que a extrema-direita, mais viva e mordaz do que nunca, explore a situação, com os mais abjetos representantes do lixo direitista assumindo a direção de comissões parlamentares, para tornar tudo um verdadeiro circo, cujo final apoteótico se dará em 2026, com a volta do autoritarismo. É de migalha em migalha, de acusações em acusações rasteiras, que a extrema-direita pintará um painel deslumbrante, que mostrará o quanto o governo Lula foi alvo do seu próprio campo político. Parecem não saber mais de conjuntura política. Parecem não saber a diferença entre a reivindicação e o instrumento. Aquela legítima. A outra imprudente no quadro atual (ah, os estudantes…). Neste texto invertem os sinais e usam contra o governo federal aquilo que vem praticando: escancarando as portas para o neofascismo. Que obtenham a legitima correção de seus contracheques, pois a mim me parece que, dada a cegueira política de seus dirigentes sindicais, a partir de 2026 tornaremos todos ao deserto do real (que ao que se sabe foi percorrido em silêncio durante seis longos anos).