Sua tela é uma das razões para o golpe na Bolívia

Reserva boliviana de índio – um minério essencial para a produção de telas de TVs, computadores e celulares – é uma das maiores do mundo. Ao nacionalizar exploração, Evo tornou-se alvo de megacorporações do Canadá, EUA e Europa

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Por Vijay Prashad, no The Counter Punch, traduzido pela Carta Maior

Quando você olha para a tela do seu computador, ou para a tela do seu telefone ou da sua TV, é um display de cristal líquido (LCD). Um componente importante da tela de LCD é o índio, um elemento metálico raro que é processado com zinco concentrado.

As duas maiores fontes de índio podem ser encontradas no leste do Canadá e na Bolívia (Malku Khota). Os depósitos do Canadá têm o potencial de produzir 38.5 toneladas de índio por ano, enquanto as minas da Bolívia seriam capazes de produzir 80 toneladas por ano.

A Corporação Sulamericana de Prata do Canadá – agora TriMetals Mining – assinou uma concessão para explorar e, eventualmente, minerar Malku Khota. O trabalho começou em 2003, dois anos antes de Evo Morales e o Movimento Pelo Socialismo (MAS) ganharem sua primeira eleição presidencial na Bolívia. A corporação conduziu diversos estudos na região e todos apontaram depósitos substanciais que fariam da firma um dos maiores jogadores na indústria da mineração.

Um estudo feito por Allan Armitage e outros para a corporação, e entregue em 2011, mostrou que a mina de Malku Khota produziria quantidades substanciais de prata, índio, zinco, cobre, chumbo e gálio. “O índio e o gálio”, o estudo notou, “são tidos como metais estratégicos que dão ao projeto um futuro vantajoso em potencial”. O gálio é usado para termômetros e barômetros, bem como no setor de testes da indústria farmacêutica. Esses minerais podem gerar tesouros.

Nacionalismo e recursos

A estrada para a vitória de Evo Morales iniciou em 2006 com a promessa de um novo dia para a Bolívia. Peça chave em sua agenda era tomar controle dos recursos do país e usá-los para melhorar a qualidade de vida das populações pobres da Bolívia. Uma das grandes tragédias do país é que desde metade do século 16, as populações indígenas tiveram que trabalhar para remover uma riqueza preciosa do subsolo e enviá-la para enriquecer os europeus e, depois, os norte-americanos. Eles não se beneficiaram dessas riquezas.

Milhões morreram nas minas em Potosí para tirar a prata e, depois, estanho, do subsolo. Para os indígenas que moram perto ou nas montanhas, tudo está de cabeça pra baixo – uma das montanhas mais lucrativas é conhecida como Cerro Rico (Montanha Rica), enquanto em espanhol há uma frase que brinca com a ideia de que a riqueza é equivalente a Potosí (vale um Potosí). A mensagem de Morales durante sua campanha foi moldada no conceito de nacionalizar os recursos – usar os recursos para melhoras as vidas daqueles que vivem sem dignidade.

Primeiro, Morales foi atrás das indústrias de petróleo e gás. É importante lembrar que seu oponente na eleição desse ano – Carlos Mesa – foi o presidente logo antes de Morales ganhar em 2005. Mesa chegou ao poder depois de seu antecessor Sánchez de Lozada renunciar em desgraça por causa das grandes manifestações em 2003 quando os bolivianos demandaram mais controle das reservas de gás (a repressão estatal foi severa, com ao menos 70 mortos nas manifestações). Em maio de 2006 – após apenas três meses no cargo – Morales anunciou que a indústria de gás e petróleo havia sido nacionalizada. É importante lembrar que sua taxa de aprovação estava bem acima de 80%.

A nacionalização não foi fácil, já que o governo boliviano não podia expropriar bens mas somente aumentar taxas e renegociar contratos. Até aqui, o governo enfrentou problemas já que não possuía habilidades técnicas suficientes para entender o opaco setor de energia. Além disso, o problema com o setor de energia é que mesmo o gás e o petróleo nacionalizados devem ser vendidos para as firmas transnacionais que então processam e vendem; elas permanecem em controle na cadeia de valor. O que o governo de Morales conseguiu fazer, no entanto, foi garantir que o estado controlasse 51% de todas as firmas privadas de energia que operavam no país, o que permitiu ao estado encher seus cofres rapidamente. Foi esse dinheiro que foi investido para ir atrás da pobreza, fome o do analfabetismo.

Vingança das mineradoras         

O Instituto Fraser canadense – um think-tank libertário financiado pelo setor de mineração e energia – publica uma pesquisa anual das mineradoras. Essa pesquisa é conduzida pelas opiniões de executivos do ramo sobre uma gama de questões. A pesquisa de 2007-08 disse que a Bolívia é o segundo pior país para investimento; o pior era o Equador. Em 2010, um Index do Banco Mundial sobre facilidade no campo dos negócios, escalou a Bolívia em 161 de 183 países. Líderes de mineradoras – de Peter Munk da Barrick até Antonio Brufau da Repsol – fizeram comentários depreciativos sobre o programa de nacionalização. “Se a Bolívia ficar nesse caminho”, me disse um banqueiro de Wall Street na época, “essas empresas irão garantir que o gás natural boliviano permaneça no subsolo”. A Bolívia pode sofrer um embargo; Morales pode ser assassinado.

A pressão diária era intensa sobre o governo MAS, que começou um processo para escrever uma nova Constituição que protegeria a natureza e insistiria no uso da riqueza dos recursos para o povo. Surgiu uma contradição imediata aqui: se o governo MAS ia desfazer séculos de privação, teria que explorar o solo para trazer à tona a riqueza. Uma escolha trágica assolou o governo – não conseguiria conservar a natureza e transformar as condições do dia-a-dia com o mesmo nível de cuidado. Ao mesmo tempo, conseguir comercializar os minerais e energia, teria que continuar a negociar com essas firmas transnacionais; não havia nenhuma alternativa imediata.

Nacionalização

Mesmo com as restrições, o governo MAS continuou a nacionalizar os recursos, e insistir na parceria das estatais na extração de recursos. As firmas transnacionais imediatamente levaram a Bolívia ao Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID), uma parte do sistema do Banco Mundial. O ICSID – formado em 1966 – é baseado em Washington, capital, e compartilha uma visão dos negócios que reflete a visão do Departamento do Tesouro dos EUA.

Em 29 de abril de 2007, os líderes da Bolívia (Evo Morales), Cuba (Carlos Lage), Nicarágua (Daniel Ortega) e Venezuela (Hugo Chávez) assinaram uma declaração para criar uma alternativa ao sistema de investimento institucionalizado no ICSID. A Bolívia e o Equador se retiraram do sistema dominado pelos EUA, enquanto a Suprema Corte da Venezuela declarou que não tinha o poder de intervir no assunto da soberania venezuelana.

Em 10 de julho de 2012, o governo de Morales nacionalizou a propriedade de Malku Khota da Corporação Sulamericana de Prata. O CEO da empresa, Greg Johnson, disse que ficou “bem chocado” com a decisão. As ações da empresa caíram imediatamente; estavam comercializando à $1.02 em 6 de julho e caíram para $0.37 em 11 de julho.

O que estimulou a nacionalização foi o protesto ao redor da mina pelos mineradores indígenas artesanais que não queriam esse mega-projeto prejudicando seu dia-a-dia. A corporação havia gasto rios de dinheiro para convencer 43 das 46 comunidades vizinhas a aceitar a mina; mas não conseguiram convencer os mineradores artesanais. “A nacionalização é nossa obrigação”, disse Morales.

Todo esse índio não chegaria, em quantidades significativas, às fábricas para produzir LCDs para TVs, monitores de computador e celulares.

A empresa levou o governo da Bolívia à Corte Permanente de Arbitragem na Holanda. Em novembro do ano passado, a Corte ordenou que a Bolívia pagasse à empresa $27.7 milhões ao invés dos $385.7 milhões que a TriMetals havia pedido.

O Golpe

Em julho de 2007, o embaixador dos EUA Philip Goldberg, enviou um telegrama à Washington no qual pontuava que as mineradoras dos EUA estavam perguntando na embaixada sobre o clima para investimento na Bolívia. Goldberg sentiu que a situação para as mineradoras não estava boa. Quando perguntado se ele podia organizar um encontro com o vice-presidente Álvaro Garcia Linera, ele disse, “infelizmente, sem dinamite nas ruas, é incerto se a embaixada ou as mineradoras internacionais serão capazes de alcançar até mesmo esse objetivo mínimo”.

“Sem dinamite nas ruas” é uma frase que vale a pena ser analisada. Um ano depois, Morales expulsou Goldberg da Bolívia, o acusando de auxiliar os protestos na cidade de Santa Cruz. Apenas uma década depois, foi a “dinamite” que tirou Morales do poder.

O nacionalismo de recursos não está mais na agenda da Bolívia. O destino de Malku Khota é incerto. O destino da sua tela é garantido – será substituído pelo índio dos depósitos de Potosí. E os benefícios dessa venda não irão melhorar o bem-estar da população indígena do país; vão enriquecer as firmas transnacionais e a velha oligarquia da Bolívia.

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