Caranguejo Overdrive atualiza Estética da Lama
Inspirada em Josué de Castro e Mangue Beat, peça expressa tragédia das vítimas da História, que “acachapam-se como caranguejos para poder sobreviver”
Publicado 31/07/2015 às 17:21 - Atualizado 15/01/2019 às 17:37
Inspirada tanto em Josué de Castro quanto no Mangue Beat, peça da nova dramaturgia carioca expressa tragédia das vítimas da História — os que “acachapam-se como caranguejos para poder sobreviver”
Por Wagner Correa de Araujo | Imagem Elisa Mendes
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MAIS:
Caranguejo Overdrive está em cartaz no Rio de Janeiro apenas até 16/8
De sexta a domingo, às 21h, no Espaço Sesc Mezanino.
Rua Domingos Ferreira, 160 — Copacabana — Metrô Siqueira Campos (mapa) — Fone: 2547.0156
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No prólogo de seu único livro de ficção, o cientista Josué de Castro afirma, convicto – “No mangue, tudo é, foi ou será caranguejo, inclusive o homem e a lama”. Tais palavras, de dolorosa acidez, inspirariam um dos mais surpreendentes textos da nova dramaturgia carioca – Caranguejo Overdrive, de Pedro Kosovsky.
A partir desse mote de carga metonímica, o enredo teatral faz uma incisiva incursão histórica, social e política, num tema com transmutação conceitual em duas épocas. O engajamento não voluntário na Guerra do Paraguai de um miserável habitante do Mangue, decadente zona do Rio capital imperial, acaba conduzindo-o ao delírio mental.
Sujeito a toda insensatez da precária e cruel realidade do front brasileiro, de sanguinária justificativa no polêmico ideário de guerra patriótica, o soldado Cosme (Matheus Macena) retorna, doente, à sua cidade de origem. E o seu reencontro com o Mangue, em obras, acelera seu estado psicótico, da lama para a lama, atolado de corpo e alma.
A multiplicidade de elementos estéticos que confluem na arquitetura cênica e dramatúrgica dessa montagem alcança, na impactante concepção cênica e comando de Marco André Nunes, uma enérgica densidade performática capaz de não deixar incólumes corações e mentes, palco e plateia.
Aqui convergem efusivas declamações poéticas, amplificadas na narrativa comportamental de uma cidade violentada. Com a plasticidade visual da instalação realística (areia, lama e caranguejos), ressaltada por uma luz de sombras (Renato Machado) e pela visceralidade da trilha/tributo ao Mangue Beat (executada ao vivo por Felipe Storino, Maurício Chiari e P. Kosovski).
A alternância dos personagens impressiona pela coesão expressiva e vitalidade física do desempenho (Matheus Macena, Eduardo Speroni, Alex Nader, Felippe Marques, Carolina Virguez), atingindo sua culminância no desafio dos limites da resistência corporal, na simbológica escultura, viva e enlameada, do homem/caranguejo.
Na pluralidade de suas linguagens artísticas, Caranguejo Overdrive deixa, ao final, com sua estética da lama, entre a sujeira e a miséria, o consistente dimensionamento de um “work in progress”, capaz de reflexiva e fértil provocação.
Desdobrando-se, ainda, no referencial filosófico e ideológico do metafórico conceito de Josué de Castro:
“Cedo me dei conta desse estranho mimetismo: os homens se assemelhando em tudo aos caranguejos. Arrastando-se, acachapando-se como caranguejos para poderem sobreviver”.