Clima: a inesperada vitória das aposentadas suíças

Documentário Muito quente acompanha o julgamento de um crime tanto “incomum” quanto letal. Em meio a ondas de calor, mulheres lutaram para condenar a Suíça por não mitigar os impactos das mudanças climáticas – e alcançaram êxito inédito

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Por Sergio Ferrari | Tradução: Rose Lima

Em 9 de abril de 2024, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), com sede em Estrasburgo, França, condenou a Suíça por não cumprir seus compromissos com a proteção do clima. Esse veredicto, que o governo suíço rejeitou em agosto do mesmo ano, foi o resultado de um longo processo jurídico de mais de oito anos através de diferentes órgãos suíços e, finalmente, do Tribunal Europeu.

Promovido pela “Anciãs pelo Clima”, uma associação suíça que reúne 3 mil mulheres com idade média de setenta e três anos, a força motriz e o principal argumento deste julgamento foi que, embora as mudanças climáticas afetem a todos, ninguém pode negar seus efeitos particularmente prejudiciais sobre os idosos. A sentença, certamente relevante como precedente legal, sustenta que a Suíça violou a Convenção Europeia dos Direitos Humanos ao não tomar todas as medidas necessárias para mitigar o impacto das mudanças climáticas.

Uma viagem com um final “inesperado”

Apenas um ano após essa sentença histórica, em abril passado, TROP CHAUD (Muito quente), um documentário do diretor Benjamin Weiss com coautoria de Daniel Hitzig, foi lançado na Suíça de língua alemã. A estreia nos cinemas da Suíça francófona será na segunda quinzena de setembro e na Suíça italiana, em novembro.

TROP CHAUD, uma “viagem” com a câmara que acompanha os querelantes ao longo de todo o processo judicial, e retratando com particular rigor documental a preparação da argumentação acusatória perante o Tribunal Europeu, mantém a tensão de um verdadeiro thriller ou, mais precisamente, de um filme de ação policial com um “culpado” desmascarado de antemão. Essa jornada cinematográfica culmina em uma vitória inesperada de imensas proporções que, a partir de agora, abre as portas para ações judiciais e sanções similares contra países que não façam o suficiente para enfrentar a crise climática.

Em uma entrevista exclusiva, Weiss e Hitzig, também coprodutores do filme, concordam que seu trabalho é sobre “uma jornada cujo resultado, como costuma acontecer com muitos documentários, era incerto”. Hitzig, 66, que tem uma longa carreira em jornalismo, no trabalho humanitário e a cooperação para o desenvolvimento, explica: “Não sabíamos que as Anciãs pelo Clima iriam vencer em todas as frentes em Estrasburgo, ou que a Suíça se recusaria a cumprir a decisão”. No entanto, acrescenta, “desde o início fomos muito claros que queríamos contar uma história complexa: como acontecem as mudanças climáticas, o que está por trás da ideia de exigir medidas de proteção climática por meios legais? E nos propusemos a apresentá-lo da maneira mais simples e atraente possível”.

Benjamin Weiss, 42 anos, com formação em cinema na Califórnia, Estados Unidos, explica que, ao escolher quem entrevistar, decidiram priorizar as ativistas da associação de mulheres idosas de todas as regiões do país, que se expressam nas três línguas nacionais (alemão, francês e italiano) e que deveriam ocupar o lugar de maior destaque como protagonistas. Além disso, decidiram dialogar com especialistas, juristas e climatologistas. Viajando quase sempre de trem, e com uma pequena equipe de duas pessoas, eles viajaram por muitos cantos da Suíça, além de Estrasburgo, Amsterdã, Paris, Hamburgo e Grã-Bretanha. O rigoroso caráter documental do filme explica a inclusão de um vasto leque de documentos (também acessíveis na Internet). Entre outros, os argumentos de ambas as partes e a publicação do acórdão do Tribunal de Estrasburgo, bem como os debates sobre essa questão que tiveram lugar nas duas Câmaras do Parlamento suíço.

Maratona contra o tempo e a crise climática

Por causa da velocidade com que as mudanças climáticas estão avançando, não havia tempo a perder, concordam os dois cineastas. É por isso que eles lançaram, rapidamente, e junto com as mulheres da organização demandante, a campanha de busca de fundos com um apelo à sociedade civil. Dessa forma, foram capazes de levantar uma grande parte do modesto orçamento básico de 300.000 francos (cerca de US $ 370.000). Com a mesma velocidade, eles apressaram o trabalho de pós-produção para estrear seu filme em 9 de abril deste ano, no primeiro aniversário da decisão do Tribunal de Estrasburgo.

Nas próximas semanas, eles são confrontados com novos desafios, como promover e acompanhar a distribuição de TROP CHAUD em toda a Suíça, incluindo a exibição, em janeiro de 2026, no próximo Festival de Cinema de Solothurn, na Suíça. Além disso, iniciaram contato com cerca de trinta festivais internacionais com a perspectiva de apresentar o filme. Sem dúvida, o desafio mais ambicioso para os produtores é garantir que até abril de 2026, por ocasião do segundo aniversário da vitória das Anciãs pelo Clima, possa ser visto online em diferentes idiomas e gratuitamente. Uma fundação já se mostrou disposta a sustentar uma campanha de impacto para garantir essa ampla divulgação. “Esperamos que essa história seja conhecida na Suíça e no exterior por milhares e, se possível, por centenas de milhares de pessoas”, comentaram os cineastas.

Multiplicando uma vitória social

Um sonho simples, ou a certeza de Weiss e Hitzig no conteúdo universal de seu filme e seu impacto em diversos públicos? Weiss responde: “Estamos convencidos de que a luta dessas mulheres aposentadas em favor do clima é uma história de esperança. Isso prova que, juntos, as/os cidadãs/ãos podem alcançar grandes coisas. Em nossa opinião, essa mensagem merece ser ouvida e vista pelo maior número possível de pessoas”.

De acordo com Hitzig, “Trata-se de olhar e assumir um combate coletivo com sotaque feminino. Uma vitória jurídica surpreendente baseada em um julgamento muito bem fundamentado perante o Tribunal Europeu. E também para mostrar a atitude oficial da Suíça, que põe em causa o Estado de direito, ou o limita, ao não aceitar ou respeitar um acórdão do Tribunal Europeu contra ela e que, portanto, não é do seu interesse”.

Uma reflexão adicional e não menos importante, diz Hitzig, é que o fato das Anciãs pelo Clima terem quebrado dois tabus não deve ser subestimado. Por um lado, essas mulheres acusaram seu próprio país perante um tribunal internacional. Por outro lado, sentiram-se no direito, o que obviamente lhes corresponde legitimamente, de continuar a ser politicamente ativas como mulheres aposentadas e sem aceitar que não sejam reconhecidas porque biologicamente já pertencem à geração das avós.

A conclusão compartilhada por Weiss e Hitzig vai além de seu próprio trabalho e toca diretamente na complexa conjuntura planetária. O trabalho que TROP CHAUD quis dizer faz parte de um período de mudanças radicais e da perda de certezas, explicam. Hoje, a ordem mundial baseada em regras de coexistência parece pertencer ao passado. Guerras, conflitos e tarifas alfandegárias são manchetes importantes na mídia e, portanto, são muito mais preocupantes do que o perigo que as mudanças climáticas representam para a humanidade.

Nessa situação, dizem, “foi um privilégio trabalhar no filme com tantas pessoas abertas a argumentos razoáveis”. No entanto, é preocupante que, em alguns espaços e em certas ocasiões, tenha sido negado às Anciãs pelo Clima o direito de se expressar e debater sua própria visão. E concluem: “Como cineastas, partimos do princípio de que a negação coletiva diante de grandes desafios não fará avançar a humanidade, muito pelo contrário”.

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