A redução da jornada de trabalho ao longo da história

Breve registro sobre a luta pela limitação de horas trabalhadas no capitalismo. O processo brasileiro, iniciado em 1930. A pauta, hoje, reacesa, pelo fim da escala 6×1, que pode agitar a agenda política – e porque ela resgata visão emancipatória em vias de extinção

Greve geral no Brasil em 2019. Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo
.

Este texto foi escrito por Magda Barros Biavaschi e Bárbara Vallejos Vazquez, com o título original A histórica luta da classe trabalhadora pelos direitos de proteção so-cial: dos limites da jornada à vital redução do tem-po de trabalho, e faz parte de um dossiê organizado pelo Cesit/Unicamp, Site DMT, Remir, GEPT/UNB e FCE/UFRGS e publicado em parceria com o Outras PalavrasLeia aqui a série completa

Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando [ … ] A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo. (Antônio Cândido, 2006)

[ … ] mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, não é utopia, é
Justiça (Cervantes, 1605, tradução livre)

Introdução

Marx (1998, p. 477), depois de transcrever a frase de Stuart Mill – “É duvidoso que as invenções mecânicas feitas até agora tenham aliviado a labuta diária de algum ser humano” – registra que, enquanto o instrumental do trabalho vai sendo revolucionado, a maquinaria estimula a incorporação das “meias forças”: mulheres e crianças. O trabalho passa a tomar o lugar “dos folguedos infantis e do trabalho livre realizado em casa” (Marx, 1998, p. 451) e os trabalhadores, inseguros e sem direitos, sobretudo quanto à jornada, premidos por sucessivos acidentes, “fenecem e morrem silenciosamente” (Marx, 1998, p. 296). Mas se, por um lado, a palavra de ordem era trabalhar até morrer, por outro, nas fábricas, ao redor das máquinas, eles se uniam. Os conflitos passavam a assumir, cada vez mais, o caráter de conflitos de classe. Seguiu-se uma luta mais organizada do que a outra, visando a limitar jornadas, melhorar as condições de trabalho e assegurar ganhos e descanso (Biavaschi, 2005). É bela a passagem de Marx (1998, p. 273) sobre a luta pela jornada de trabalho:

[ … ] O capitalista afirma seu direito, como comprador, quando procura prolongar o mais possível a jornada de trabalho e transformar, sempre que possível, um dia de trabalho em dois. Por outro lado [ … ] o trabalhador afirma seu direito, como vendedor, quando quer limitar a jornada de trabalho a determinada magnitude normal. Ocorre assim uma antinomia, direito contra direito, ambos baseados na lei de troca das mercadorias. Entre direitos iguais e opostos, decide a força. Assim, a regulamentação da jornada de trabalho se apresenta na história da produção capitalista como luta pela limitação da jornada de trabalho, um embate que se trava entre a classe capitalista e a classe trabalhadora.

A luta por uma regulação pública apta a limitar a ação predatória do capital impulsionava o palco da política[i]. Começava a ser internalizada a ideia de que o trabalho não deveria fazer parte da ordem liberal. Localiza-se aqui a gênese do sistema de proteção social ao trabalho, fenômeno que não pode ser compreendido apartado das demandas concretas de cada sociedade e suas especificidades históricas (Marx, 1998, p. 201). A luta pela limitação da jornada e a decorrente conquista das 48 horas semanais rendeu frutos. No Brasil, o sistema de proteção ao trabalho começou a ser sistematicamente constituído a partir de 1930, pari passu ao processo de industrialização. Nessa démarche, as mulheres tiveram papel relevante. A jornada de 08 horas/dia e 48 semanais, sem distinção de idade e sexo, conquistada em 1932, foi incorporada à Constituição de 1988 que a reduziu para 44 horas semanais, mantidas as 08 diárias, com direito ao repouso semanal, preferentemente aos domingos. Hoje, intensifica-se a luta pela sua redução.

São marcantes as desigualdades que costuram o tecido social brasileiro. E mesmo que se compreenda que não é somente no campo de uma regulação redutora da jornada que essa realidade será superada, entende-se haver avanço civilizatório quando o exercício da vida é submetido às leis universais; no caso deste artigo, à regulação redutora da jornada, recuperando-se Freud (1997) em O Mal-estar na Civilização, retomado por Marcuse em O Estado e o Indivíduo no Nacional-Socialismo (Belluzo, 2002)[ii]. A partir desse pressuposto, destaca-se a Proposta de Emenda Constitucional, PEC, da Deputada Federal Erika Hilton que altera o artigo 7°, XIII, da Constituição de 1988 para reduzir a jornada semanal de 44 para 36 horas, em 04 dias na semana e no limite diário de 08, sem redução de direitos. Assim, contrapondo-se à escala 6×1 e a quaisquer outras que desrespeitem as conquistas sociais e filiando-se a uma escala de 4×3 que respeita a jornada de 08 horas diárias, a proposta avança rumo a relações menos desiguais, com impacto positivo na produtividade, na demanda por consumo, no compartilhar mais equitativo dos cuidados (historicamente afeito às mulheres) e na melhor e mais saudável distribuição do trabalho.

Ferreira e Fracalanza (2006, p. 241-267) enfatizam a importância e os efeitos benéficos da redução da jornada, ponderando que, conquanto o aumento da produtividade do trabalho gere excedentes econômicos, sua destinação pode assumir diferentes formas: incremento da taxa de mais-valia, elevação dos salários reais, redistribuição por meio da atuação estatal ou redução da jornada. Ainda que o desenvolvimento das forças produtivas, por si só, não assegure diminuição do tempo de trabalho, condicionada a fatores como capacidade de organização política dos trabalhadores, papel dos estados e contexto econômico vigente, reconhecem seu potencial apto a: aumentar a elasticidade do emprego em relação ao crescimento econômico; criar oportunidades adicionais de trabalho; e, fortalecer as organizações sindicais. Essas reflexões trazem elementos importantes ao debate sobre a relevância de construções sociais que atuem como diques às tendências distópicas do capitalismo (Piketty, 2024).

Alicerçado nesses pressupostos e fundamentado em reflexões apresentadas no II Seminario Comparado de Derecho Dei Trabalho: Experiencias y diálogos entre Espana y Brasil, realizado na Ciudad Real, Espanha, em 24 de janeiro de 2025, na Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade Castilha de La Mancha, este artigo inicia com o Brasil de hoje. Segue breve registro sobre a luta pela limitação da jornada em tempos de capitalismo constituído e, conquistada essa limitação, pela sua redução para, com foco no processo brasileiro, chegar à discussão reacendida do tempo de trabalho, apontando resistências e apoios. Tendo como guia certas experiências internacionais e locais e olhando para propostas apresentadas ao Parlamento brasileiro, chega às considerações finais.

Desigualdade e concentração da riqueza: especificidades brasileiras

Neste início do terceiro governo Lula, há melhoria nos indicadores econômicos e sociais, com reconstrução e fortalecimento da política social, em especial do novo bolsa família e da retomada da política de valorização do salário-mínimo[iii], impactando benefícios e serviços que o utilizam como referência[iv] e a demanda por consumo que, segundo Sistema de Contas Nacionais do IBGE, foi responsável por 68% do Produto Interno Bruto, PIB, no 3º trimestre de 2024, dinamizando a economia. As taxas de desemprego atingiram as mínimas da série histórica e os rendimentos do trabalho cresceram 3,4% nos últimos doze meses[v]. Destaca-se o crescimento dos ocupados na Indústria de Transformação ( +5,2%, ou mais 652 mil pessoas), superior aos demais grupamentos.

No entanto, há imensos desafios a serem superados. Em cenário de persistente precariedade, os salários são muito baixos. Dados da PNAD-C revelam 70% dos ocupados com remuneração de até dois mil reais. Preocupam os “por conta própria”, MEIs, PJs, “empresários de si próprios” sem direitos, em meio à resiliente informalidade. Ademais, 72% das pessoas ocupadas vinculam-se às atividades de serviços, em que prevalecem formas de exploração baseadas na extração da chamada mais-valia absoluta, realidade que contribui para que, no Século XXI, o tempo de trabalho seja reposicionado como questão central e a escala 6×1 reconhecida como fator de opressão e adoecimento.

A história do Brasil revela que ciclos políticos e econômicos com melhorias sociais não chegaram a impactar de maneira estrutural a distribuição da renda e, sobretudo, da riqueza. Segundo relatório do World Inequality Data-base, WID, de 2023, o Brasil figura entre os países com maior concentração de renda e riqueza. O 1% mais rico concentra 19, 7% da renda, enquanto os 10% superiores detêm 56,8%. Em contraste, os 50% mais pobres possuem 9%. Na riqueza, a concentração é ainda maior: o 1% detém 48,7%, e os 50% mais pobres apresentam riqueza negativa (-0,3%). Além disso, as disparidades vitais (esperança de vida e mortalidade infantil), existenciais (ascensão social e discriminação) e materiais (acesso a saúde, educação e moradia) são agravadas pela alta desigualdade e, no campo do trabalho, jornadas extenuantes e trabalho em escala 6×1 constituem, inclusive, um problema de saúde pública (Becker, 2025). Conquanto programas como bolsa família tenham promovido reais melhorias, a concentração no topo não foi significativamente afetada. O Brasil não implementou reformas fiscais redistributivas, desafios a serem enfrentados ao lado de investimentos em infraestrutura, educação, políticas que promovam emprego e renda e de um estatuto que incorpore todas as pessoas que trabalham em direitos e garantias e lhes reduza o tempo de trabalho.

Regulação e processo civilizatório. A luta por direitos.

Na caminhada civilizatória, a humanidade foi compreendendo a importância de o Estado regular as relações econômicas e sociais e institucionalizar regras universais consagradoras de direitos. Hobbes (1979) já mostrara que as sociedades de indivíduos sem proteção do Estado e das instituições produzem, na sua própria dinâmica, a guerra de todos contra todos (Biavaschi, 2005). Séculos depois, Freud (1997) diria que a construção da vida em comum somente é possível quando se reúne uma maioria mais forte do que qualquer indivíduo isolado. O poder dessa comunidade é estabelecido como direito, expressando-se em um estatuto legal com características de universalidade que não deixe ninguém à mercê da força bruta. A civilização assenta-se em regras e instituições que atuam como proteção contra os impulsos hostis e tendências aniquiladoras dos homens.

Para Polanyi (1980), a tentativa ilusória do liberalismo do Século XIX ao atribuir aos mercados a condição de dirigentes dos destinos do homem e de seu ambiente natural, despojou-os da proteção das instituições, fazendo-os sucumbir à ação de moinhos satânicos. A ideia de mercado autorregulado era posta em xeque. Trabalhadores e suas organizações pressionavam por uma regulação redutora das desigualdades. Os Estados Nacionais passaram a incorporar as questões do trabalho. Depois da Segunda Guerra, seguiram-se anos gloriosos costurados por laços de solidariedade. Na crise desse sistema, as ideias liberais são retomadas, chegando aqui nos de 1990.

Na história da produção capitalista, a regulamentação da jornada (Marx, 1998) apresentou-se como uma das principais disputas entre capital e trabalho. No Brasil, sobretudo nos anos 1932 e 1933, foram abundantes decretos fixando, para o comércio[vi] e a indústria[vii], jornada diária de 8 horas e 48 semanais, com descanso obrigatório a cada 6 dias de trabalho. Em certas atividades, como a bancária[viii], decreto de 1933 fixou a jornada em 6 horas por dia e em 36 semanais, entre as 8 e as 20 horas, sem redução de salário e, em 1934, nos serviços de telegrafia submarina e subfluvial, radiotelegrafia e radiotelefonia[ix], em 6 horas diárias e 36 semanais, coroando a luta do movimento operário internacional. Essas conquistas, cantadas em 1932 por Noel Rosa, em Três Apitos (Máximo e Didier, 1980), registram o tempo em que as mulheres brasileiras começavam a conquistar o status de cidadãs. O apito das chaminés de barro marcava início e fim da jornada (Biavaschi, 2005). Em 1932, foi-lhes assegurado o direito de votar, apresentar reclamações trabalhistas perante as Juntas de Conciliação e Julgamento e obter a carteira de trabalho independentemente da “outorga” marital, apesar do que impunha o Código Civil de 1916. Direitos que, apesar de elevados à condição de sociais fundamentais na Constituição de 1988, ainda são sonegados a muitas trabalhadoras, sobretudo às negras, revelando, por um lado, as heranças escravocratas e patriarcais inscritas na tessitura social brasileira; por outro, a inserção desigual das mulheres no mundo produtivo (Biavaschi e Teixeira, 2022). Esse destaque é fundamental quando se aborda o tema da redução do tempo de trabalho, cujos reflexos na proteção social e nos cuidados são apontados mais adiante no texto.

Propostas de redução da jornada no Brasil: a Escala 6×1

No final de 2024, a bandeira da redução da jornada e, com ela, o fim da escala 6×1, tomou conta da agenda brasileira no campo do trabalho. Petição pública pelo fim dessa escala, do Movimento Vida Além do Trabalho, VAT, com mais de 2 milhões de assinaturas, recolocou o tema na agenda, alimentada substantivamente pela luta dos e das que trabalham no setor de serviços. Nesse contexto, a Deputada Federal Erika Hilton (PSOL-SP) noticiou seu Projeto de Emenda à Constituição, PEC, que reduz a jornada a 36 horas semanais, com trabalho em 04 dias na semana e não superior oito horas/dia, sem redução de direitos (PEC 08/2025). Nas justificativas, a PEC traz expresso o fim da escala 6xl. É relevante enfatizar que as jornadas de trabalho e os sistemas de escala (como a escala 12x 36, 6×1 ou outras em regimes de revezamento) devem ser tratadas distintamente, em suas complexidades. A aprovação de proposta que, por exemplo, elimine o fim da escala 6xl, não necessariamente trará redução da jornada, hoje constitucionalmente limitada a 44 horas semanais. Mesmo na escala de 5×2, a jornada semanal pode exceder do limite de 44 horas e a diária pode desrespeitar o limite de 08, sem horas extras pagas e sem repouso semanal aos domingos.

A Constituição de 1988 reduziu o limite de 48 horas semanais para 44. A Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, por seu turno, regulamentou o direito à jornada e às horas extras nos artigos 58 e 59, bastante alterados pela reforma trabalhista, Lei n° 13.467/2017. A PEC 08/2025, da deputada Erika Hilton, propõe nova redação ao artigo 7°, XIII, da Constituição Federal, assegurando limite diário de 08 horas, semanal de 36 horas e estabelecendo o trabalho em 04 dias da semana, como segue:

As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1° O inciso XIII do art. 7° passa a vigorar com a seguinte redação: “Art.7° são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social [ … ]
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;” (NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor 360 dias após sua publicação.

Outras PECs já haviam sido apresentadas. No Senado, a com tramitação mais avançada é a n° 148, apresentada pelo Senador Paulo Paim, PT/RS, em 2015. Prevendo redução progressiva da jornada: 40 horas na primeira fase, com redução de 01 hora/ano até 36 horas semanais, aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça, CCJ. Na Câmara, foram arquivadas três: em 2001, a de Jonival Lucas Junior, MDB-BA, arquivada antes de distribuída à relataria. Outras duas, de 2003 e 2007, arquivadas apesar dos pareceres favoráveis dos relatores Sigmaringa Seixas, PT-DF, e José Genoíno, PT-SP. A de 2003, reduzia a jornada para 35 horas semanais; a de 2007, introduzia “redução gradual”. Duas outras estão paradas: a relatada pelo deputado Vicentinho, PT-SP, aprovada na Comissão Especial em 2009, nunca pautada; e a de Reginaldo Lopes, PT-MG, apresentada em 2019, reduz para 36 horas semanais em 10 anos, aguarda novo Relator na CCJ. De todas, a da deputada Erika Hilton foi a que gerou maior efeito mobilizador nas ruas e nas redes.

Registros de algumas experiências: reações negativas e positivas

A luta pela redução do tempo de trabalho intensifica-se no mundo e no Brasil. A proposta em tramitação na Espanha é referência importante. Dando-se conta de que as reformas liberalizantes não entregam o que prometem, em contexto político favorável, a Espanha iniciou processo de contrarreformas atacando os pontos mais nevrálgicos das reformas trabalhistas de 2010 a 2012. Tramita no Parlamento proposta de redução da jornada elaborada em sede de diálogo social, no âmbito do Ministério do Trabalho e Economia Social. Depois de longo período de negociações e marcadas resistências, o campo empresarial se retirou. O voto contrário da Confederação patronal CEOE-CEPYME[x] abriu caminho para o ajuste bilateral, firmado em 20 de dezembro de 2024 entre a Ministra Yolanda Diaz e os secretários gerais das organizações obreiras, UGT e ecoo. Esse acordo (Baylos, 2024), reduzindo a jornada de 40 para 37,5 horas semanais, é uma intervenção legal equalizadora que impactará a redistribuição dos ganhos da produtividade que acontecem desde a última redução da jornada espanhola. Acatado pela Comissão de Ministros, o projeto está no Parlamento. Sua aprovação dependerá da correlação das forças.

No Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, nova experiência vem sendo noticiada: a escala nine-day fornight. Além do descanso de dois dias no final de semana, há um extra a cada nove úteis de trabalho, a depender do arranjo entre as partes. O sistema é oferecido como opção pela Universidade de Aberdeen, Reino Unido. Não há redução das horas trabalhadas no mês, tratando-se de escala alternativa que, segundo seus defensores, amplia a motivação para o trabalho sem comprometer a produtividade. A modalidade exemplifica as diferenças entre escala e jornada e reforça o alerta de que, mesmo na escala 4×3 poderá não haver redução da jornada semanal ou mensal[xi].

Portugal iniciou, em junho de 2023, projeto experimental da semana de 04 dias, com três folgas. Essas e outras experiências, inclusive na América Latina, devem ser acompanhadas para que seus resultados sejam avaliados, o que demanda estudo específico a transbordar os limites deste texto[xii]. Mas é importante registrar: a Para além da revolução do híbrido: o paradoxo do trabalho flexível na América Latina/ abrangendo diferentes faixas etárias e hierarquias, com profissionais da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica e México revelou que, no Brasil, mais de 72% das pessoas admitem que seriam mais produtivas na semana de 04 dias[xiii].

No Brasil, a redução da jornada tem gerado interessantes experiências, com empresas adotando sistema de 04 dias de trabalho na semana. Há relatos de melhorias no campo da saúde mental dos empregados e na produtividade. Importante destacar a experiência da Efí Bank, fintech criada em 2007[xiv] que, desde 2022, adota a escala 4×3, com 03 dias de descanso. Segundo a fintech, essa escala, com folga às sextas, sábados e domingos, não trouxe prejuízo financeiro, contribuindo para reduzir as demissões (saídas voluntárias) em 81% desde que implementada. A matéria informa haver escala de plantão para que certos serviços não fiquem a descoberto, mas não refere às horas trabalhadas por dia. Mesmo sem essa informação, o relato é importante para desconstruir o discurso do caos econômico e da falta de produtividade dos que se opõem à redução.

A PEC da deputada Erika Hilton, tão logo noticiada, provocou reações negativas e positivas. A contrariedade veio das mesmas vozes que, defendendo reformas liberalizantes, bradaram pelo fim da “rigidez” das leis trabalhistas, com promessas não cumpridas de geração de emprego, melhoria de condições de trabalho e dinamização da economia e que, na Espanha, se expressaram no voto contrário à proposta de redução da classe trabalhadora. Os críticos da redução invocam seu potencial de instabilidade e insegurança, afastando investimentos e gerando desemprego. Em meio a essas críticas, reações positivas foram veiculadas no Brasil.

Em novembro de 2024, pesquisadores do CESIT/Unicamp (Borsari et AI./ 2024)[xv] posicionaram-se sobre o tema, ressaltando que a forte adesão à proposta de reduzir jornada e acabar com a escala 6×1 é grito de socorro contra a subordinação da vida somente ao trabalho, estimulado por baixos rendimentos, precariedade e ausência de oportunidades de trabalho e mobilidade. O artigo rebate os argumentos de que a aprovação provocaria caos econômico e desemprego, mostrando que a política de valorização do salário-mínimo melhorou condições de vida e ganhos do trabalho, estimulando a demanda por consumo, com inegável potencial dinamizador da economia.

A Rede Brasileira de Economia Feminista, da REBEF[xvi], defendeu a redução da jornada e a eliminação da escala 6xl, ponderando, entre outros argumentos, que as mulheres são historicamente penalizadas pelo acréscimo das horas de trabalho doméstico e de cuidado não remunerado. Destacando os impactos positivos da redução do tempo de trabalho, como o aumento da demanda de pessoas para cobrir os dias na semana, aponta que a redução beneficiará as mulheres de várias formas, incluídas as com menor participação na força de trabalho em função da maior responsabilidade com trabalho não remunerado (afazeres domésticos e de cuidado), ampliando a arrecadação aos fundos públicos. Ademais, jornadas extensas provocam tensões e adoecimentos, com ônus à Previdência. Daí a relevância do tema ser recolocado no centro dos debates.

Considerações finais

A redução da jornada, conquanto não supere, por si só, as históricas desigualdades da sociedade brasileira de um mercado de trabalho constituído sob o signo da exclusão social, pode atuar como obstáculo à ação desigualadora do capitalismo que, em tempos globalizados e de hegemonia da finança, vê exacerbados os elementos que lhes são instituintes, entre eles a mercantilização de todas as esferas da vida e a concentração brutal da renda, da riqueza e, portanto, do poder político nas mãos de cada vez menos pessoas e corporações, com riscos à democracia. E que, no Brasil de resilientes heranças coloniais, encontrou condições estruturais para se instalar e se expandir. A proteção social e os limites ao tempo de trabalho são freios à sanha distópica. São pontos de luz em mares assaz revoltos. Daí a importância de que o tema seja colocado em sua centralidade. A redução da jornada e, com ela, a eliminação da adoecedora escala 6xl, é demanda fundamental que protege os vínculos sociais básicos, a saúde, a integridade, permitindo o compartilhar mais equitativo do trabalho de cuidado, além de impactar positivamente a produtividade, o emprego, a demanda por consumo e, com ela, a própria dinamização da economia, como as experiências abordadas no texto demonstram.

Os pensadores citados, cada um a seu tempo, oferecem luzes à compreensão dos processos históricos, desvendando as idiossincrasias de sociedades fundadas nos interesses privados que buscam subjugar o sentido do público. O artigo, olhando para o papel dos agentes e de suas instituições diante das condições de vida na terra, insere-se na luta por igualdade e justiça social. De fato, mudar o mundo não é loucura, é justiça! (Cervantes, 1605).

Referências


BAYLOS, A. EI acuerdo entre el Ministerio de Trabajo y los Sindicatos sobre la reducción de la Jornada Laboral. 22 de dezembro/2024.

BECKER. D. “A escala que fere a vida”. O Globo, Saúde. Domingo, 18 de maio/2025. Pp. 29.

BIAVASCHI, M. B. O Direito do Trabalho no Brasil – 1930-1942: a construção do sujeito de direitos trabalhistas. [Tese de Doutorado]. Campinas: Unicamp, 2005.

BIAVASCHI, M. B; TEIXEIRA, M. O. Desigualdades, Feminismo e Teorias Li-bertadoras: Mulheres que Combinaram de Não Morrer. ln: ALVARENGA, A. P.; Et AL. Trabalho além da barbárie. Campinas: Lacier, 2022. Pp. 89-92.

BORSARI, P.; Et AL. Jornada de trabalho na escala 6×1: a insustentabilidade dos argumentos econômicos e uma agenda a favor dos trabalhadores e das trabalhadoras. CESIT/Unicamp, Campinas, novembro/2024. Disponível em  https://www.cesit.net.br/jornada-de-trabalho-na-escala-6xl-a-insustentabilidade-dos-argumentos-economicos-e-uma-agen-da-a-favor-dos-trabaIhadores-e-da s-trabaIhadoras/.

CÂNDIDO, A. Discurso na inauguração da Biblioteca Carlos Marighella do MST. São Paulo, 2006. Transcrição publicada por GLASS, Verena. Carta Maior, São Paulo, 8 ago. 2006. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br.

CERVANTES SAAVEDRA, M. Dom Quijote de La Mancha. Madrid: Juan de la Cuesta, 1605.

FERREIRA, A. N.; FRACALANZA, P. S. Visões do capitalismo e rationale de duas políticas de emprego contemporâneas. Economia e Sociedade, V. 15, n. 2, pp. 241-267, 2006.

FREUD, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997. HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

MARK, K. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civiliza-ção Brasileira, 1998. Livro 1, v. 1.

MÁXIMO, J.; DIDIER, C. Noel Rosa: uma biografia. Brasília/Uns: Linha Gráfica, 1990.

 PIKETTY, T. Natureza, cultura e desigualdades: uma perspectiva com-parativa e histórica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2024.

POLANYI, K. A grande transformação. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

Notas


[i] O clássico Os Companheiros, Mário Monicelli estampa a realidade de uma fábrica têxtil em Turim, na 2ª metade do século XIX, com trabalhadores e trabalhadoras organizando a luta por direitos e limites à jornada.

[ii] Ver:  https://wwwl.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0306200113.htm.

[iii] Em janeiro, o salário mínimo subiu de R$ 1.412,00 para R$ 1.518,00. Em 27/12/2024 Lula sancionou regras para “equilibrar” as contas públicas. Entre 2025 e 2030, o aumento real do salário-mínimo ficou limitado a 2,5%, podendo subir só até esse percentual além da inflação. A elevação para R$ 1.518 representou alta de 7,50%. No critério anterior, seria R$ 1.528 (considerado o INPC de 4,84% e os 3,2% da variação do PIB de 02 anos antes); o reajuste foi reduzido em R$ 10,00.

[iv] Entre estes: abono salarial PIS/Pasep; benefícios do INSS; Benefício de Prestação Continuada, BPC; seguro desemprego; valores para inscrição no Cadastro Único; montantes pagos no trabalho intermitente; contribuições dos Microempreendedores Individuais.

[v] Ver: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/41697-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-6-4-e-ta-xa-de-subutiIizacao-e-de-15-7-no-trimestre-encerrado-em-setembro.

[vi] Decreto 21.186, de 22 de março de 1932 até Decreto 24.696, de julho de 1934.

[vii] Decreto 21.364, de 4 de maio de 1932; Decreto 23.104, de 19 de agosto de 1933.

[viii] 1Decreto 23.322, de 3 de novembro de 1933.

[ix] Decreto 24.634, de 10 de julho de 1934.

[x] Confederación Espafíola de la Pequena y Mediana Empresa.

[xi] Disponível em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2025/05/15/final-de-semana-prolongado-a-cada-15-dias-escala-ja-faz-sucesso-na-oceania.htm.

[xii] Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2023/10/10/semana-de-trabalho-de-4-dias-veja-paises-que-testam-o-modelo.ghtml.

[xiii] MUNDORH. RH: 82% dos profissionais latino-americanos se sentem mais felizes e saudáveis no modelo híbrido. Disponível em: https://www.mundorh.com.br/rh-82-dos-profissionais-latino-americanos-se-sentem-mais-felizes-e-saudaveis-no-modelo-hibrido/.

[xiv] TERRA.  Como vai  funcionar  o fim da escala  6xl, caso  aprovado?  Leia  texto da PEC que propõe a mudança. Disponível em:  https://www.terra.com.br/economia/como-vai-funcionar-o-fim-da-escala-6×1-caso-aprovado-leia-o-texto-da-pec-que-propoe-a-mudanca,d8c0baa00ff6c4c6fe5450659e5e4de2sid5553g.htm

[xv] CESIT – CENTRO DE ESTUDOS SINDICAIS E DE ECONOMIA DO TRABALHO. Estu-

do: jornada 6xl. Instituto de Economia da Unicamp, 2025. Disponível em: https://www.ie.unicamp.br/noticias/cesit-estudo-jornada-6×1.

[xvi] Disponível em: www.cesit.net.br/impactos-da-jornada-reduzida-um-olhar-feminista-sobre-o-trabalho-e-uso-do-tempo/

Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, seja nosso apoiador e fortaleça o jornalismo crítico: apoia.se/outraspalavras

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *