O Terceiro Mundo pelo olhar de Vijay Prashad

Editora Expressão Popular lança novo livro do historiador indiano, referência nos estudos sobre geopolítica e descolonização dos povos. Quem é Outros Quinhentos concorre a três exemplares e tem direito a 30% de desconto

Vijay Prashad

Com o início dos processos de independência na Ásia e na África após o fim da Segunda Guerra Mundial, o terceiro-mundismo se tornou uma das mais importantes correntes políticas e intelectuais de meados do século XX. Autores como Frantz Fanon, Milton Santos e C. L. R. James  propuseram análises sociológicas e históricas pelo olhar dos países situados na periferia do capitalismo. 

O avanço do neoliberalismo, a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética geraram uma nova configuração mundial nas décadas de 1980 e 1990, com pouco espaço para as teorias socialistas e terceiro-mundistas responsáveis pela formação de uma geração inteira de intelectuais, estudantes, políticos e militantes. 

Com a falta de perspectivas políticas da virada do milênio, esses autores voltaram a ser estudados tanto em ambientes acadêmicos quanto por ativistas. Diretor-executivo do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, a primeira obra de Vijay Prashad de análise crítica do capitalismo foi Fat Cats and Running Dogs: the enron stage of capitalism (sem tradução no Brasil). O livro condensa sua visão teórica, mas Prashad não deixa a práxis de lado. Em artigo ao The National, afirmou que “sem poder, boas ideias têm poucas consequências” e apontou que os socialistas não devem só teorizar, mas organizar.

Já em seu livro Uma história popular do Terceiro Mundo, publicado recentemente pela editora Expressão Popular, Prashad faz uma reconstituição do projeto do Terceiro Mundo e do lugar que ele desempenhou na geopolítica mundial durante a Guerra Fria, além de apontar as consequências de seu final para toda uma geração e propor caminhos para recuperá-lo. Outros Quinhentos publica abaixo a introdução. Boa leitura!

Outras Palavras e a Editora Expressão Popular sortearão entre os apoiadores do nosso jornalismo três kits contendo o livro Uma história popular do Terceiro Mundo, de Vijay Prashad. Também será disponibilizado para os membros da rede Outros Quinhentos um desconto de 50% nos ebooks e de 30% nos livros impressos da Série Sul Global. O formulário para participar do sorteio será enviado por email. As inscrições ficarão abertas até quarta-feira (04/05), às 15h.

Introdução de Uma história popular do Terceiro Mundo

O Terceiro Mundo hoje enfrenta a Europa como uma massa colossal cujo projeto deve ser tentar resolver os problemas para os quais a Europa não foi capaz de encontrar a resposta.
Frantz Fanon, Os condenados da terra, 1961

O Terceiro Mundo não era um lugar, era um projeto. Durante as batalhas aparentemente intermináveis contra o colonialismo, os povos da África, da Ásia e da América Latina sonhavam com um novo mundo. Eles ansiavam por dignidade acima de tudo, mas também pelas necessidades básicas da vida (terra, paz e liberdade).

Eles reuniram suas queixas e aspirações em vários tipos de organizações, nas quais suas lideranças formularam uma plataforma de demandas. Esses líderes – Jawaharlal Nehru da Índia, Gamal Abdel Nasser do Egito, Kwame Nkrumah de Gana ou Fidel Castro de Cuba – se encontraram em uma série de reuniões em meados do século XX. Em Bandung (1955), Havana (1966) e em outros lugares, esses líderes criaram uma ideologia e um conjunto de instituições para dar sustentação às esperanças de suas populações. O “Terceiro Mundo” compreendia estas esperanças e as instituições criadas para levá-las adiante.

Dos escombros da Segunda Guerra Mundial surgiu uma Guerra Fria bipolar que ameaçou a existência da humanidade. Gatilhos sensíveis de armas nucleares ao lado de debates acalorados sobre pobreza, desigualdade e liberdade ameaçavam até mesmo aqueles que não viviam sob proteção dos EUA ou dos soviéticos. Ambos os lados, como Nehru observou, se atacavam com argumentos sobre a paz. Quase sem serem afetados pela devastação da guerra, os Estados Unidos usaram suas vantagens para reconstruir os dois lados da Eurásia e cercar uma União Soviética devastada. Frases como “retaliação massiva” e “diplomacia arriscada” não trouxeram conforto para os dois terços da população mundial – pessoas que haviam conquistado recentemente ou estavam prestes a conquistar a independência dos mandatários coloniais. 

Jogadas entre essas duas formações principais, as nações mais escuras se amalgamaram como Terceiro Mundo. Povos determinados atacaram o colonialismo para conquistar sua liberdade. Eles exigiram igualdade política no âmbito mundial. A principal instituição para esse tipo de expressão foi a Organização das Nações Unidas (ONU). Desde seu início, em 1948, a ONU desempenhou um papel enorme para a maior parte do planeta. Mesmo não ganhando assentos permanentes no Conselho de Segurança, os novos Estados aproveitavam a Assembleia Geral da organização para apresentar suas demandas. As reuniões afro-asiáticas em Bandung e Cairo (1955 e 1961, respectivamente), a criação do Movimento Não Alinhado em Belgrado (1961) e a Conferência Tricontinental em Havana elaboraram os principais argumentos dentro do projeto do Terceiro Mundo, para que pudessem ser levados de forma articulada ao palco principal, a ONU.

Além disso, os novos Estados pressionaram a ONU para a criação de plataformas institucionais para a agenda do Terceiro Mundo: a Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) foi a mais importante dessas instituições, mas não foi a única. Por meio delas, outros aspectos, para além da igualdade política no plano internacional, vieram à tona: o projeto do Terceiro Mundo incluiu a demanda pela redistribuição dos recursos do mundo, uma taxa de retorno mais digna para a força de trabalho de seu povo e o reconhecimento compartilhado da herança da ciência, tecnologia e cultura.

Em Bandung, o anfitrião Ahmed Sukarno ofereceu este ensinamento para o Terceiro Mundo:

Não sejamos amargurados com o passado, mas mantenhamos nossos olhos firmes no futuro. Vamos lembrar que nenhuma bênção de Deus é tão doce como vida e liberdade. Vamos lembrar que a estatura de toda a humanidade é diminuída enquanto nações ou partes de nações ainda não são livres. Lembremos que o propósito supremo do homem é a libertação das amarras do medo, das amarras da pobreza, a libertação do homem das amarras físicas, espirituais e intelectuais que por muito tempo atrapalharam o desenvolvimento da maioria da humanidade. E vamos lembrar, irmãs e irmãos, que por causa de tudo isso, nós, asiáticos e africanos, devemos estar unidos. (McTurnan Kahin, 1956, p. 43-44)

A ideia do Terceiro Mundo moveu milhões e criou heróis. Alguns deles eram figuras políticas, como os três titãs (Nasser, Nehru, Sukarno), mas também Nguyen Thi Binh e Ho Chi Minh, do Vietnã, Ben Bella, da Argélia, e Nelson Mandela, da África do Sul. O projeto também forneceu os elementos de uma nova imaginação para seus trabalhadores culturais, como o poeta Pablo Neruda, o cantor Umm Kulthum e o pintor Sudjana Kerton. O horizonte produzido pelo Terceiro Mundo entusiasmou-os, ao lado daqueles que fizeram história na vida cotidiana. O projeto do Terceiro Mundo uniu esses camaradas discordantes.

No entanto, esse projeto veio com uma falha de origem. A luta contra as forças coloniais e imperiais impôs uma unidade entre vários partidos políticos e entre as classes sociais. Movimentos sociais amplamente populares e as composições políticas conquistaram liberdade para as novas nações, e então tomaram o poder. Uma vez no poder, a unidade que havia sido preservada a todo custo tornou-se um fardo. A classe trabalhadora e o campesinato em muitos desses movimentos haviam aderido a uma aliança com os proprietários de terra e as emergentes elites industriais. Assim que a nova nação caísse em suas mãos, o povo acreditava, o novo Estado promoveria um programa socialista.

O que eles obtiveram em vez disso foi uma ideologia de compromisso chamada Socialismo Árabe, Socialismo Africano, Sarvodaya ou Nasakom, que combinava a promessa de igualdade com a manutenção da hierarquia social. Em vez de fornecer os meios para criar uma sociedade inteiramente nova, esses regimes protegiam as elites entre as velhas classes sociais ao mesmo tempo que produziam elementos de bem-estar social para o povo. Uma vez no poder, as velhas classes sociais o exerceram por meio dos cargos militares ou dos vitoriosos partidos populares. Em muitos lugares, os comunistas foram domesticados, proscritos ou massacrados para manter essa unidade discordante. Nas primeiras décadas de construção estatal, dos anos 1940 aos anos 1970, a consistente pressão dos trabalhadores, o prestígio dos partidos de libertação nacional e o consenso mundial sobre o uso do Estado para criar demanda restringiu tais classes dominantes, em certa medida. Eles ainda eram os principais encarregados dos novos Estados, mas o desejo de lucro irrestrito era dificultado pelo patriotismo persistente ou pelos tipos de regimes políticos e econômicos estabelecidos pela libertação nacional.

Já na década de 1970, as novas nações já não eram mais novas. Suas debilidades eram numerosas. As demandas populares por terra, pão e paz foram ignoradas em nome das necessidades das classes dominantes. Guerra interna, dificuldade em controlar os preços dos produtos primários, incapacidade para superar a asfixia do capital financeiro, entre outros fatores, levaram a uma crise nos orçamentos de grande parte do Terceiro Mundo. Empréstimos de bancos comerciais só poderiam vir se os Estados concordassem com o “ajuste estrutural” dos pacotes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. O assassinato do Terceiro Mundo levou à desidratação da capacidade do Estado de agir em prol da população, um fim em defesa de uma nova ordem econômica internacional, à recusa dos objetivos do socialismo. Classes dominantes que estiveram anteriormente atadas à agenda do Terceiro Mundo já não encontravam mais freios. Elas começaram a se ver como elites, e não como parte de um projeto – o patriotismo de base superou a solidariedade social antes necessária. Um resultado dessa extinção da agenda do Terceiro Mundo foi o crescimento de formas de nacionalismo cultural nas nações mais escuras. Atavismos de todos os tipos surgiram para preencher o espaço anteriormente assumido por várias formas de socialismo. Religião fundamentalista, raça e formas não reconstruídas de poder de classe surgiram sob os destroços do projeto do Terceiro Mundo.

O desaparecimento do Terceiro Mundo foi catastrófico. Pessoas dos três continentes continuam a sonhar com algo melhor, e muitas delas estão organizadas em movimentos sociais ou partidos políticos. Suas aspirações têm voz local. Apesar disso, suas esperanças e sonhos não são compreendidos. Durante as décadas de meados do século XX, a agenda do Terceiro Mundo carregou essas crenças de suas regiões para as capitais nacionais, e daí para o cenário mundial. As instituições do Terceiro Mundo acumularam essas ideias e pregaram-nas nas portas de edifícios poderosos. O projeto do Terceiro Mundo (a ideologia e as instituições) possibilitou aos não poderosos a manutenção de um diálogo com os poderosos e a tentativa de responsabilizá-los. Hoje, não existe um veículo deste tipo para os sonhos locais. Este livro foi escrito para nos lembrar desse imenso trabalho e de sua importância.

O relato não é exaustivo, mas ilustrativo, e constrói um amplo argumento sobre a natureza do projeto político do Terceiro Mundo e sobre as causas e consequências do seu declínio. O mundo havia sido melhorado pela tentativa de articular uma agenda do Terceiro Mundo. Agora está sendo empobrecido pela falta desse movimento.

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