Em defesa dos guardiões da memória do Brasil
Congresso pode votar esta semana projeto que valoriza, enfim, mestras e mestres das culturas populares. São 14 anos de espera. Abaixo-assinado busca mobilizar sociedade e pressionar deputados, em busca de “respeito e preservação” da diversidade cultural do país
Publicado 25/08/2025 às 17:35

“Eu vou falar de nós ganhando. Porque para falar de nós perdendo eles já falam.”
Nego Bispo, filósofo
“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.”
Guimarães Rosa, escritor
Mestras e mestres das Culturas Populares, normalmente, são pessoas com idade avançada no Tempo. São guardiões e transmissores de conhecimentos, de práticas e tradições culturais nas suas comunidades. Eles representam a riqueza e a diversidade da cultura popular brasileira, tanto que, oficialmente, existe uma lista sobre quem sãos os grupos tradicionais no Brasil: Andirobeiras, Apanhadores de Sempre-vivas, Caatingueiros, Caiçaras, Castanheiras, Catadores de Mangaba, Ciganos, Cipozeiros, Extrativistas, Faxinalenses, Fundo e Fecho de Pasto, Geraizeiros, Ilhéus, Indígenas, Isqueiros, Morroquianos, Pantaneiros, Pescadores Artesanais, Piaçaveiros, Pomeranos, Povos de Terreiro, Quebradeiras de Coco Babaçu, Quilombolas, Retireiros, Ribeirinhos, Seringueiros, Vazanteiros e Veredeiros.
Eles são a nossa melhor síntese de memória afetiva nacional. Quando falamos de chás, de simpatias, de festas de ruas, de comidas, de músicas e danças brasileiras, estamos falando do que aprendemos com mestras e mestres das Culturas Populares. Eles existem de fato, mas a maioria ainda tem grande dificuldade em sobreviver na nossa sociedade tão apegada à “força” da juventude.
Muitos são temas de TCCs, mestrados e doutorados. Muitos atuam como educadores informais, transmitindo conhecimentos e valores importantes às novas gerações nos seus grupos. Posso afirmar que muitos merecem o título de Notório Saber, que atesta o conhecimento em determinada área, podendo ser reconhecidos por instituições e órgãos públicos, mas o Brasil caminha a passos lentos no reconhecimento e reparação por seus serviços prestados para a sociedade em geral.
Alguns estados e municípios entenderam sua importância, criando leis que reconhecem mestras e mestres das Culturas Populares. Estados como Pernambuco, Ceará, Paraíba, Minas Gerais, Espírito Santo, Sergipe e, recentemente, o Rio de Janeiro publicam editais com propostas de reparação histórica, incluindo o repasse de bolsas ou premiações.
O Ministério da Cultura (MinC), em 2022, lançou o edital Cultura Viva e entre os 18 projetos aprovados, selecionou o Pontão de Cultura da Rede das Culturas Populares e Tradicionais que produziu uma série de 18 vídeos e um teaser com falas de mestres e mestras tratando justamente deste tema: o que é um mestre ou mestra das Culturas Populares. Todos os vídeos estão à disposição no YouTube.
Em novembro de 2024, o Pontão de Cultura Rede das Culturas Populares e Tradicionais provocou uma Audiência Pública na Câmara dos Deputados para impulsionar a campanha pela Aprovação da Lei 1176/2011. A Audiência Pública Proteção e Promoção dos Saberes Populares contou com a presença de várias mestras e mestres de todas as regiões da federação para eles apresentarem o que fazem — e como é importante a aprovação do PL 1176/2011 para receberem o devido valor, tanto como patrimônio cultural, como econômico. Mas esta é uma luta antiga.
No âmbito federal, tramita o Projeto de Lei 1176, de 2011, que institui o Programa de Proteção e Promoção dos Mestres e Mestras dos Saberes e Fazeres das Culturas Populares, na Câmara dos Deputados. No PL 1176/2011 estão vários apensados, muitas análises e uma enorme lerdeza, que separam o Brasil do reconhecimento e da reparação para com mestres e mestras das Culturas Populares. São 14 anos de espera, e a aprovação do PL 1176/2011 será uma bela e merecida política de redistribuição de renda.
Seguimos na campanha pela aprovação do PL 1176/2011 que está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, CCJC. Em junho de 2025, um pequeno grupo de mestras e mestres participou de uma reunião na Câmara dos Deputados com o atual presidente do CCJC, deputado Paulo Azi (União Brasil/BA). O encontro amigável com mestras e mestres das Culturas Populares ainda não resultou na pauta do PL para votação na Comissão.
Sem pressão, poderemos ficar mais 14 anos falando da importância de mestras e mestres na nossa formação, assistindo à precariedade da vida enquanto envelhecemos no Brasil. Precisamos de assinaturas no abaixo assinado pela aprovação da Lei das Mestras e Mestres do Brasil. Precisamos que coletivos e brincantes enviem mensagens solicitando aos 66 deputados que integram a CCJC a aprovação do PL 1176/2011!
Acredito que a aprovação do PL 1176/2011 será um passo fundamental para a valorização e preservação destes patrimônios culturais brasileiros. Além da presença nas fotos e campanhas culturais e turísticas, além das teses acadêmicas, além da organização de festas, dos conselhos e do acolhimento, mestras e mestres precisam de “respeito, reconhecimento e reparação”, como diz a coquista Martinha do Coco, que vive em Brasília.
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