Os três grandes motores da insegurança alimentar
Não é a escassez o maior problema, mas uma tríplice monotonia. O Agronegócio impõe alimentação pouco diversa, a pecuária predatória espalha doenças e a oferta de ultraprocessados só cresce. Mas na América Latina despontam os bioinsumos
Publicado 11/09/2025 às 17:30 - Atualizado 11/09/2025 às 17:31

A COP30 é uma excelente oportunidade para que se redefina a segurança alimentar, até aqui sistematicamente associada a produzir cada vez mais. No entanto, as conquistas científicas e os dispositivos tecnológicos, que foram fundamentais para o aumento das safras e a drástica redução da fome na segunda metade do século XX, se converteram hoje na mais importante ameaça à segurança alimentar global. O que nos ameaça não é mais a escassez. É o excesso.
O sistema agroalimentar global é marcado por uma tríplice separação: a agricultura separou-se da biodiversidade; as factory farmings separaram os animais de criação das fontes de sua alimentação e a alimentação se separou da saúde. Esta tríplice separação se exprime, por sua vez, numa tríplice monotonia.
A primeira monotonia é a da agricultura. A humanidade conhece mais de sete mil produtos comestíveis, dos quais quatrocentos são cultiváveis. No entanto, 75% de nossa alimentação vem de apenas seis produtos: soja, milho, trigo, cana-de-açúcar, arroz e batata. E estes produtos são obtidos com base em técnicas que transformaram microorganismos, insetos, fungos e, de forma geral, a biodiversidade em inimigos a serem eliminados por meio de técnicas que fazem do combate à vida a base do aumento da produtividade. Esta é a dupla face da monotonia agrícola e do excesso que a caracteriza: ela se revela nos produtos e nas técnicas para obtê-los.
A segunda monotonia vem da homogeneidade das raças e das técnicas produtivas na produção animal, num regime que tortura sistematicamente seres dotados de inteligência e sensibilidade com consequências desastrosas sobre a saúde humana, expressas no avanço da resistência antimicrobiana, uma das mais sérias preocupações atuais da Organização Mundial da Saúde, em função das chamadas “superbactérias”.
E a terceira monotonia é a da alimentação, com a oferta crescente de ultraprocessados, produtos que nem deveriam ser chamados de comida. O escritor norte-americano Wendell Berry o exprime de forma emblemática, quando diz que a indústria alimentar não se preocupa com a saúde e a indústria da saúde não se preocupa com os alimentos.
Esta tríplice monotonia está sendo cada vez mais contestada, não apenas por cientistas e ativistas, mas pelo Banco Mundial, pelo Grupo Consultivo em Pesquisa Agrícola Internacional e mesmo por organizações como o Fórum Econômico Mundial e o grupo financeiro Mitsubishi, sétimo maior grupo financeiro global que acaba de publicar um relatório alertando para os perigos dos ultraprocessados e do uso de antibióticos na produção animal.
A boa notícia vem da América Latina: é aqui que estão emergindo as bases científicas que vão permitir ultrapassar os dispositivos da Revolução Verde, por meio de um conjunto de bioinsumos dos quais Brasil, Argentina e Colômbia ocupam hoje a vanguarda global. Além disso, os próprios fazendeiros nas regiões produtoras de soja, no Brasil, começam a contestar sua dependência de insumos químicos que erodem seus solos e corroem seus rendimentos.
O sistema agroalimentar é apenas um exemplo daquilo que, de forma geral, podemos chamar de economia do excesso. Não se trata de se opor ao crescimento econômico, mas sim ao crescimento daquilo que compromete o bem-estar das sociedades contemporâneas, promovendo o que melhora a vida social e rejeitando o que agride a saúde humana, o bem estar-animal e compromete serviços ecossistêmicos dos quais todos dependemos. A segurança alimentar do século XXI está na abundância da vida e não no excesso daquilo que a destrói.
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