Varoufakis: a lógica econômica dos genocídios

Com massacre dos palestinos, bolsa de Tel-Aviv subiu mais de 160% e indústria bélica nada em dinheiro. Big techs testam tecnologias de vigilância, manipulação e seleção de alvos humanos por IA – as mesmas que querem usar contra todos nós

Arte: Jude M/The Link
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Por Yanis Varoufakis, em seu site | Tradução: Rôney Rodrigues

No dia 23 de outubro, depus perante o Júri da Consciência, no contexto do Tribunal de Gaza. O foco de minha fala foi jogar luz sobre as forças econômicas que sustentam o genocídio do povo palestino. Eis o discurso:

Meu nome é Yanis Varoufakis. Sou economista, político e ativista, representando o MeRA25 da Grécia e também o movimento radical paneuropeu DiEM25. Estou aqui na condição de especialista sobre a maneira pela qual a dinâmica do capitalismo está alimentando e reforçando o genocídio do povo palestino.

Com o objetivo de auxiliar o júri a chegar a um veredito fundamentado, abordarei as forças econômicas que sustentam a cumplicidade do capital global, primeiro na limpeza étnica do povo palestino e, mais recentemente, em seu genocídio.

O júri deve ter em mente que o genocídio é lucrativo. E, como argumentarei adiante, é muito mais lucrativo agora, quando uma nova forma de capital está envolvida em sua execução. Para começar, o júri deve reconhecer que o capitalismo prospera com a miséria humana e com a pura destruição. Portanto, não há paradoxo algum no fato de que, em um momento em que a demanda, a produção e a confiança do consumidor estão caindo abruptamente em Israel, a Bolsa de Valores israelense não apenas não caiu desde que o genocídio em Gaza começou, mas, na verdade, subiu mais de 160%.

Isso reflete a Economia Política subjacente da Ocupação e, em particular, a maneira pela qual milhares de empresas israelenses estão entrelaçadas com megacorporações dos EUA, da Europa e da Coreia – incluindo os conglomerados financeiros mais influentes do mundo – formando uma rede internacional que entrou em funcionamento acelerado após outubro de 2023. No momento em que o orçamento de defesa israelense dobrou, ele atraiu maciços “investimentos” para a máquina de morte de Israel.

Para informações mais detalhadas sobre isso, o júri deve levar em consideração o Relatório para as Nações Unidas publicado por Francesca Albanese, Relatora Especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, intitulado “De uma Economia da Ocupação a uma Economia do Genocídio”.
É claro que nada disso é novo. A história nos ensina que os interesses econômicos foram propulsores e facilitadores cruciais dos empreendimentos coloniais e, frequentemente, dos genocídios que estes perpetraram. O setor corporativo é intrínseco ao colonialismo desde o seu início. As corporações – começando pelas Companhias das Índias Orientais holandesa e britânica – contribuíram historicamente para a violência, a exploração e, por fim, o despojo dos povos e terras indígenas, um modo de dominação conhecido como capitalismo colonial racial. A colonização israelense das terras palestinas ocupadas não poderia ser uma exceção.

O júri deve estar ciente da maneira como a Palestina hoje expõe as três fases da expropriação colonial. Primeiro, veio a fase da expropriação não sofisticada – a pilhagem brutal da terra e a conversão dos povos indígenas em mão de obra barata ou mesmo escrava. Essa fase, que levou ao surgimento do capitalismo no século XVIII, foi evidenciada na Palestina desde a Declaração Balfour e, muito mais, durante e após a Nakba. A terra palestina foi brutalmente expropriada e os palestinos foram transformados em refugiados ou confinados em bantustões, que acabaram fornecendo, pelo menos até a segunda intifada, mão de obra barata para os colonizadores.

A segunda fase do colonialismo moderno, também conhecida como neoimperialismo, não dizia tanto respeito à pilhagem de terras, mas sim a garantir mercados para o excedente de mercadorias das metrópoles capitalistas – excedente que elas não conseguiam absorver internamente devido à insuficiência da demanda doméstica. Essa dimensão neoimperialista também esteve presente na Palestina, ligada à situação do povo palestino, quando Israel começou a absorver quantidades enormes de armamentos importados dos EUA, da Alemanha e do Reino Unido, contribuindo, assim, significativamente para a demanda agregada desses países. E, mais recentemente, os fabricantes de armas israelenses conseguiram ingressar nesse jogo como exportadores – vendendo armamentos de alta tecnologia testados e comprovados na população palestina para países estrangeiros, incluindo (vergonhosamente) meu próprio país, a Grécia, mas também países árabes.

A terceira fase da acumulação de capital contemporânea, que alimenta a expropriação internamente e o colonialismo no exterior, é a que eu denomino de fase tecnofeudal – uma fase sustentada pelo acúmulo de uma nova forma radical de capital à qual dei o nome de capital na nuvem.

O júri deve notar que o capital na nuvem é uma rede de máquinas (composta por celulares, tablets, servidores e algoritmos) que faz algo notável: nós o treinamos para nos treinar a treiná-lo a nos conhecer bem e, por fim, a manipular nosso comportamento, conferindo assim aos proprietários desse capital na nuvem poderes exorbitantes para fazer coisas conosco contra nossa vontade, em benefício deles.

Nesse contexto, o júri deve levar em conta o fato de que nenhum país forneceu tanto acesso aos dados biométricos de uma população quanto Israel concedeu à IBM. Desde que o genocídio em Gaza começou, Microsoft, Amazon, Alphabet e Palantir vêm expandindo sua penetração de capital na nuvem em um ritmo alucinante. Softwares de reconhecimento facial, algoritmos de seleção de alvos e sistemas de execução automatizada estão sendo testados em tempo real, à vontade e com menos restrições éticas do que em experimentos com ratos de laboratório. As grandes corporações tecnológicas norte-americanas não poderiam estar mais satisfeitas.

A guerra, senhoras e senhores, sempre foi lucrativa. Os comerciantes de armas acumularam fortunas fornecendo armas ao maior pagador. Indiretamente, todo tipo de capital – incluindo o capital que produzia bens de consumo – acumulava-se mais rapidamente em tempos de guerra e destruição. Mas, nesta era tecnofeudal, o capital na nuvem acumula novos poderes nos campos de batalha diretamente, ao melhorar a capacidade de seus algoritmos de compreender e manipular os seres humanos. Nada ajuda mais o capital na nuvem a melhorar sua eficiência do que a experiência em tempo real de monitorar e manipular o comportamento dos combatentes, dos selecionadores de alvos, dos políticos que autorizam esses selecionadores e, sim, tragicamente, da população alvo de aniquilação.

O júri deve, portanto, estar ciente de que os dispositivos de direcionamento de mira por IA, que hoje maximizam a morte e a destruição em Gaza, na manhã seguinte estarão alimentando os algoritmos da Amazon, do Google ou da Microsoft – algoritmos que nos fazem comprar coisas de que não precisamos nem queremos; que envenenam nossas conversas nas redes sociais; que tornam proletários, motoristas, enfermeiros e trabalhadores de armazéns gigantes cada vez mais despossuídos.

Em outras palavras, apelo ao júri que observe como o que está acontecendo na Palestina – a limpeza étnica e o genocídio em curso – estão totalmente interligados com as formas de exploração e a toxificação do nosso meio social no resto do mundo. Nesse sentido, sim, a nossa liberdade no resto do mundo está completamente interligada com a libertação dos palestinos do colonialismo, da expropriação, do medo e da manipulação.

Para concluir, gostaria de agradecer ao júri por seu trabalho importante e implorar a seus membros que prestem atenção à maneira pela qual a dinâmica capitalista, especialmente aquela que sustenta a reprodução do capital na nuvem, está alimentando e reforçando o genocídio do povo palestino.

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