Por dentro da “COP dos Lobbies”
Um relatório atualizado mapeia a AgriZone e a pesada influência de bancos e corporações do agro na captura da pauta climática. Como agem para transformar a edição de Belém em balcão de negócios sem responder por violações. Qual o papel da grande mídia
Publicado 11/11/2025 às 16:28

Por Alceu Luís Castilho e Bruno Stankevicius Bassi, no De Olho nos Ruralistas
O observatório De Olho nos Ruralistas e a Fase – Solidariedade e Educação lançam nesta segunda-feira (10) o relatório “A COP dos Lobbies”. O estudo mapeia a influência crescente de grandes corporações brasileiras e de multinacionais nas negociações e nos espaços de deliberação da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que começa hoje em Belém (PA).
A lista de empresas analisadas inclui as mineradoras Vale e Hydro, o frigorífico MBRF (Marfrig e BRF), a sucroalcooleira Cosan, a gigante do papel e celulose Suzano, a fabricante de agrotóxicos e sementes transgênicas Bayer e os bancos Itaú e BTG Pactual.
Ao longo de 94 páginas, “A COP dos Lobbies” detalha como corporações com extensos passivos ambientais instrumentalizam o discurso da sustentabilidade corporativa e da transição verde. Essa instrumentalização se dá por meio de ações de marketing, patrocínio a veículos de imprensa e financiamento de espaços paralelos na COP — muitas vezes em parceria com ministérios, estatais e o governo do Pará, os mesmos órgãos responsáveis por fiscalizar a atuação dessas empresas.
O trabalho será divulgado durante a COP30, em um ciclo de debates na Cúpula dos Povos, evento internacional organizado por movimentos sociais, povos indígenas e organizações ambientais, que ocorre paralelamente à agenda oficial da Blue Zone e Green Zone.
Paralelamente, De Olho nos Ruralistas produziu um vídeo de 24 minutos com os principais destaques do relatório, disponível em no canal do observatório no YouTube. Confira abaixo:
Empresas financiam a “COP paralela” em espaços privados
A pesquisa se baseia em análise documental e discursiva de materiais institucionais, campanhas e relatórios empresariais; monitoramento de investimentos, patrocínios e participação em eventos preparatórios para a COP30; e levantamento de dados públicos (tribunais de justiça, Ibama, Comissão de Valores Mobiliários, Tribunal Superior Eleitoral, relatórios de organizações internacionais, artigos científicos e reportagens publicadas na imprensa).
Desde seu surgimento, em 1995, na esteira da Rio-92, as COPs se mantiveram no fio da navalha entre o lobby corporativo e a pressão de cientistas e ambientalistas por compromissos imediatos para restringir as emissões de gases do efeito estufa e conter as mudanças climáticas.
Mais de trinta anos se passaram até o retorno ao Brasil, onde tudo começou. Agora, o agronegócio e a mineração não só disputam espaço nas agendas oficiais, como também conduzem os debates com espaços próprios e estrutura milionária. Será da AgriZone, financiada pela Bayer, que sairão as metas brasileiras para a redução das emissões de CO₂? Ou da Estação do Desenvolvimento, patrocinada pelas mesmas empresas que lideraram o lobby pela implosão do licenciamento ambiental no Brasil?
As corporações que hoje apresentam planos ousados de reflorestamento e descarbonização serão cobradas por seus passivos ambientais? E pela violação de direitos de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e camponeses — os verdadeiros defensores da natureza?
O relatório conclui reforçando a urgência de fortalecer mecanismos de transparência, controle social e regulação do lobby empresarial nos fóruns ambientais globais. A captura empresarial da pauta climática não pode passar despercebida pelo público.
De Olho nos Ruralistas e Fase consideram que as comunidades tradicionais acabam sendo relegadas a espaços secundários e são obrigadas a fazer pressão para serem lembradas e ouvidas. Quando deveriam estar no centro do debate, ao lado de cientistas comprometidos com a ecologia, em vez do capital.

Patrocínio do mídias, coalizões empresariais e muito mais
Em outubro de 2022, De Olho nos Ruralistas e Fase publicaram um dossiê chamado “O agro não é verde: como o agronegócio se articula para parecer sustentável”. O estudo mapeou as narrativas sobre mudanças climáticas adotadas por 12 organizações associadas ao Instituto Pensar Agro (IPA) — centro de lobby responsável por fornecer apoio logístico e legislativo à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a face institucional da bancada ruralista no Congresso.

Pensado como uma continuação a esse trabalho, o relatório “A COP dos Lobbies” foca em oito grupos econômicos — Bayer, BTG Pactual, Cosan, Itaú Unibanco, MBRF Global Foods (Marfrig e BRF), Norsk Hydro, Suzano e Vale —, selecionados por sua participação em iniciativas e coalizões climáticas, patrocínio a eventos preparatórios da COP30 e por sua representatividade no setor de atuação. As corporações analisadas no relatório financiam campanhas institucionais e educativas, séries audiovisuais e reportagens patrocinadas para se apresentar como protagonistas da “transição verde”.
O estudo mostra que articulações como a Sustainable Business COP30 (SBCOP) — liderada por ex-executivos da Raízen/Cosan —, a Climate Action Solutions & Engagement (C.A.S.E.) e o Brazil Restoration and Bioeconomy (BRB) Finance Coalition exemplificam a institucionalização do lobby empresarial dentro das negociações climáticas. Entre seus patrocinadores estão Itaú e Vale — presentes nas três articulações —, BTG Pactual, Marfrig/MBRF, Hydro e Suzano.
Outro destaque do relatório é o patrocínio à imprensa. Cinco das oito corporações analisadas financiaram as coberturas jornalísticas de veículos de mídia para a COP30. Cinco grandes grupos de comunicação do Brasil — Globo, Folha, Estadão, CNN e Liberal — foram contemplados com patrocínios de empresas com passivos ambientais amplamente conhecidos, levantando questionamentos sobre isenção e ética jornalística. Além do apoio direto, Itaú e Norsk Hydro financiaram treinamentos para profissionais de imprensa que irão cobrir a COP30, incluindo o patrocínio de press trips e delegações visitando projetos ambientais apoiados pelas duas empresas.
Baixe o relatório completo aqui.
Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas.
Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de pesquisa do observatório.
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