Uma invasão hacker contra as big techs

O que é o Plano Nacional de Soberania Digital, que ativistas de todo o Brasil tentarão esboçar esta semana, em Brasília. Por que enfrentar as corporações que dominam a internet, usando o potencial das tecnologias para o bem comum, é central para a democracia

Imagem: Revista Gama
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O Brasil está vivendo uma inflexão histórica. Nas últimas semanas, a disputa entre Congresso, governo federal e sociedade civil sobre a taxação dos super-ricos acendeu novamente a centelha de um país dividido entre os que concentram riqueza, poder e privilégio — e os que lutam todos os dias por justiça social, dignidade e bem viver. A proposta de instituir uma política fiscal mais justa, com impostos proporcionais à renda, foi barrada pelo Congresso, provocando reações populares e uma mobilização crescente nas ruas e nas redes.

Essa mesma tensão — entre a força organizada do povo e os interesses de uma elite econômica e digital — está no centro de outra batalha, menos visível, mas igualmente decisiva: a disputa pela soberania digital. O Encontro Nacional “Soberania Já!”, que será realizado nos dias 8 e 9 de julho em Brasília, se soma a esse levante, representando a ala tecnopolítica da resistência. Aqui, a luta não é apenas por justiça fiscal, mas por justiça informacional, por autonomia tecnológica e por democracia de verdade no século XXI.

A luta digital também é nós contra eles

Somos nós — hackers, ativistas sociais, pesquisadores, trabalhadores, professores e cidadãos — contra eles: as Big Techs, os bancos, os bilionários e os sistemas que concentram o poder algorítmico e invisível sobre nossas vidas. Assim como os impostos, as plataformas e as tecnologias digitais também precisam ser reinventadas sob os princípios da ética e da inteligência popular.

A mesma lógica que mantém os super-ricos isentos de tributos enquanto os pobres pagam proporcionalmente mais, opera nos algoritmos que definem o que vemos, ouvimos e sentimos. Hoje, as ferramentas digitais — criadas para conectar, organizar e democratizar — se tornaram instrumentos de vigilância, controle, manipulação e extração de valor. São tecnologias a serviço da desigualdade.

O despertar começa pela consciência

Por isso, o Encontro “Soberania Já!” começa com um gesto pedagógico e simbólico: uma Aula Pública na Câmara dos Deputados, intitulada “Como funciona a internet e como deveriam funcionar as redes sociais”. É preciso romper a alienação técnica que impede a maioria das pessoas de entender como as plataformas digitais moldam nossa percepção, nossas relações e nossas decisões.

Essa aula é o primeiro passo de um processo que avança com a elaboração coletiva de um Plano Nacional de Soberania Digital, reunindo parlamentares, movimentos sociais, especialistas, coletivos hackers e instituições comprometidas com o bem comum. Nosso objetivo é transformar a tecnologia — hoje instrumento de opressão e concentração — em base para uma nova cultura democrática.

Plataformização da democracia: da desigualdade à governança popular

A crise atual mostra com nitidez: ou reorganizamos nossas infraestruturas — físicas, informacionais e simbólicas — ou seguiremos reféns de uma ordem injusta. A plataformização da democracia propõe exatamente isso: reestruturar os meios pelos quais tomamos decisões coletivas e cuidamos dos recursos comuns.

Sob a perspectiva da soberania digital, essa proposta ganha contornos revolucionários. Significa usar o potencial das tecnologias digitais para reconstruir o poder público de baixo pra cima, com base na governança colaborativa, na economia solidária, na transparência radical e na participação ativa dos territórios. Assim como os impostos podem — se bem aplicados — financiar o bem comum, as plataformas também podem ser projetadas para servir à vida, e não ao lucro.

Um plano para reconquistar o futuro

O Plano Nacional de Soberania Digital propõe:

  • Infraestrutura pública e descentralizada;
  • Plataformas livres, abertas e interoperáveis;
  • Letramento digital crítico para toda a sociedade;
  • Regulação democrática das plataformas privadas;
  • Proteção e autonomia dos dados brasileiros;
  • Apoio à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias públicas e comunitárias;
  • Estímulo a redes de inovação popular e cooperativas digitais.

Esse plano não parte do zero. Ele é tecido a partir das experiências da Rede Mocambos, da Coalizão Direitos na Rede, da Rede Sacix, das Produtoras Colaborativas, do Fediverso, da Baobáxia, da Onda.Social, do Cultura Viva Digital e de muitas outras redes e coletivos que vêm experimentando outro modelo possível de internet, de economia e de vida.

A hora é agora. E o caminho é nosso.

O Encontro “Soberania Já!” é uma invasão simbólica e estratégica dos Três Poderes da República — com reuniões previstas no Congresso, articulações no STF e um chamado direto ao Executivo. Não se trata de confronto, mas de proposição. Não é negação da institucionalidade, é exigência de um novo pacto.

É um convite para que o governo federal — e em especial o presidente Lula — reconheça que a soberania digital não é um tema secundário. Ela é central. Porque sem ela, não há soberania política, econômica ou social possível.

Lula, vem caminhar com a gente.

Somos milhares. Somos redes. Somos dados, ideias e corpos. Somos o povo nos territórios, nos códigos, nas universidades e nas praças.

Este é o momento de unir forças, restaurar o protagonismo do Brasil e garantir que o futuro brasileiro seja justo, democrático e soberano.

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