A vez da Líbia

Revolução árabe se intensifica violentamente na Líbia, ameaçando ditadura de Muammar Qaddafi, no poder há 42 anos.

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Por Juan Cole, do Informed Comment | Tradução: Bruno Cava

Depois que a cidade de Benghazi, no leste da Líbia, caiu perante o movimento de protestos no domingo, choques irromperam na capital Trípole na tarde daquele dia, a primeira vez que a cidade viu manifestações substantivas. Os eventos abalaram a ditadura de Muammar Qaddafi no seu núcleo, provocando de um de seus filhos, Saif al-Islam Qaddafi, uma jeremíada debochada sobre os manifestantes estarem colocando em perigo o futuro do país.

Porque a Líbia é um estado petrolífero que exporta 1,7 milhões de barris por dia, seu destino tem implicações mais imediatas à economia internacional que o tumulto em países sem petróleo, como a Tunísia. No domingo, a tribo do leste Zuwayya, ameaçou interromper as exportações de petróleo em protesto pela brutalidade do regime em Benghazi, cidade de mais de 600.000 habitantes.

O petróleo responde por mais de US$ 77 bilhões por ano do PIB líbio, o 62º do mundo, que sustenta aos líbios uma renda per capita “no papel” de US$ 12.000 por ano, maior que a de brasileiros, chilenos ou poloneses e a maior da África. Na verdade, os lucros do petróleo não são distribuídos equitativamente, de modo que um terço dos líbios vivem abaixo da linha da pobreza e 30% dos trabalhadores estão desempregados. O regime favorece o oeste do país com o dinheiro do petróleo, negligenciando o leste.

A explosão de choques na capital Trípoli é importante porque governos sempre são mais vulneráveis nas suas capitais, e porque mais de 6 milhões de líbios moram no oeste do país, onde se localiza a capital. Trípoli é uma cidade com pouco mais de um milhão [de hab.] Cerca de 3 milhões de líbios, ou metade do país, vivem na região histórica de Tripolitânia, incluindo a capital e seus subúrbios. Populações ao longo da costa norte da África aproveitam as áreas chuvosas próximas do Mediterrâneo, onde a agricultura é possível e há água potável.

Num desdobramento altamente significativo, a liderança da poderosa e numerosa tribo Wafala anunciou que agora está alinhada com a oposição contra Qaddafi. Cerca de um milhão de líbios pertencem a este grupo extenso de laços sanguíneos. Como cultivar lealdades tribais era uma das formas que Qaddafi utilizava para permanecer no poder, essa grande deserção mina a sua autoridade. Ela foi ainda mais solapada quando os líderes árabes Warfalas conseguiram convencer seus conterrâneos berberes da tribo sulista de Tuareg, que contam meio milhão, em juntar-se na oposição.

Dezenas de milhares de jovens saíram aos protestos em Benghazi no domingo. O regime inicialmente tentou achacar e intimidar as multidões, abrindo fogo real contra elas e em alguns casos até lançando foguetes carregados de granadas. Dezenas foram mortos. As forças armadas são acusadas de dispor de mercenários contra as multidões, o que as irrita por razões nacionalistas. Em seguida, algumas unidades militares juntaram-se à multidão, enquanto uma manteve-se leal [a Qaddafi]. O general de exército Sulaiman Mahmoud, comandante anterior da região leste (a histórica Cyrenaica), finalmente uniu-se aos manifestantes.

Todos esses desdobramentos — a queda de Benghazi, a cisão dos militars, a deserção de grandes tribos, e a eclosão de protestos e violência na capital — apontam a uma situação revolucionária. Central nessa situação é a soberania duplicada, o desenvolvimento de dois grupos distintos com autoridade no mesmo país.

Al-Jazeera sobre a Líbia ontem:

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