A velha senhora que volta a nos visitar
Em tempos turbulentos, remontagem teatral no Rio provoca: em nossa sociedade, corrupção não é ato isolado — mas norma permanente, que deixa rastro de cegueira moral e conformismo
Publicado 25/07/2015 às 15:00 - Atualizado 15/01/2019 às 17:37
Em tempos turbulentos, remontagem teatral no Rio provoca: em nossa sociedade, corrupção não é ato isolado — mas norma permanente, que deixa rastro de conformismo e cegueira moral
Por Wagner Correa de Araujo | Imagem Marcelo Carnaval
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ÚLTIMA SEMANA: A Visita da Velha Senhora está em cartaz no Rio de Janeiro, apenas até 29 de Julho
Segunda a quarta, às 19h, no Centro do Poder Judiciário do Estado (Antigo Palácio da Justiça)
Rua Dom Manuel, 29 – Centro – (Metrô Carioca).
Sala Multiuso (Rio), fone: (21) 3133.3366
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Num Brasil marcado por desigualdade, denúncias de corrupção e enriquecimento “natural” da oligarquia financeira, é mais que precisa a remontagem de A Visita da Velha Senhora. Nesse clássico teatral do século XX, o personalismo de um dramaturgo, o suíço Friedrich Dürrenmatt, entre o absurdo e a crítica política, faz uma mordaz apologia da torpe submissão pelo dinheiro.
Seus personagens, na contramão do ato redentor do personagem brechtiano pelas causas libertárias, revelam apenas a superficialidade da postura de habitantes comuns de uma cidade miserável. Todos moralmente cegos, surdos e mudos, deformados enfim, diante do que pode significar, para vidas sem saída, o retorno inesperado de uma desprezível cidadã do passado.
Antes prostituta, agora a velha senhora Clara Zahanassian (Maria Adélia), venerável mulher milionária de dez maridos que, em sua visível pompa e circunstância, esconde uma missão maldita – a vingança pelo ancestral desprezo de Alfredo Schill (Marcos Ácher), primeiro homem que a tornara mulher e mãe.
Num jogo cruel, esta dama hierática, quase robótica com sua perna mecânica e mão artificial, maquiagem carregada e olhar de fria fixidez, vai detonando corações e mentes conformistas, numa mudança radical de hábitos sociais, pelo derrame fácil do dinheiro.
Nesse desfile de insanidades, lá se vão as aparências espirituais do pároco (Paulo Japiassú), os disfarces do prefeito (Yashar Zambuzzi) e as reflexões do professor (Eduardo Rieche), acompanhados de outras alterativas presenças comunitárias (Laura Nielsen, Anita Terrana, André Frazzi, Pedro Lamin, Sávio Moll, Renato Peres, Pedro Messina).
Num elenco equilibrado e coeso, favorecido, em impacto maior, no simbológico duelar dos personagens de Maria Adélia /Marcos Ácher.
A firme direção de Silvia Monte alcança o clima propício de risível e corrosiva absurdidade, conseguindo disfarçar na notável fluência textual a limitação da arquitetura cenográfica (José Dias) e certa irregularidade do figurino (Pedro Sayad). Supridos por uma luz sugestiva (Elisa Tandetta) e um acerto musical ao vivo (Marcelo Coutinho).
Que, assim, na retomada de um tema de tamanho referencial no presente “acerto de contas” da selvagem envolvência financeira, reflexiona, através da “visita da velha senhora”, a lembrança de uma anciã lição: “Onde o dinheiro fala, tudo cala”.