Cinema e ditadura: A libertação de Inês
Curta retrata a saída do cárcere, em 1979, da militante condenada à prisão perpétua pelo regime militar. Apesar de mudo, é possível sentir seu riso alto na cara de quem tentou destruí-la e sobreviveu até à Casa da Morte de Petrópolis
Publicado 22/11/2024 às 15:13 - Atualizado 22/11/2024 às 15:14
O pouquíssimo conhecido Libertação de Inês Etienne Romeu (1979), curta-metragem de 11 minutos dirigido por Norma Benguell, mostra em uma filmagem simples e intimista, o momento em que Inês Etienne sai da cadeia depois de 8 anos de detenção. Inês foi condenada à prisão perpétua pela ditadura militar brasileira e a única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis.
O filme começa com pessoas entrando em um carro. Elas falam com a câmera mas não podemos ouvir, já que a cópia armazenada na Cinemateca não tem áudio. Na cena seguinte chegamos ao Instituto Penal Talavera Bruce, mas ainda não sabemos o por quê. Uma criança com uma camiseta que diz “Anistia Já!” se pendura nas grades de entrada dando a impressão de ser ela a detenta.
O primeiro passo de Inês para dentro do quadro é uma entrada triunfal, ela vem com os braços levantados e abana as mãos como uma lutadora que acaba de ganhar o cinturão do torneio. Mal vemos o seu rosto e um círculo de pessoas já se fecha sobre ela. Sorrisos abraços, lágrimas e beijos se espalham pela tela. Na confusão uma placa passeia de uma lado para o outro pedindo “Anistia geral e irrestrita! Onde estão os nossos mortos?”.
A primeira impressão que temos ao assistir ao curta é a de estar assistindo a uma festa de família. Muitos sorrisos e abraços vão se sobrepondo na tela que chacoalha ao ritmo do baque de um corpo contra ao outro, demonstrando a participação de quem está filmando no evento. Visivelmente todos ali são amigos queridos ou ao menos velhos conhecidos. Parece o inverso de um enterro, um momento solene em que todos aqueles que participaram de alguma forma de uma vida, se unem para celebrar ela, mas dessa vez sem a sua perda, o contrário, com o alívio de driblar a morte.
Além do carinho de todos os presentes por Inês, outra coisa que fica evidente, apesar da falta de som do filme, o ímpeto com que ela se expressa. Mesmo depois de tantos anos presa, a militante se senta à mesa com o cigarro entre os dedos e as costas retas, falando com força para quem quiser ouvir. Anos de violência não parecem terem sido capazes de quebrar seu espírito. É visível que ela ri alto, ri da cara de quem quis lhe destruir.
A sua maior vingança é estar viva.
Para quem quiser assistir ao curta — http://www.bcc.org.br/filmes/880761