Imigração: os voos da vergonha na Europa

Reino Unido aprova lei que permite deportar os refugiados para Ruanda. Pagará ao país africano para transformá-lo em “plataforma de segregação”. Medida soma-se a outras em toda Europa: conter imigrantes com muros, violência e terceirização de ônus a outras nações

Foto: John Moore/Getty/AFP
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Na semana passada o Parlamento do Reino Unido aprovou, depois de uma longa batalha, a lei que permite a deportação de refugiados e migrantes considerados ilegais para Ruanda, na África Central, uma ex-colônia alemã e belga. 

O primeiro-ministro Rishi Sunak, do Partido Conservador, se empenhou na aprovação da lei, retida durante meses num impasse entre a Câmara Baixa, ou dos Comuns, e a Câmara Alta, ou dos Lordes, e também entre governo e partidos de oposição, além de ser alvo de uma crítica constante por parte de ONGs  de defesa dos direitos humanos. 

O ministro do Interior (Home Secretary), James Cleverly, saudou a aprovação da lei como “um marco no esforço para deter o afluxo de barcos” que tentam trazer refugiados do continente para o Reino Unido através do Canal da Mancha, e também como uma “afirmação da soberania britânica” contra “bloqueios impostos por tribunais europeus”.

Já Denise Delic, da seção do Reino Unido do Comitê Internacional de Ajuda aos Refugiados, considerou a medida “ineficaz, desnecessariamente cruel e demasiadamente cara”. Argumentou que seria melhor aprimorar a rede de proteção aos refugiados e seus familiares, estabelecendo, por exemplo, rotas legais e seguras.

Já há uma lista de 350 possíveis deportados e o primeiro voo para Ruanda está previsto para o mês de julho. Cada candidato a ser deportado receberá uma carta comunicando-lhe esta condição, e deve se seguir uma série de possibilidades de apelos até a decisão definitiva por parte de um tribunal. 

Há estimativas de que com todos os procedimentos legais e a compensação devida a Ruanda cada deportado custará cerca de 180 mil libras esterlinas aos cofres britânicos, o equivalente a quase 1 milhão e 200 mil reais.

Os críticos da medida lembram que nos anos 90 do século passado Ruanda foi palco de uma guerra civil cruenta e do genocídio contra a etnia Tutsi, com uma estimativa de até 800 mil mortos e de até 500 mil mulheres estupradas. O atual governo de Ruanda pede, como condição para aceitar os refugiados, que o Reino Unido deporte para lá cinco acusados de participarem deste genocídio.

A medida do governo londrino vem na esteira de uma série de iniciativas discutíveis e polêmicas na Europa sobre a questão dos refugiados e imigrantes. No ano passado a Comissão Europeia e o governo italiano tentaram negociar com a Tunísia um esforço por parte de seu governo para conter as levas de refugiados que passam por seu território em busca dos barcos no Mediterrâneo que os levem para o continente Europeu, em troca de uma ajuda financeira para equilibrar as contas do país. A iniciativa não prosperou, mas foi suficiente para levantar uma série de críticas por parte dos defensores dos direitos humanos.

No começo de abril deste ano o Parlamento Europeu aprovou por estreita margem um chamado Novo Pacto sobre Migração e Asilo envolvendo os países da União Europeia. 

A resolução compreende um conjunto de cinco leis visando agilizar e uniformizar os procedimentos para concessão ou rejeição de asilo, além de prever uma sistemática e relocação dos aceitos entre os países da União, com objetivo de aliviar a carga concentrada nos países do sul do continente. Abre também a iniciativa de negociar medidas de contenção com os países africanos que estão na rota dos migrantes, como novamente a Tunísia, e mais a Mauritânia, o Marrocos e o Egito. Mais uma vez, ONGs e desta vez a Anistia Internacional criticam a medida, dizendo que ela vai mais restringir do que proteger direitos de pessoas em situação de vulnerabilidade.

A controvérsia vai continuar. Em 2023 a Europa recebeu 1,14 milhão de aplicações pedindo asilo. Além disto detectou 380 mil migrantes em condições consideradas como “irregulares”. Destes, 105 mil receberam ordem de deportação, e apenas 28 mil foram de fato deportados.

No Reino Unido há quem preveja que aquela nova lei de deportação aprovada vai implicar uma verdadeira fuga de candidatos a sua aplicação para a clandestinidade, evitando o recebimento das intimações. No fim de semana o primeiro-ministro Rishi Sunak afirmou, comemorando, que muitos imigrantes estão saindo do Reino Unido para a Irlanda, com medo da deportação.

Por outro lado, esta situação ao mesmo tempo massiva e delicada ressalta a importância de medidas estruturais que promovam a paz, evitando guerras internacionais ou civis e combatendo a pobreza e a violência contra pessoas e grupos vulneráveis, como crianças, mulheres e idosos.

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