Geopolítica da catástrofe climática

Mundo eurocêntrico, responsável histórico pela crise, quase não reduz emissões. Quer comprar, num “mercado de carbono”, o direito de poluir. E recusa-se a financiar as tarefas de mitigação. Três pontos cruciais para compreender a COP30

Arte: Patrick McGrath Muñiz
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Por Meenakshi Raman, da Third World Network

Título original: O multilateralismo não vai salvar o planeta

Com o texto que se segue, Outras Palavras inicia sua parceria com a Third World Network (TWN) para uma intensa cobertura da COP 30. Nesta revista, você poderá conferir em português os escritos da TWN acerca do evento, centrados num ângulo crítico sobre este momento chave para os embates por justiça climática e saídas justas para o Sul Global. Boa leitura! (OP)

Há dez anos, o mundo ficou eufórico com o anúncio do Acordo de Paris. O ano de 2015 foi o ponto culminante de uma longa negociações no âmbito da Convenção-marco das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). As negociações foram precedidas pela COP15 em Copenhague, em 2009, quando o multilateralismo climático resistiu a duras penas. O que se seguiu foram cinco anos de negociações intensas para que o Acordo de Paris fosse finalmente apresentado na 21ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP21), em 2015.

A negociação foi marcada pela divisão entre países do Norte e do Sul global. As tensões se concentraram em como fazer frente às obrigações do acordo levando em consideração o nível diferenciado de desenvolvimento entre os países. Ao final, chegou-se a um resultado frágil e delicado. Ora houve uma diferenciação clara entre as responsabilidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento e ora não tanto.

As avaliações sobre o Acordo de Paris variaram. Uns achavam que o resultado foi aquém do seu objetivo de salvar o planeta e proteger os mais pobres das consequências climáticas. Outros consideravam que foi o melhor resultado possível para a correlação de forças e que, pelo menos, estabelecia uma base para uma maior ambição futura. À época, Barack Obama era presidente dos EUA e enfrentava um Congresso que em sua maioria se opunha a essa agenda. 

O Acordo de Paris estabelece, em seu artigo 14, um Balanço Global (Global Stocktake, em inglês), que avalia o progresso do mundo em relação à ação climática. Esse mecanismo foi visto por muitos, especialmente pela União Europeia, como uma forma de pressionar por metas mais ambiciosas. O artigo 14 estabelece que o Balanço “informará os Estados-parte, atualizando e aprimorando, de maneira nacionalmente determinada, suas ações e apoio, (…) bem como aprimorando a cooperação internacional para a ação climática”.

O primeiro balanço ocorreu em 2023, durante a COP28 em Dubai. Os países foram solicitados a submeter seus Planos Nacionais de Ação (Nationally Determined Contributions ou NDCs em inglês) para a COP30 no Brasil. Eles abrangem o período de 2031 a 2035. Os primeiros referem-se ao período entre 2021 a 2030. O próximo balanço, realizado a cada 5 anos, deverá ser realizado em 2028.

Em Paris, o escopo desses planos também foi objeto de controvérsia. Países desenvolvidos defendiam a ideia de que eles deveriam fazer referência apenas às metas de mitigação da crise climática. Já o grupo aliado de países em desenvolvimento (conhecido como Like-Minded Developing Countries ou LMDCs em inglês) defendia um escopo mais amplo, para além da mitigação. A perspectiva dos países em desenvolvimento prevaleceu. O Artigo 3º do Acordo de Paris estabelece que os NDCs são “uma resposta global às mudanças climáticas” e que as partes que assinam o acordo devem empreender e comunicar “esforços ambiciosos”, incluindo mitigação, adaptação e os meios de implementação necessários ou a serem fornecidos.

Na política climática, “mitigação” significa reduzir as emissões que causam o aquecimento global. O conceito inclui planos de energia renovável ou proteção florestal. “Adaptação” significa lidar com os efeitos já presentes. Inclui desde a construção de defesas contra inundações até o plantio de variedades de cultivo resistentes à seca. E, para tornar esses esforços possíveis, um terceiro elemento são os meios de “implementação”, como financiamento, tecnologia e habilidades.

Na COP30, no Brasil, será lançado o relatório que vai avaliar os planos nacionais e o progresso dos países em alcançar a meta estabelecida pelo Acordo de Paris: limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Infelizmente, os países estão longe de alcançá-la.

Espera-se que o relatório inspire maior ambição para fechar a lacuna de emissões de carbono. Essa urgência é ressaltada por descobertas alarmantes da Organização Meteorológica Mundial. A última década foi a mais quente já registrada. Além disso, há uma probabilidade de 70% de que a temperatura média ultrapasse os 1,5 °C nos próximos cinco anos. Essas projeções são uma janela de oportunidade para evitar danos irreversíveis ao clima. Mas ela está se fechando rapidamente. Ações ousadas e imediatas são necessárias.

Ilustração: @ninafontenelle

Divisão justa das responsabilidades

O elefante continua na sala. Quem vai preencher a lacuna de emissões globais?

É justo esperar que os países em desenvolvimento assumam maior responsabilidade quando as nações desenvolvidas – historicamente, os maiores emissores de carbono – não cumprem a sua parcela de reduções? Apesar do uso desproporcional do espaço atmosférico do planeta e de suas promessas de liderar as ações climáticas, muitos deles não alcançaram as metas com as quais se comprometeram. O ônus de fechar a lacuna não pode ser transferido àqueles que menos contribuíram para a crise e que agora enfrentam os maiores desafios para se adaptar às suas consequências.

Na decisão do balanço global da COP28 de Dubai em 2023, essas preocupações foram reiteradas: “o que resta uso de carbono, se quisermos atingir a meta de temperatura do Acordo de Paris, é pouco — e está sendo rapidamente esgotado”. As emissões acumuladas historicamente já representavam cerca de quatro quintos do orçamento total de carbono, o que resultava numa chance de apenas 50% de limitar o aquecimento global a 1,5 °C.

A quantidade de carbono restante para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C são 500 gigatoneladas (Gt). Estudo realizado pela Climate Equity Monitor, com sede na Índia, diz que para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C, os países desenvolvidos somente teriam 87 Gt de dióxido de carbono equivalente (CO²-eq) para gastar. Isso sem considerar as emissões passadas.

Quando consideradas as emissões totais, os países desenvolvidos teriam de empreender emissões negativas imediatamente. No entanto, a análise dos planos nacionais mostra que eles ainda vão emitir cumulativamente, até 2030, 140 gigatoneladas. Isso excede seu saldo restante de emissões de carbono em 53 gigatoneladas. A análise também revela que os esforços atuais de mitigação climática dos países desenvolvidos são insuficientes para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C e consomem excessivamente o saldo de carbono restante. O cenário agrava-se ainda mais quando se leva em consideração a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris em 2025.

Outra propostas discutida durante as negociações que levaram ao Acordo de Paris foi o de acesso equitativo ao espaço atmosférico. Índia, Bolívia e Etiópia lançaram esta ideia. Ela deveria ser considerada, pensavam, ao se determinar como o saldo restante de emissões de carbono deveria ser compartilhado per capita. O cálculo deveria levar em consideração a responsabilidade histórica, defendiam. Infelizmente, essas propostas não viram a luz do dia devido à enorme resistência dos países desenvolvidos, especialmente dos Estados Unidos, com o argumento de que nenhum acordo internacional deveria impor a redução das emissões.

O único consenso possível foi através de uma abordagem de baixo para cima. Assim, deu-se origem ao conceito dos planos nacionais (NDCs), em que cada país se comprometeria com o que pode fazer de forma voluntária. Vale ressaltar que essa abordagem não contém nenhuma avaliação sobre se os planos propostos promovem equidade ou justiça entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Ao contrário, acadêmicos e grupos progressistas da sociedade civil apontaram que os países ricos não estão fazendo o suficiente e estão muito longe do que é necessário para limitar o aumento da temperatura.

Em 2021, na COP26 em Glasgow, no Reino Unido, os princípios de repartição justa e equitativa do ônus climático deram lugar a alternativas ainda mais relaxadas para os países desenvolvidos. A presidência do Reino Unido promoveu o mantra de zero emissões líquidas (“net-zero”) para todos os países.

A abordagem de zero emissões líquidas visa equilibrar a quantidade de gases de efeito estufa que os países emitem com a quantidade que removem da atmosfera. Essa nova abordagem permitiu que as nações desenvolvidas adiassem cortes reais em emissões e confiassem em promessas vagas e compensações futuras. Além disso, também transferiam o ônus de ações mais rigorosas para os países em desenvolvimento sem o financiamento ou a tecnologia necessários. O Acordo de Paris estabelece uma aspiração global de equilibrar e diminuir as emissões até 2050 em uma ação conjunta e não uma proposta que individualiza a resposta dos países.

O mantra do saldo zero das emissões têm sido alvo de muitas críticas. Países em desenvolvimento e grupos de justiça climática dizem que são pouco ambiciosos e até mesmo duvidosos. Esses grupos têm pedido o “zero real” e não o “zero líquido”, começando primeiro pelos países desenvolvidos, que também devem ser responsáveis por apoiar financeiramente os países em desenvolvimento para que sigam nessa direção.

Muitas dessas promessas de zero líquido não se baseiam em uma descarbonização profunda e dependem de “soluções baseadas na natureza” para sequestrar as emissões de carbono. Elas dependem dos mercados de carbono para fornecer compensações de carbono (carbon offsets), que são instaladas principalmente nos países em desenvolvimento. A compensação não é uma verdadeira redução das emissões, mas sim pagar aos países em desenvolvimento para reduzirem as suas emissões. Essa medida é considerada tendo melhor custo-benefício e compensaria as emissões geradas no mundo desenvolvido.

Com ou sem compensação de carbono, tais compromissos criam uma enorme demanda por lugares como florestas, pântanos e pastagens nos países em desenvolvimento. A quantidade necessária de lugares excederia em várias vezes a capacidade de sequestro de carbono do planeta. Isso terá implicações negativas para os países em desenvolvimento, incluindo conflitos sobre o uso da terra, comunidades locais e povos indígenas cujas terras e florestas estão sendo procuradas para resolver o problema das emissões das nações ricas. Grupos de justiça climática se referem a isso como “colonialismo de carbono”.

Chega de retórica, precisamos de ação

O pano de fundo dessas questões trazidas anteriormente é catastrófico. O Estados Unidos se retirou do Acordo de Paris. O governo Trump não somente nega abertamente as mudanças climáticas, como promove os combustíveis fósseis. Usa os acordos bilaterais negociados com países em desenvolvimento como barganha para que os países em desenvolvimento aumentem o consumo de energia fóssil. A trajetória global se desviou perigosamente em direção à catástrofe climática.

Como um valentão do pátio da escola cujas ações ameaçam o bem-estar coletivo, tal comportamento exige uma resposta unificada e enérgica da comunidade internacional.

No entanto, nas negociações climáticas em junho deste ano em Bonn, Alemanha, o mundo desenvolvido em geral não demonstrou um compromisso significativo com a renovação da cooperação com os países em desenvolvimento. Em vez disso, continuaram a diluir suas responsabilidades e a fugir de suas obrigações, particularmente na área crítica de financiamento climático, minando a confiança e comprometendo as perspectivas de uma ação climática global equitativa.

A afirmação de que as nações ricas carecem de recursos financeiros adequados é insustentável, especialmente quando fundos substanciais são prontamente mobilizados para apoiar a venda de armas a Israel em meio ao seu genocídio devastador em Gaza e para expandir as defesas militares e a infraestrutura de segurança global.

Esse contraste gritante expõe uma preocupante priorização dos interesses geopolíticos em detrimento da sobrevivência do planeta.

Enquanto isso, os impactos climáticos continuam a se intensificar, com eventos extremos, como ondas de calor, secas, incêndios florestais e inundações, afetando desproporcionalmente as populações mais vulneráveis. Nesse contexto, os países em desenvolvimento devem se concentrar urgentemente na adaptação e no tratamento de perdas e danos.

É exatamente por isso que a COP30 no Brasil deve centrar as prioridades do Sul Global. O foco deve recair diretamente sobre o fornecimento de financiamento climático dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento. Essa é uma obrigação vinculativa nos termos do Acordo de Paris. Também deve promover um apoio significativo para transições justas, ampliar os esforços de adaptação e fornecer fundos concretos para lidar com perdas e danos. Qualquer coisa menos do que isso seria uma traição à justiça climática.

Não é mais suficiente apenas invocar a necessidade de salvar o multilateralismo. Está em jogo algo muito maior. Precisamos cumprir nossa promessa de salvar o planeta e proteger os mais vulneráveis do mundo. Isso exige soluções genuínas e transformadoras, baseadas na cooperação internacional e não no ciclo cansativo de transferência de culpa e truques retóricos.

O tempo das cortinas de fumaça e dos gestos simbólicos já passou. São necessária ações ousadas e responsáveis que priorizem a justiça, a equidade e a sobrevivência.

Este artigo foi originalmente publicado em “Focus 23: Global South’s Climate Agenda”, do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (ISIS) da Malásia.

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Um comentario para "Geopolítica da catástrofe climática"

  1. Mendell disse:

    Texto bastante difícil de ler por um motivo bem simples: tudo não passa de promessa !!! Já estamos na Cop 30 e as promessas vão sendo jogadas pra frente no melhor estilo Bezouro ” rola bosta “. Uma coisa é certa : não temos um planeta reserva. Toda a destruição que está sendo feita será colhida por nós, sejamos o 1% mais rico do Planeta ou não.

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