Cinema: O que se encontra quando algo é perdido
Um menino hiperativo é deixado por alguns minutos sozinho, como reprimenda. Desaparece. Em plano sequência, O castigo retrata a busca dos pais e expõe contradições e fragilidades humana, especialmente o tema da maternidade de forma crua, sem idealização
Publicado 12/12/2025 às 16:14

Por José Geraldo Couto, no Blog do IMS
A primeira coisa a dizer sobre a coprodução chileno-argentina O castigo, de Matías Bize, é que se trata de uma proeza técnica e artística singular: um plano contínuo (vale dizer, sem cortes) de uma hora e vinte minutos, dando conta de uma situação extremamente dramática e complexa.
Seu entrecho pode ser resumido assim: numa estrada deserta no interior do Chile, um menino de sete anos é deixado de castigo no acostamento por seus pais. Quando estes voltam para resgatá-lo, alguns minutos depois, já não o encontram. Passam a buscá-lo no bosque, primeiro sozinhos, depois com a ajuda de policiais.
Punição recíproca
O ponto de partida da história é quase idêntico ao do pernambucano Eles voltam (2012), de Marcelo Lordello, em que uma menina de 12 anos e seu irmão adolescente são deixados à beira da estrada pelos pais, também como punição. Mas no filme brasileiro acompanhamos a saga dos filhos abandonados; no chileno, a dos pais atarantados. O título ganha então um sentido ambíguo: quem é castigado?
Em O castigo, a narrativa começa in media res, isto é, com a ação já começada. O carro do casal avança pela estrada, dirigido pela mulher (Antonia Zegers). No assento do passageiro, o marido (Néstor Cantillana) diz “Já basta” e a convence a fazer o retorno. Só então começamos a entender o que se passa.
Na busca exasperante que se segue, vão emergindo os dados que compõem o quadro mais amplo: um menino inquieto, diagnosticado como hiperativo pela escola, um casal que bate cabeça quanto à melhor maneira de lidar com ele. A rígida e perspicaz chefe dos policiais (Catalina Saavedra) acaba funcionando como psicanalista ou inquisidora, extraindo revelações importantes e silêncios significativos.
É um filme adulto como poucos, ao perscrutar contradições e fragilidades humanas sem cair no maniqueísmo nem agitar bandeiras. O tema da maternidade, em especial, é exposto sem idealização, com uma crueza brutal.
Do ponto de vista da construção visual, causa admiração a precisão e fluidez com que o drama evolui. O espectador mais desatento talvez não perceba a operação complexa que harmoniza os movimentos de câmera com a coreografia dos atores, a progressão do tempo, as mudanças de luz. Consta que foram feitas sete tomadas contínuas alternativas, uma a cada dia, ao longo de sete dias de filmagens, e optou-se pela do sexto dia.
Tempo condensado
O plano-sequência dura uma hora e vinte minutos, que transcorrem inexoravelmente à nossa frente, mas a impressão que fica é a de que se passaram várias horas, do meio da tarde até o anoitecer. Uma prova discreta do feitiço do tempo operado pelo cinema.
Faltou dizer que o elenco é excepcional e que o filme, só agora lançado nos cinemas brasileiros, foi realizado em 2022 e ganhou no ano seguinte prêmios em festivais como os de Málaga, Fortaleza, Pequim e Trieste.
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