Pablo Mariconda: o grande pensador que perdemos

Nos deixou quem ajudou a consolidar o estudo da filosofia da ciência, as implicações éticas do uso das tecnologias e os valores do conhecimento. Rigoroso, contribuiu para criar alternativas eficazes à tecnociência orientada para o lucro

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Por Eliakim Ferreira Oliveira e Otto Crespo-Sanchez da Rosa, em A Terra é Redonda

1.

É bastante difícil mensurar a importância de Pablo Rubén Mariconda para a filosofia no Brasil e para aqueles que tiveram o privilégio de compartilhar a sua presença. Tendo ingressado como aluno do Departamento de Filosofia da USP em 1968, ainda na época da Rua Maria Antônia, Pablo Rubén Mariconda esteve entre os responsáveis pela consolidação da área de teoria do conhecimento e filosofia da ciência da USP, substituindo, nos anos 1970, Hugh Lacey, o primeiro professor dessa área.

Precisamos ressaltar a sua enorme produção intelectual, que vai desde trabalhos sobre a filosofia clássica da ciência, como Pierre Duhem e Karl Popper, passando por trabalhos fundamentais sobre a revolução científica dos séculos XVI e XVII (Francis Bacon, Galileu Galilei, Marin Mersenne, René Descartes, Isaac Newton), até o desenvolvimento, junto a Hugh Lacey, de uma filosofia da ciência que tem como modelo a interação entre a atividade científica e os valores.

Esta permite tanto refletir sobre questões contemporâneas – a tecnociência comercialmente orientada (a atividade científica marcada por estratégias descontextualizadoras e a produção de patentes) e os efeitos colaterais das aplicações tecnológicas nela baseadas (como a utilização de sementes transgênicas na agricultura) –, quanto apontar as credenciais científicas das alternativas (o pluralismo estratégico na organização da atividade científica e tecnologias alternativas, como as da agroecologia).

Assim como, nos anos 1960, o modelo de Thomas Kuhn representou uma inflexão na filosofia da ciência, o modelo de Hugh Lacey e Pablo Rubén Mariconda representa uma nova inflexão, que reúne de maneira rigorosa filosofia de ciência e filosofia da tecnologia.

2.

Mas, sobretudo, queremos destacar a figura congregadora e generosa do professor Pablo Rubén Mariconda, responsável pela criação da Associação Filosófica Scientiae Studia, na qual trabalhou intensa e ininterruptamente para a publicação de obras de referência e onde construiu um centro de estudos especializado, talvez o maior do Brasil no tocante às áreas de filosofia da ciência e filosofia da tecnologia.

Era na Associação que nos reuníamos quinzenalmente para discutir acerca da relação entre valores e atividade científica, filosofia da tecnologia e fundamentos éticos do fazer científico. Na Associação tínhamos o privilégio da orientação do professor Pablo Rubén Mariconda, sempre atenta e rigorosa, com sua capacidade de fazer com que nos sentíssemos em família.

Era admirável, aliás, o modo como Pablo Rubén Mariconda se preocupava com o desenvolvimento intelectual de seus orientandos, sempre pronto para auxiliar no que fosse necessário: na leitura atenta dos textos, em reuniões ordinárias e extraordinárias, na produtiva discussão em grupo, nas sugestões de leitura e no estímulo à publicação.

Nessas interações, manifestavam-se o entusiasmo e a dedicação para com a vida acadêmica. Pablo Rubén Mariconda tinha enorme ímpeto para o trabalho e para a criação filosófica, sempre articulando projetos de estudo e traduções. Na interação com os alunos, sobressaía-se a relação afetiva e o respeito intelectual.

Neste momento de grande tristeza, Pablo nos fica como inspiração, horizonte e modelo. Que esse sentimento possa preencher o vazio que ele deixa em nossas vidas.

Eliakim Ferreira Oliveira é doutorando no Departamento de Filosofia da USP.

Otto Crespo-Sanchez da Rosa é doutorando no Departamento de Filosofia da USP.

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