Cinema: Olhos livres para o mistério
Um filme de poesia encantadora: Bicho monstro. A história desenvolve-se no campo, entre a solidão e um concurso de vaca, onde uma menina encanta-se com a história de uma criatura folclórica. Uma obra que mostra a candura diante da aspereza e insensatez do mundo…
Publicado 25/09/2025 às 17:15 - Atualizado 25/09/2025 às 17:22

Por José Geraldo Couto, no Blog do IMS
Entra em cartaz nesta quinta-feira uma joia discreta que corre o risco de submergir na estridência imediatista do circuito exibidor. Estou falando de Bicho monstro, delicado drama dirigido por Germano de Oliveira e ambientado num vilarejo da serra gaúcha.
No centro da trama está a menina Ana (a linda e expressiva Kammily Wagner), que fica impressionada por uma peça teatral infantil em que se fala do Thiltapes, animal folclórico popular entre os imigrantes alemães do sul do país. Seria um monstrinho travesso híbrido de pássaro e rato, concebido para assustar crianças e zombar dos ingênuos. Antes do provável final apaziguador, a apresentação é interrompida por um apagão, deixando tudo às escuras.
Realidade e fantasia
A narrativa se desenvolve então no jogo entre a realidade prosaica da região de pequenas propriedades rurais e a imaginação suscetível da menina. Acontece um concurso de vacas, do qual o pai de Ana sai fuzilando de raiva, pois sua vaca foi derrotada pela de um vizinho a quem ele acusa de roubo. Dias depois, a vaca vencedora aparece com o olho furado.
Vingança? Acidente? Obra do Thiltapes? O filme, sabiamente, omite a resposta, e nem sequer induz a uma conclusão. Em vez disso, contrapõe ao relato atual a narrativa de uma expedição empreendida duzentos anos antes na região por um pesquisador alemão (Pascal Berten), em busca de um ser fantástico cuja descoberta o alçasse ao panteão dos grandes cientistas.
Nada é demasiado explícito, e muito menos enfático. O mérito maior do filme reside nesse estado de suspensão que condiz com a imaginação volátil da infância. Nesse aspecto, Bicho monstro remete ao clássico espanhol O espírito da colmeia, de Victor Erice, cuja narrativa também era construída pelo olhar de uma menina, coincidentemente (ou não) chamada Ana (Ana Torrent).
Curiosidade e candura
Ao emular a curiosidade e a candura desse olhar diante da aspereza e da insensatez do mundo, o filme alcança uma poesia encantadora, um tanto rara na produção cinematográfica recente. A solidão silenciosa da pequena protagonista encontra cumplicidade na solidão silenciosa de sua avó (Araci Esteves) – como se apenas nos extremos da existência, livres das contingências da luta pela sobrevivência, as criaturas humanas pudessem contemplar com olhos livres o mistério da vida.
Essa obra madura e delicada, de ritmo preciso e bom aproveitamento dramático da paisagem, é o longa-metragem de estreia de Germano de Oliveira, que antes disso realizou dois curtas e editou dezenas de longas alheios, como 7 prisioneiros, de Alexandre Moratto, e Homem com H, de Esmir Filho. Um talento a ser acompanhado com atenção.
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