O futuro do escritório, no pós-pandemia

Crescem os sinais de que volta à “normalidade” não virá tão cedo. Trabalho em casa vai disseminar-se, por muito tempo. Quem for às empresas viverá em salas muito mais vazias, redução drástica de reuniões, uso permanente de máscaras

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Por Maxwell Strachan, na Vice Brasil

Recentemente, Mark Zuckerberg anunciou que decidiu desacelerar planos para fazer os empregados do Facebook voltarem para seus escritórios. Numa declaração, o CEO disse que o home office dos funcionários continuaria pelo menos até maio. Se a companhia voltar para os escritórios, funcionários do Facebook que não se sentirem confortáveis para trabalhar lá poderão continuar trabalhando remotamente durante o verão (nórdico), e talvez depois.

“A maioria dos funcionários do Facebook tem sorte de poder trabalhar produtivamente de casa, então sentimos uma responsabilidade de permitir que pessoas que não têm essa flexibilidade possam acessar os recursos públicos primeiro”, escreveu Zuckerberg. “Espero que isso ajude a conter a propagação do covid-19, para mantermos nossas comunidades seguras e voltarmos ao normal em breve.”

A declaração de Zuckerberg pode parecer responsável e benevolente. Mas também deixa a impressão que a companhia pode voltar a algo parecido com a normalidade numa questão de meses. A sugestão otimista pode reconfortar quem está tendo sonhos febris de que logo poderá voltar para seu escritório, cercado de pessoas por todo lado. Mas isso contrasta muito com as opiniões de especialistas em saúde e economistas – muitos deles dizendo que as pessoas vão continuar trabalhando remotamente algum tempo. Se e quando as pessoas trabalhando de casa voltarem, a vida no escritório que elas conheciam provavelmente terá desaparecido, substituída por andares bem mais vazios, com quase nenhuma reunião, só uma pessoa no elevador, e todo mundo de máscara.

No momento, a maior questão enfrentada pela economia é quando os trabalhadores vão poder voltar ao trabalho. Para quem não pode trabalhar da sala de casa, voltar ao local de trabalho o quanto antes é crítico, não só para suas famílias, mas para seus negócios e a economia no geral. A situação é muito diferente pros milhões atualmente trabalhando de casa. Para eles, retornar ao escritório não é tão importante. Para a maioria destes, só seria legal mesmo.

“Não precisamos que quem está trabalhando remotamente volte para o escritório”, disse Erik Gordon, professor da Escola de Administração da Universidade de Michigan. “Se uma pessoa volta para o escritório e fica doente, não é mais só problema dela. É um problema para o sistema de saúde.” Se todo mundo trabalhando de casa de repente voltasse para o escritório, isso aumentaria muito a possibilidade de futuros surtos. Um estudo recente da Universidade de Chicago descobriu que 37% dos trabalhos nos EUA podem “ser realizados inteiramente me casa” – um número que pula para perto de 50% em áreas metropolitanas como São Francisco e Washington, D.C.

Como resultado, muitos planos para revigorar a economia supõem que trabalhadores remotos vão continuar em casa por um longo tempo. O liberal Center for American Progress diz que os empregadores “devem continuar permitindo trabalho remoto até onde for possível” até que “a imunidade de grupo seja atingida através da vacinação em massa”, o que pode levar de 12 meses até dois anos. O American Enterprise Institute, de direita, concorda, dizendo que as pessoas devem trabalhar de casa “onde é conveniente” até que o FDA aprove uma vacina ou “haja outras opções que podem ser usadas para prevenção ou tratamento”.

No mesmo dia em que Zuckerberg fez seu anúncio, o governador de Nova York, Andrew Cuomo, disse que os negócios precisam se adaptar ao “novo normal” mesmo quando a economia reabrir. “Reimaginem seus locais de trabalho”, disse Cuomo. “Quantas pessoas podem trabalhar de casa e os negócios ainda funcionarem?” Versões dessa pergunta estão sendo feitas pelos economistas de todo o país. “Esse é um problema complexo que muitas empresas ainda não analisaram direito”, disse Jonathan Dingel, professor de economia da Booth School of Business da Universidade de Chicago. Para minimizar o risco de um surto no escritório, os empregadores precisam descobrir qual o menor número de pessoas que precisam ir até o escritório para o negócio funcionar corretamente, disse Dingel. E esse grupo raramente vai incluir qualquer um que trabalhe de casa.

“Se alguém pode trabalhar de casa, obviamente a pessoa não é tão produtiva quanto seria num escritório”, disse Dingel. “Mas se puder fazer um trabalho razoável em casa, então os benefícios de trazer a pessoa de volta para o escritório não são tão grandes quanto o benefício de deixar alguém voltar para realizar uma tarefa que seria impossível não fazer no local.”

Considere o jeito como a liga norte-americana de basquete, a NBA, está tentando retornar ao normal. Para reduzir a probabilidade de alguém contrair o coronavírus, o que ameaçaria fechar a liga mais uma vez, a NBA tem planos para não permitir torcedores e criar uma equipe esquelética de times competindo. Um cenário similar provavelmente acontecerá nos escritórios de todo o mundo: Os empregados mais essenciais voltam para o escritório, e quem trabalha remotamente continua em casa para diminuir a possibilidade de alguém ficar doente. Em sua declaração, Zuckerberg sugeriu que seu escritório está fazendo esses cálculos, apontando que “uma porcentagem pequena de nossos empregados mais críticos, que não podem trabalhar remotamente” podem retornar no começo de junho, “mas no geral, não esperamos que todo mundo volte para nossos escritórios por algum tempo”.

Mesmo nas melhores circunstâncias, a situação provavelmente vai causar uma cisma em certos locais de trabalho. Empregos que podem ser feitos de casa já tendem a render salários mais altos, segundo Dingel, que estudou a questão. Agora, eles também vão fornecer proteção enquanto outros trabalhadores arriscam sua saúde para ir até seus trabalhos.

Um enorme ponto de interrogação é quão amplamente disponíveis serão testes e rastreamento de contato, e se sobreviver ao vírus confere imunidade – algo que os cientistas ainda não sabem com certeza. O CEO do JPMorgan Chase Jamie Dimon disse no começo do mês que testes de imunidade confiáveis poderiam adiantar o retorno ao trabalho para sua companhia. Muitas firmas de Wall Street precisam de “testes onipresentes” antes que seus funcionários possam voltar ao local de trabalho. Até que haja mais dados disponíveis sobre a transmissão do COVID-19 “Será muito difícil fazer qualquer plano concreto”, disse Michael Mina, epidemiologista e imunologista de Harvard.

Mas especialistas esperam que alguns empregadores gradualmente tentem trazer os trabalhadores remotos para o escritório antes do que é aconselhável. O plano de reabertura do próprio Trump só sugere diretrizes para os negócios, e Cuomo disse de maneira similar que o processo de tomada de decisão não vai ficar só com o governo. “Será o governo decidindo com os negócios privados”, Cuomo disse. Inevitavelmente, algumas companhias vão reabrir de maneiras com que funcionários não-essenciais se sintam pressionado a voltar mais cedo para espaços que são cheios demais e não-sanitários.

Para minimizar o risco e atenuar os medos dos empregados, empregadores responsáveis precisam reestruturar fundamentalmente seus escritórios para adaptá-los às diretrizes de distanciamento social e de higiene, que podem continuar valendo até que uma vacina seja aprovada.

“Tem que ser algo que pareça seguro para as pessoas”, disse Peter Cappelli, professor de gerenciamento e diretor do Centro de Recursos Humanos da Universidade da Pensilvânia. “Provavelmente teremos que fazer muito distanciamento social no trabalho por um longo tempo.”

A nova ordem vai fazer espaços familiares parecerem estranhos, e minimizar o que antes era um dos grandes benefícios da vida no escritório: interação cara a cara. Escritórios abertos que permitiam que os empregadores colocassem muitos funcionários no mesmo espaço provavelmente se tornarão coisa do passado, pelo menos temporariamente. “Você não pode ter isso na nova era”, disse Zeke Emanuel, vice-reitor de iniciativas globais, diretor do Instituto de Transformação da Saúde da Universidade da Pensilvânia e autor líder do relatório sobre coronavírus do Center for American Progress. “Escritórios abertos, onde as pessoas sentam lado a lado, não devem voltar a operar em capacidade total em breve”, concorda Dingel.

Reuniões lotadas em salas de conferência também não serão mais possíveis. Emanuel disse que sua sala de conferências normalmente acomoda umas 25 pessoas, mas que agora só poderia ter seis ou sete pessoas distantes, mas mesmo assim há riscos. Outros dizem que isso pode ser otimista demais. Enquanto alguns funcionários podem gostar de ter mais espaço para os braços, o espaço disponível provavelmente também vai exigir escalonamento do turno dos funcionários para evitar aglomerações. “Você terá que limitar o número de pessoas em espaços fechados”, disse Emanuel. Ele sugeriu que empregadores façam coisas dividir pessoas por aniversário, ou mesmo pelo número de seguro social. “Então você vai ter as mesmas sete pessoas no escritório de cada vez”, explicou Emanuel.

Independente de quem seja selecionado pra ficar perto de você, todo mundo vai estar usando máscaras em suas mesas. “Não vamos nos livrar das máscaras. Precisamos tê-las”, disse Emanuel. “As pessoas vão continuar usando máscaras por um tempo, pelo menos enquanto começamos a voltar ao escritório”, concorda Mina, o epidemiologista. Na melhor das hipóteses, álcool gel vai estar por toda parte, o tráfego na cozinha deve ser mínimo, limpezas profundas vão acontecer com frequência, e conferir temperaturas deve ser normalizado.

Trazer os trabalhadores remotos de volta será exponencialmente mais difícil para companhias com espaços alugados em arranha-céus de cidades como Nova York, São Francisco e Chicago. “Esses lugares podem ser os últimos para onde as pessoas vão voltar”, disse Mina. “Em particular, elevadores são um bom jeito de espalhar o vírus.” “Eu preferiria ir a um show”, disse Gordon. Emanuel concordou sobre os elevadores cheios: “Isso não pode acontecer. Não podemos deixar acontecer”. Em vez disso, os prédios comerciais terão que colocar uma regras de no máximo duas ou três pessoas ao mesmo tempo nos elevadores, cada uma usando máscara e luvas.

“Essas são as coisas que vamos ter que começar a aplicar”, disse Emanuel. “Isso vai prevenir todos os surtos? Não, mas é por isso que temos que ter testes e rastreamento de contato. Assim, se um surto acontecer, podemos fazer o melhor para limitar isso a um grupo bem pequeno de pessoas.”

Jonathan Segal, advogado da firma Duane Morris especializada em recursos humanos e riscos legais para companhias, disse que instituir medidas de distanciamento social será a parte fácil. As dificuldades virão de policiar isso. “O que fazemos quando alguém não respeita o distanciamento social? Me parece que o que é uma conduta aceitável precisa ser redefinido”, disse Segal, que acredita que desobedecer as novas regras “deve resultar em desqualificação para o trabalho”.

Inevitavelmente, alguns empregados vão se desqualificar. Mas incentivos para evitar um surto estão claros: quando uma instalação de processamento de carne de porco em Smithfield em Dakota do Sul não conseguiu controlar um surto de COVID-19, isso fez centenas de funcionários ficarem doentes e a fábrica teve que fechar, o que prejudicou a reputação da companhia e sua base de mão de obra. Para empregadores que competem pelos melhores talentos, não aderir a diretrizes do COVID-19 no escritório pode ter riscos adicionais. Segal disse que os maiores talentos podem fugir para um competidor, e funcionários assustados podem se mostrar menos produtivos.

E mesmo se um empregador fazer tudo direito, um surto de COVID-19 no escritório continuará sendo uma possibilidade. Considerando o que será necessário para trazer todo mundo de volta para o escritório – com máscaras, escritórios mais vazios, a incerteza e a ansiedade geral – talvez a questão não seja quando os trabalhadores remotos voltaram para o trabalho, mas quando eles terão que voltar a trabalhar de casa.

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