SP: A luta contra os “interventores na educação”
25 escolas municipais terão diretores afastados, sem critério lógico, por uma decisão arbitrária da gestão de Ricardo Nunes. Comunidade escolar e educadores denunciam perseguição e avanço da privatização. Inicia-se batalha judicial por “recuo absoluto”
Publicado 29/05/2025 às 16:54

Por Ana Luiza Basilio, na CartaCapital
A escola Espaço de Bitita, no bairro do Canindé, zona norte da cidade de São Paulo, iniciou a semana em protesto. Na manhã de segunda-feira 26, as aulas do ensino fundamental foram substituídas por um ato organizado por estudantes, professores e membros da comunidade escolar. O grupo reivindica a permanência do diretor Claudio Marques Neto, à frente da instituição há 14 anos.
A cerca de 20 quilômetros dali, na região do Rio Pequeno, zona oeste da capital, a comunidade da Emef Ibrahim Nobre realizou manifestação semelhante. O objetivo era impedir o afastamento do diretor Leonardo Almeida Mannin, que ocupa o cargo há nove anos.
Esses não são casos isolados. No total, 25 escolas da cidade de São Paulo terão seus diretores afastados por determinação da Secretaria Municipal de Educação, sob gestão de Ricardo Nunes (MDB). Em 23 de maio, a pasta divulgou um documento assinado pelo secretário Fernando Padula Novaes, convocando os profissionais a participarem de um curso de ‘requalificação intensiva’, entre maio e dezembro. Durante esse período, eles serão removidos das unidades escolares.

Segundo a Secretaria, os diretores participarão do projeto Aprimorando Saberes Diretores de Escola, parte do Programa Juntos pela Aprendizagem. A iniciativa tem como objetivo alinhar a atuação das escolas às metas de aprendizagem estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e pelo Currículo da Cidade.
A Prefeitura de São Paulo afirma se tratar de uma estratégia de formação continuada para qualificar a gestão pedagógica. No entanto, a medida provocou forte reação de comunidades escolares e de instituições da área da educação, que apontam falta de transparência e um possível viés político na decisão.
“Todos os selecionados são diretores que participaram das greves recentes, além de serem lideranças que mantêm boa relação com as comunidades”, destaca o diretor Marques Neto, da Bitita. Segundo ele, não houve explicação clara sobre os critérios usados para a seleção dos diretores.
Em nota, a secretaria alegou que os profissionais atuam há pelo menos quatro anos em “unidades prioritárias” e foram escolhidos com base nos resultados do Ideb e do Idep de 2023. A pasta, contudo, não detalhou os critérios de avaliação. Escolas com notas superiores a cinco foram incluídas na convocação, enquanto outras com notas inferiores ficaram de fora.
“O Ideb é uma escala estatística, que não explica as diversas variáveis dentro de uma escola”, critica Claudio. “Aqui na Bitita, por exemplo, 40% de nossos alunos são imigrantes, o que significa que temos uma alta rotatividade deles. Sem considerar isso, sempre seremos prejudicados nas avaliações de fluxo escolar”, defendeu o diretor. A escola registrou um Ideb de 6 em 2019, antes da pandemia, e de 4,8 em 2023.
Para ele, os dados não traduzem o trabalho pedagógico realizado com cerca de 800 alunos do ensino fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), sendo metade em situação de vulnerabilidade. A escola acumula prêmios como Heitor Villa-Lobos, Territórios Tomie Ohtake, Paulo Freire e Criativos da Escola, e integra o Programa das Escolas Associadas da Unesco.
O mesmo sentimento é compartilhado por Leonardo Mannin, da Emef Ibrahim Nobre.”Metade das crianças aqui recebe Bolsa Família, muitas famílias moram em casa de palafita… São fatores que uma avaliação externa não será capaz de medir”, afirma. “Por isso, buscamos sempre o fortalecimento dos vínculos com as famílias e o território.”

‘Interventores na educação’
Em paralelo à convocação para a ‘reciclagem’, a Prefeitura de São Paulo anunciou a nomeação de novos assistentes de direção para as unidades escolares. Especialistas avaliam que a medida viola a autonomia das escolas, garantida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Em moção de repúdio, a Faculdade de Educação da USP, alertou que a ação representa uma tentativa de inserir “interventores” nas escolas públicas e transferir sua gestão à iniciativa privada.
A instituição destaca que as escolas afetadas compartilham duas características principais: atendem comunidades em alta vulnerabilidade e desenvolvem projetos pedagógicos alinhados à gestão democrática, à valorização das culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas e à superação de desigualdades.
“Sem dúvida uma forma de assédio moral, que aproxima o procedimento utilizado das formas de tortura psicológica, utilizadas por empresas multinacionais na ditadura civil-militar”, diz um trecho da manifestação.

Na noite de terça-feira 27, a Faculdade de Educação da USP recebeu os diretores afastados para debater estratégias de resistência. Alguns propuseram anular as nomeações feitas pela Prefeitura, alegando que ferem a prerrogativa dos conselhos escolares.
Presente na reunião, o educador e cientista político Daniel Cara afirmou que a única solução política aceitável é o ‘recuo absoluto’ da secretaria. Para ele, a proposta da Prefeitura dialoga com a política educacional do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). “A intervenção nas escolas é um ataque à gestão democrática e aos educadores”, declarou.
Na rede estadual, ao menos seis diretores já foram afastados com base no desempenho dos alunos em avaliações externas. A Secretaria de Educação do estado, chefiada por Renato Feder, afirmou que os afastamentos seguem resolução de janeiro de 2024, que considera frequência, participação em provas e desempenho no Saresp ou no Saeb.
Ilegalidade e disputa judicial
Na segunda-feira 23, o Ministério Público de São Paulo deu prazo de cinco dias para que a Secretaria Municipal de Educação esclareça os critérios para o afastamento dos diretores e indique se houve direito à defesa. O MP também analisa se as substituições estão em conformidade com o Estatuto dos Profissionais da Educação Municipal.
A promotoria foi provocada por parlamentares do PSOL: a deputada federal Luciene Cavalcante, o deputado estadual Carlos Giannazi e o vereador Celso Giannazi. Eles pedem tutela de urgência para suspender a convocação.
“A ausência de motivação, de critérios objetivos, de comunicação institucional e de razoabilidade temporal demonstra que a real finalidade da convocação foi a substituição política e não a qualificação dos gestores”, apontam os parlamentares. “O uso de instrumentos administrativos para promover interferência política é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico, comprometendo a impessoalidade, a legalidade e a moralidade que regem a administração pública.”
A vereadora Silvia Ferraro, da Bancada Feminista do PSOL, anunciou a apresentação de uma emenda à Lei Orgânica do Município para proibir a privatização da gestão escolar. Ela também articula um ato de desagravo na Câmara Municipal, marcado para quinta-feira 29, às 19h.
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