Outros Quinhentos oferece último livro de Mark Fisher

Fantasmas da Minha Vida, do filósofo e crítico cultural britânico, é publicado no Brasil pela Autonomia Literária. Obra debate depressão cultural e pós-capitalismo. Quem apoia Outras Palavras concorre a 3 exemplares e tem desconto de 25%

Como nos conta em seu clássico texto Good for nothing, Mark Fisher teve uma carreira de professor universitário na Inglaterra, mas suas origens na classe trabalhadora e sua dificuldade em se encaixar nos empolados ambientes das universidades britânicas  o fizeram se sentir um eterno peixe fora d’água no ensino superior. Muito do melhor de seu trabalho não está em artigos acadêmicos, como se esperaria de alguém com sua profissão, mas em seu blog k-punk (acessá-lo nos dias de hoje é como entrar em um museu da internet dos anos 2000), onde analisou em detalhes e com um estilo muito próprio a cultura de massas de seu tempo. 

Joy Division, filosofia, raves dos anos 90, psicanálise, psicodelia e arquitetura de vanguarda: ávido por entender os desenvolvimentos tardios do capitalismo, Fisher devorava de tudo e extraía observações aguçadas sobre as mais variadas expressões do declínio de nossa qualidade de vida e da nossa capacidade de imaginar um futuro fora da jaula imposta pelo modo de produção dominante e pela indústria cultural. 

Em Fantasmas da Minha Vida, publicado no Brasil pela Autonomia Literária, Mark Fisher, já consolidado como um dos intelectuais mais relevantes do século XXI, escreve sobre as implicações culturais subjetivas imediatas desse processo. Ele discorre sobre melancolia, nova nostalgia, depressão cultural e futuros perdidos no pós-capitalismo, misturando para elucidar esse cenário elementos da cultura pop e suas experiências pessoais. 

Para refletir sobre a produção de Fisher como autor, entrevistamos o jornalista e editor Amauri Gonzo, responsável pela introdução da versão brasileira de Fantasmas da Minha Vida

Como você entrou em contato com a obra do Mark Fisher? 

Eu tomei contato com a obra do Fisher pela revista britânica The Wire, onde ele escrevia como crítico musical. Eu já gostava dos movimentos de vanguarda na música e comprava a revista de vez em quando. Depois, comecei a trabalhar cobrindo música pop como jornalista e gostava de ler a Wire para ter um contraponto mais intelectual, já que ela cobre jazz, música experimental, música eletrônica e vanguardas em geral, ainda que a partir de uma perspectiva muito britânica sobre o mundo, um pouco esnobe. 

O Fisher escrevia muito bem e trazia ideias muito interessantes dentro do debate relacionado tanto à crise de 2008 quanto ao momento geral do final dos anos 2000 e do começo dos anos 2010. Depois li também o seu blog k-punk e, mais tarde, o Realismo Capitalista

Quando esse livro saiu, ele fazia menos sentido no Brasil, por se relacionar a aspectos da crise de 2008 no hemisfério norte. A crise política e econômica de 2014 e 2015, a crise de representatividade e a queda do preço das commodities fez com que ele adquirisse um novo significado no Brasil e no Sul Global. A questão premente colocada pelo autor — a impossibilidade de se imaginar outro futuro — é o contrário da crença da minha geração de que um outro mundo era possível. 

Quem é Outros Quinhentos concorre ao sorteio de 3 exemplares de Fantasmas da Minha Vida, em parceria com a Autonomia Literária. Inscrições até sexta-feira (06/05) às 15h. Saiba como ser Outros Quinhentos aqui!

A partir do Realismo Capitalista e seu trabalho posterior é possível enxergar um horizonte novo. Sua morte foi um acontecimento terrível mas que, por outro lado, ajudou a alavancar sua obra.

Onde o livro se localiza dentro do conjunto da obra de Fisher? 

Fisher publicou apenas três obras em vida: Realismo Capitalista, Fantasmas da minha vida e The Weird and the Eerie [sem tradução no Brasil]. O Realismo Capitalista é um tomo inteiro, quase um manifesto com um tom de urgência. São nove capítulos com uma estrutura única que contam uma história, como um disco de rock. O livro gira em torno da ideia de ser um álbum — curto, certeiro, que convida à releitura e à uma nova apreciação. Lido desse jeito, seus outros dois livros são como coletâneas de singles ou de demos. É importante notar que esse material foi organizado pelo próprio Fisher — ele escolheu o que está e não está ali. Em Desejo pós-capitalista, sua próxima obra a ser publicada pela Autonomia Literária, encontramos uma série de conferências. Em Fantasmas, o autor está em um momento pós-Realismo Capitalista, entende que a sua voz é ouvida e briga por esse espaço. A partir dali, Fisher começa a ter espaço e a reverberar como o pensador que ele é. Esse livro se insere nesse processo. 

A importância de que sua obra seja traduzida para o português está relacionada à necessidade de que Fisher seja entendido como crítico cultural, porque isso está no cerne do seu pensamento e de quem ele é. A questão cultural, artística e estética foi central para a sua vida. Antes de tudo, mais do que um filósofo contemporâneo, ele era um crítico de arte. Sua formação veio através da crítica de arte, lendo autores diversos e escrevendo nos seminários britânicos sobre discos de música eletrônica, de rock e de pós-punk, que trouxeram-lhe referências muito além das que ele tinha em sua vivência. 

O conceito de assombrologia é, de certa forma, delineado por uma leitura do disco Maxinquaye de Tricky em associação com conceitos do filósofo francês Jacques Derrida. Fisher resgatou essa interpretação dez anos depois para criar sua própria ideia de assombrologia (hauntology), que é mais difusa, extremamente centrada na experiência britânica em seu sentido anglófono. A estrutura do Realismo Capitalista gira em torno de exemplos da cultura popular, mostrando como ela tinha se adaptado à ideia de que não existe outro mundo possível — da mesma forma, ele associa a concepção de assombrologia à certas resistências que carregam aspectos nostálgicos. Em Fantasmas da minha vida ele debate o que são essa nostalgia e essa melancolia — que, naquele momento, ele acredita que possa ser revolucionária. Depois, ele muda um pouco de ideia. Ali está um dos cernes de seu pensamento, que tem muita potência. 

Eu acho que o mais importante é captar o Fisher como alguém que coloca a guerra cultural no centro de seu pensamento e que entende a importância da interpretação e do debate sobre a questão da cultura como uma tarefa política de extrema validade no contexto do capitalismo tardio e para o embate que a esquerda trava contra ele. É por isso que, hoje em dia, tantos voltam a ler Antonio Gramsci e Gyorgy Lukács. É possível retomar o pensamento de Fisher na crise do Brasil, assim como na crise do Brexit, na eleição de Trump e de Bolsonaro, no avanço da extrema-direita. O centro dessas questões passa também pela batalha cultural, que parte do campo da esquerda continua sem enfrentar, esquecendo que o sonho vem da arte. Se esquecermos de sonhar que outro mundo é possível, não conseguiremos ir muito longe.

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