As raízes indígenordestina das quebradas

Começa nesta quarta (28/8) a 14ª edição do Estéticas das Periferia. Por meio de culinária, música, literatura e teatro, evento celebrará a cultura nordestina nas bordas da metrópole, e a dos povos originários, que resiste apesar das tentativas de apagamento

Foto: Fotos: @guibiode e @jupontodias
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A 14ª Edição do Encontro Estéticas das Periferias que começa nesta quarta-feira, dia 28 de agosto e segue até dia 7 de setembro, terá como tema as culturas indígenas e nordestinas nas bordas da metrópole. A presença nordestina nas periferias é mais nítida e abordada em diferentes eventos e espaços como CTN – Centro de Tradições Nordestinas. Pretendemos no Estéticas destacar outras nuances como a cultura negra nordestina, nem sempre visibilizada e a as origens indígenas da culinária do Nordeste, tema que será objeto de um bate papo na cozinha entre o chef Rodrigo Oliveira (Mocotó) e a líder indígena Jerá Guarani (Aldeia Kalipety – Tenondé Porã, de Parelheiros) que acontecerá no dia 3 de setembro no Restaurante Mocotó, na Vila Medeiros, periferia da Zona Norte.

Outro destaque da programação que sintetiza o tema do evento é o espetáculo de abertura: Clariô no Estéticas – veredas indiginordestinas nas quebradas de SP. Dirigido pela atriz Naruna Costa, a peça é uma adaptação do Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto, drama épico que o Grupo Clariô de Teatro montou com base na história do Caldeirão, território na Serra do Araripe no Crato, Ceará ocupado por camponeses sem terra na década de 1930 no qual organizaram uma comunidade igualitária liderada pelo Beato Zé Lourenço sob as bênçãos de Padre Cícero.

Aquela experiência, vista pela burguesia rural da época como subversiva, foi destruída pelos militares. Porém, tal qual Canudos, a derrota foi precedida de uma valente resistência que exigiu dos algozes o uso de aviões, uma novidade na época. Para a abertura do Estéticas, Naruna inseriu elementos contemporâneos das periferias urbanas, suas lutas, crenças e culturas. O espetáculo terá inúmeras participações, entre as quais do rapper Gaspar Z’África, do percussionista Maurício Badé, da atriz Zahy Tentehar e da comunidade Pankararu, da Favela Real Parque. A abertura será no dia 28 de agosto, 19h, no SESC Vila Mariana.

O óbvio ocultado

Pretendemos no Estéticas das Periferias em 2024 ecoar Caetano Veloso quando ele diz na canção Um Índio: “mostrar que aquilo que nesse momento se revelará aos povos/ Surpreenderá a todos não por ser exótico/ Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto/ Quando terá sido o óbvio”

Há na capital paulista duas terras indígenas, uma no Jaraguá, Zona Oeste e outra em Parelheiros, no extremo da Zona Sul. Apenas a Terra Tenondé Porã, em Parelheiros está demarcada. Ao todo são 21 aldeias com mais de 3 mil habitantes. Porém, queremos ressaltar que há milhares de indígenas não aldeados. Essa população soma mais de 50 etnias que preservam suas tradições em meio ao contexto urbano e periférico em que vivem.

Naia Vitória, comunicadora indígena que assessorou o grupo curatorial do Estéticas das Periferias, afirma que “nas favelas de São Paulo, os povos originários mantêm suas tradições a despeito de séculos de perseguição e violência”. Motivados por essa visão, pretendemos refletir sobre as permanências dessa cultura ancestral: “visibilizando pessoas que são benzedeiros e benzedeiras, rezadores e sobre a contribuição indígena em religiões como umbanda” como acrescenta a comunicadora que também é autora de um documentário sobre indígenas não aldeados em São Paulo, que será lançado no Estéticas das Periferias. A referida obra chama-se Raízes Indígenas das Favelas que terá exibições nos dias 4 de setembro (Ação Educativa), dia 5 (Museu das Culturas Indígenas) e dia 7 (Aldeia Jaraguá).

Como afirma ainda Naia Vitória, “a arte sempre foi uma poderosa aliada da população indígena, nordestina e preta nas favelas de São Paulo. Quem vive nesses territórios culturalmente ricos certamente conhece um bar especializado em gastronomia nordestina, uma animada festa de forró, uma intensa batalha de rap, ou um envolvente samba entre outras manifestações”. Em face do apagamento dessas manifestações culturais, a programação do Encontro Estéticas das Periferias pretende explorar como as tradições e lutas dessas comunidades continuam vibrantes por meio de diversas formas de expressão artística que anunciam novas utopias e insurgências.

Inspirado pelos estudos de Naia Vitória organizamos o evento que, por meio de uma rica programação e posicionamentos de artistas, produtores e compositores, pretendemos ressaltar uma narrativa que possibilita a cura das dores do passado, o fortalecimento da autoestima no presente e a construção de um futuro marcado pelo respeito e pelo reconhecimento da luta de nossos antepassados, fortalecendo o sentido do conceito “futuro ancestral”.

Sobre o Encontro Estéticas das Periferias

O Encontro Estéticas das Periferias chega a sua 14ª edição em 2024. Realizado desde 2011, a trajetória do evento foi ininterrupta até aqui. Durante esse período se formou a rede que lhe dá sustentação política formada atualmente por 50 coletivos. Uma articulação que preferimos chamar de grupo curatorial. A partir dessa curadoria coletiva, o evento se torna participativo, descentralizado, territorializado e distributivo. Temos assim uma cadeia de efeito que revela o conceito por trás desse que se tornou uma das mais importantes mostras da arte e da cultura que é produzida nas bordas da metrópole paulistana.

O Estéticas das Periferias acaba por evidenciar um circuito cultural que desenha a cartografia periférica da Cidade. O evento é organizado em 25 territórios que englobam os 46 distritos que margeiam a metrópole. Em cada região há dois coletivos de linguagens e perfis distintos que formulam a programação local orientada pelos eixos curatoriais e o tema central. Desse modo, o Estéticas consegue captar a cena cultural de cada quebrada, atualizando anualmente o panorama da cultura periférica. Há também um território no Centro que apresenta uma programação marginal mesmo estando na região central, pois há inúmeros coletivos artísticos de periferia que encontram no Centro seu espaço de articulação e apresentação. Isso ocorre, principalmente, na cultura LGBTQIAP+.

O Estéticas das Periferias é assim uma iniciativa, cujo processo de organização é tão importante quanto o evento como produto. Por isso, não temos shows e atrações de grande porte. Já há muitos eventos que fazem isso e muito bem. A Virada Cultural que ficou mais descentralizada nos últimos anos e mais periférica, portanto, é um bom exemplo. A vocação do Estéticas é o fortalecimento da produção cultural na ponta numa ação em rede com forte capilaridade e territorializada.

Cabe ressaltar a importância de parceiros estratégicos que apoiam essa ideia e estão, quase todos, desde a primeira edição do evento: SESC, IMS, Casa das Rodas, Fábricas de Cultura, Itaú Cultural e as secretarias de cultura do município e do Estado de São Paulo por meio de suas respectivas leis de incentivo à cultura que viabilizam nossos patrocínios. Mais recentemente o evento passou a contar com a participação do renomado restaurante Mocotó, o Museu das Favelas e o Museu das Culturas Indígenas. No ano de 2024, o Estéticas das Periferias também contará com investimentos do PNCC – Programa Nacional dos Comitês de Cultura, agregando, novamente, o Ministério da Cultura entre os parceiros da iniciativa.

Serviço
14ª Edição do Encontro Estéticas das Periferias
Espetáculo de abertura: Veredas Indígenordestinas nas quebradas de SP
Direção: Naruna Costa
Teatro do SESC Vila Marina
Quarta-feira, dia 28, 19:00
Rua Pelotas 141
Gratuito, mediante retirada de ingresso nas bilheterias do SESC
Programação completa: https://www.esteticasdasperiferias.org.br/


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