COP30: entre a esperança e o impasse
Cresce pressão por respostas concretas, depois de a temperatura subir mais de 1,5ºC em relação à média pré-industrial. Sabotagem dos EUA, ausência de recursos financeiros e retórica sem compromisso tornam a conferência um espelho da crise de governança global. Haverá virada?
Publicado 10/11/2025 às 18:22

A COP30, que teve início nesta segunda-feira (10) em Belém (PA), acontece em um cenário desafiador em muitos aspectos. Primeiro, porque a conferência das Nações Unidas ocorre após dois anos consecutivos de temperaturas globais recordes, com os efeitos das mudanças climáticas sentidos em diversas partes do mundo na forma de eventos extremos. Por outro lado, a reunião precisa se provar útil em um contexto de fragilidade do multilateralismo e das fraturas geopolíticas que têm afetado o entendimento amplo em inúmeras questões.
No décimo aniversário do Acordo de Paris, realizado em dezembro de 2015, o balanço aponta que ele, com o tempo, se tornou insuficiente. Mas, sem os compromissos assumidos à época, o panorama atual seria ainda pior. A cúpula histórica marcou a primeira vez em que foi desenhado um pacto no qual os países desenvolvidos e em desenvolvimento concordaram em limitar os gases de efeito estufa para conter o aquecimento global a uma linha abaixo de 2ºC, com o prosseguimento dos esforços para permanecer dentro do limiar de 1,5ºC. O mecanismo adotado para isso foi a adoção de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), planos nacionais de ação nos quais cada país descreve como planeja reduzir suas emissões e se adaptar aos efeitos das mudanças no clima.
Pelo Acordo de Paris, os países são obrigados a atualizar a cada cinco anos essas contribuições, sempre de forma a elevar suas pretensões e levando em conta as capacidades de cada um. A COP30 é o momento em que isso será concretizado, com um debate que se torna mais urgente quando se avaliam os resultados das contribuições em vigor hoje. “Os países fizeram progressos significativos desde a adoção do Acordo de Paris em 2015. No entanto, os compromissos atuais das NDCs estão longe de ser suficientes para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C; e nos colocam no caminho do aquecimento de 2,5 a 2,9 °C. Há também uma disparidade significativa entre as metas atuais e sua implementação real, o que significa que as emissões provavelmente serão maiores em 2030 do que as atuais NDCs sugerem”, avalia a ONU.
Segundo a 16ª edição do Relatório de Lacuna de Emissões, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), as projeções de aquecimento global ao longo deste século, com base na implementação completa das NDCs, são agora de 2,3 a 2,5°C, enquanto as baseadas nas políticas atuais são de 2,8°C. “No entanto, as atualizações metodológicas representam 0,1° C da melhoria, e a próxima retirada dos EUA do Acordo de Paris cancelará outros 0,1°C, o que significa que as novas NDCs mal moveram a agulha. As nações continuam longe de cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento a um nível bem abaixo de 2°C”, pontua o documento. O relatório conclui que essa superação deve ser limitada por reduções mais rápidas e maiores nas emissões de gases de efeito estufa para minimizar os riscos e danos climáticos.
O dinheiro que falta
Diante da realidade dramática da questão ambiental, seria necessário um salto muito maior em termos de compromissos. “Uma tarefa mais difícil do que nunca no contexto internacional, marcada por crescentes tensões geopolíticas. A retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris em breve entrará em vigor. A União Europeia está dividida sobre a implementação do Green Deal e teve grande dificuldade em chegar a acordo sobre os seus novos objetivos. Em todos os lugares, os populismos climáticos estão aumentando”, aponta a diretora de Pesquisa do CNRS, na Universidade Aix-Marseille, na França, Sandrine Maljean-Dubois. “Sem falar nos conflitos globais que enfraquecem a cooperação multilateral. As questões do financiamento climático e a saída de fósseis, finalmente, exacerbam as divisões antes mesmo do início das negociações”, avalia, em artigo no The Conversation.
O dinheiro é um problema, pra variar. O Azerbaijão, que recebeu a COP29, e o Brasil apresentaram um roteiro para a mobilização de US$ 1,3 trilhão por ano em financiamento climático para países em desenvolvimento até 2035. A promessa assumida anteriormente pelas nações desenvolvidas de mobilizar US$ 300 bilhões é insuficiente e a saída dos EUA do Acordo de Paris abriu um buraco de US$ 18 bilhões na conta. Por isso, tornam-se ainda mais necessárias as discussões sobre iniciativas práticas como a implementação de taxas de “pagamento de poluidores”, reformas multilaterais de bancos de desenvolvimento e medidas que possam dar conta das crises da dívida que forçam as nações pobres a assumir empréstimos de juros elevados. Mais do que planos de intenções, as ações urgem.
Como não há sanções em caso de descumprimento dos NDCs, os países que são mais prejudicados pelas mudanças no clima têm recorrido à Justiça para tentar proteger suas populações dos impactos mais severos. “Desde 2017, o número global [de ações judiciais] aumentou 250%, de 884 casos para 3.099. Sem ser uma varinha mágica, esses processos se tornam uma alavanca central para responsabilizar os governos – e até mesmo para empresas e atores financeiros, que são cada vez mais direcionados”, conta Maljean-Dubois.
A pesquisadora lembra que a COP15, realizada em Copenhague, Dinamarca, em 2009, estabeleceu a meta de financiamento climático para os países em desenvolvimento em US$ 100 bilhões por ano. Embora afirmem que essa meta foi alcançada em 2022, uma parte muito grande foi feita sob a forma de empréstimos a taxas muitas vezes extorsivas. A ONG Oxfam considera que o valor real, em 2022, ficou longe do prometido: apenas entre 28 bilhões e 35 bilhões de dólares dos 116 bilhões de dólares anunciados.
Em função dessa falha no cumprimento de acordos, o pequeno estado insular de Vanuatu, solicitou em setembro de 2021, um parecer consultivo na Corte Internacional de Justiça (CIJ), da ONU, o que gerou uma outra resolução relacionada, em 2023, propondo duas questões: quais são as obrigações dos Estados, segundo o direito internacional, de garantir a proteção do meio ambiente, e quais são as consequências jurídicas para os Estados, no âmbito dessas obrigações, quando causam danos ao meio ambiente.
Em julho deste ano, o principal órgão judicial da ONU decidiu que os Estados têm a obrigação de proteger o meio ambiente das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e de agir com a devida diligência e cooperação para cumprir essa obrigação, o que inclui limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, e não a apenas 2ºC. Os Estados que violarem essas obrigações, segundo o parecer, incorrerão em responsabilidade legal e poderão ser obrigados a cessar a conduta, oferecendo garantias de não repetição e determinação de realizarem reparação integral, conforme as circunstâncias.
“A COP30 oferece uma oportunidade fundamental para traduzir a clareza jurídica da CIJ em ganhos diplomáticos concretos. Além da COP30, o parecer também abre caminhos para a prestação de contas por meio de litígios climáticos e mecanismos de compensação – ferramentas vitais para garantir que as promessas feitas ao Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEID) sejam mantidas”, dizem, em um relatório, Amy Cano Prentice, Emily Wilkinson e Aditi Solanki, do think tank ODI Global (antigo Overseas Development Institute).
A ausência dos EUA
Ainda que a decisão da CIJ e diversos países hoje já adotem o entendimento de que o 1,5ºC seria o limite a ser fixado como obrigatório para nortear as NDCs, o fato é que a temperatura já ultrapassou essa marca em relação aos níveis pré-industriais e, de acordo com muitos cientistas, seria irrealizável a esta altura. Contudo, os mesmos pesquisadores acreditam que a meta deve permanecer para assegurar que o aumento seja o menor possível.
Dentro desse objetivo, o fato de os Estados Unidos, um dos maiores poluidores do mundo, estarem fora da mesa de negociações poderia ser um mau sinal. Contudo, por conta do papel desempenhado pelo país no segundo mandato de Donald Trump, a ausência estadunidense tem sido celebrada na COP30. Se a postura do país em relação às mudanças climáticas oscilou durante os últimos anos, com maior ou menor proximidade de ações efetivas para combater o aumento de emissões, agora ele trabalha de forma abertamente contrária, com seu presidente dando declarações negacionistas em diversas oportunidades. “Se você não se afastar desse golpe verde, seu país vai falhar”, disse ele a líderes em um discurso realizado na ONU em setembro.
“Antes, era negligência benigna, mesmo no primeiro mandato de Trump”, relatou um ex-funcionário sênior do Departamento de Estado ao jornal britânico The Guardian. “Agora é bem o contrário. Eles não querem participar e também não querem que os outros participem.”
Mesmo fora do encontro, os Estados Unidos representam uma ameaça aos acordos firmados para deter as mudanças no clima. Um exemplo, lembrado pelo The Washington Post, aconteceu em outubro, quando os países se reuniram em Londres para um pacto histórico que pretendia exigir aos navios que atravessam águas internacionais reduzissem as emissões ou pagassem uma taxa.
Os membros da Organização Marítima Internacional (OMI) já haviam concordado com o projeto em abril, mas o governo Trump entrou em cena, emitindo uma série de ameaças às nações que apoiassem o pacto, incluindo o bloqueio de seus navios de portos dos EUA, restrições de visto e sanções a autoridades individuais. Por conta da pressão, a Arábia Saudita apresentou uma moção para adiar as negociações por um ano, fazendo com que todo um trabalho elaborado para reduzir os impactos de uma indústria responsável por 3% das emissões globais fosse para a gaveta.
Contudo, assim como já tem acontecido em negociações no âmbito comercial, a COP pode determinar um rearranjo geopolítico que contorne a influência dos Estados Unidos também nesta área. “A ausência de Washington, aliada às suas táticas ativamente disruptivas em outras frentes climáticas, cria um vácuo de liderança e incentiva a relutância entre outros grandes emissores. Por sua vez, isso coloca uma pressão imensa sobre a União Europeia e grandes economias emergentes, como China, Índia e o anfitrião Brasil, para formar uma coligação estabilizadora”, pontua Hafed Al Ghwel, membro sênior e diretor do programa do norte da África no Stimson Center. “A sua capacidade de encontrar um terreno comum, apesar das rivalidades comerciais e das diferentes responsabilidades, determinará se a COP30 poderá ser uma cerimônia coletiva de graduação para a liderança do Sul Global ou mais um sintoma da decadência multilateral.”
As discussões em Belém se relacionam a um tema fundamental para todo o mundo, com consequências distintas que refletem as desigualdades entre os países e dentro deles. Mas também é uma oportunidade para se debater aquilo que está presente e oculto nas conversas de dirigentes. Assim como as ações concretas para conter e mitigar os impactos das mudanças no clima são urgentes, novos arranjos internacionais também são, para dar conta dos inúmeros desafios comuns a todos os países.
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