O revolucionário Dziga Viértov, inédito no Brasil

Com tradução direto do russo, Editora 34 lança manifestos, projetos e escritos do cineasta soviético, expoente do Cinema Verdade. Coletânea inclui vasto acervo fotográfico. Quem apoia nosso jornalismo concorre a um exemplar e tem 30% de desconto

“A massa é a matriz da qual emana, no momento atual, toda uma atitude nova com relação à obra de arte”. Com essas palavras, Walter Benjamin descreveu em 1935 a revolução que o cinema estava provocando no mundo artístico e cultural, por meio da relação íntima que milhões de trabalhadores em todo o mundo criaram com ele.

Dziga Viértov, nascido em 1896 no então Império Russo, foi personagem ativo dessa revolução: em um tempo em que o cinema ainda buscava sua identidade, batalhou por uma sétima arte identificada com as necessidades do proletariado – em especial, a destruição do mundo burguês e de suas formas atrasadas. A Editora 34, nossa parceira, resolve agora o problema do quase-vazio de publicações do cineasta soviético no Brasil. Cine-Olho: manifestos, projetos e outros escritos, lançado neste ano, reúne noventa textos de Viértov, em sua grande maioria inéditos em língua portuguesa.

No conturbado ano de 1968, Jean-Luc Godard se uniu a Jean-Pierre Gorin para criar o Groupe Dziga Vertov: o coletivo, que assinava conjuntamente suas criações, se inspirou no trabalho do russo (e em outros, como Brecht, que concebiam a arte a partir das ferramentas do marxismo) para produzir um novo cinema, aspirando superar a cinematografia burguesa. O trabalho mais conhecido do grupo, Vento do Leste, inclui uma breve participação de Glauber Rocha. Cerca de cinco anos depois, o grupo se dissolveu, com Godard tomando outro rumo em suas explorações cinematográficas e Gorin tornando-se professor universitário nos Estados Unidos.

Outras Palavras e Editora 34 realizarão o sorteio de um exemplar de Cine-olho: manifestos, projetos e outros escritos, de Dziga Viértov, entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e aceitará inscrições até segunda-feira, 19/9, às 14h. Quem é Outros Quinhentos também tem direito a 30% de desconto no site da editora.

A despeito de sua curta existência, o grupo de que Godard fez parte teve importante impacto. Uma de suas principais contribuições foi a propagação do nome e do trabalho de Vertov, antes bastante mais restrita, especialmente em comparação com o de outras figuras do inovador cinema da URSS dos anos 20, como Eisenstein. 

Viértov entendia a forma-narrativa até aí posta como um ilusionismo a serviço do domínio da burguesia. Um homem com uma câmera, de 1929, é talvez a expressão mais acabada de suas ideias revolucionárias para o cinema. Orientado pela concepção do Kino-Glaz (“cine-olho”), o filme nos leva pelo cotidiano de três cidades, apresentando o trabalho e o lazer dos cidadãos soviéticos. Se “cada pessoa hoje em dia pode reivindicar o direito de ser filmada”, como postula Benjamin, Viértov rejeita a necessidade de atores, recorrendo ao próprio povo e sua vida como protagonistas do cinema. Rápida e estonteante como a visão do olho humano, de cuja dinâmica busca se aproximar, a montagem de Um homem com uma câmera inaugura um sem-número de técnicas de edição que hoje são utilizadas até pelo mainstream hollywoodiano.

Seus Kino-Pravda (“cine-verdade”, em parte nomeados em homenagem ao Pravda bolchevique), lançados de 1922 a 1925, são outra façanha do cinema. Os pequenos filmes, com cerca de dez a vinte e cinco minutos, balizam o desenvolvimento do documentário e das reportagens em vídeo, apresentando acontecimentos do período de formação da URSS. Sua “verdade” é dupla: no âmbito da forma, não encenam nada, documentando processos reais e não sua teatralização; no âmbito do conteúdo, expõem a verdade política das massas em seu esforço por erguer o novo mundo socialista, dissipando as calúnias das classes reacionárias que ansiavam por destruir o nascente Estado dos trabalhadores.

Cartaz de Um homem com uma câmera produzido pelos irmãos Stenberg.

O cineasta e pesquisador da ECA-USP Luis Felipe Labaki foi o responsável pela organização da coletânea. É preciso dizer: seu trabalho foi primoroso, admirável. Além de selecionar os não poucos noventa textos que compõem o livro indo ao Arquivo Estatal Russo de Literatura e Arte, Labaki os traduziu direto do russo (uma novidade, visto que Viértov só havia chegado ao Brasil por meio de versões indiretas de outras línguas), além de assinar a apresentação e as notas do volume.

A apresentação introduz brevemente sua obra e logo passa a uma rica exposição sobre sua repercussão no Brasil e no mundo. As notas, na casa das centenas, são precisas, didáticas e realmente contribuem para uma leitura produtiva do volume. Labaki dedicou seu mestrado (e seu doutorado, em curso) à obra de Viértov, e a profundidade de seu trabalho fica demonstrada na qualidade da edição de Cine-Olho que organizou.

Quanto aos textos de Viértov, estão divididos em 8 seções. Organizadas cronologicamente, agrupam escritos desde 1918 até sua morte em 1954. Vão desde seus paradigmáticos manifestos do início dos anos 20 (Nós. Variação do manifesto, de 1922, e Kinocs. Revolução, de 1923) a intervenções em reuniões do Partido Comunista e rascunhos manuscritos sobre arte. 

O volume foi realizado também em colaboração com o Austrian Film Museum, de Viena. Da Coleção Dziga Viértov do museu austríaco vieram para a edição brasileira mais de cem imagens de sua vida, de seus filmes e de seus rascunhos pessoais. Os interessados podem assistir no canal do museu 22 dos 23 Kino-Pravda produzidos por Viértov, restaurados e legendados.

Cena do Kino-Pravda nº 5, de 1922.

Não é exagerado afirmar que o livro da Editora 34 é uma das mais abrangentes coletâneas de textos de Viértov lançadas no mundo desde o começo da publicação de seus escritos, iniciada em 1966 na URSS. É uma contribuição inestimável para o cinema e seus estudos no Brasil, e uma a que os membros da rede Outros Quinhentos terão acesso especial.


Sortearemos entre os apoiadores do nosso jornalismo um exemplar de Cine-Olho: manifestos, projetos e outros escritos, de Dziga Viértov, em parceria com a Editora 34. O sorteio estará em vigor até a próxima segunda-feira, 19/9, às 14h – as inscrições serão recebidas no formulário enviado por e-mail na lista da rede Outros Quinhentos.

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