O Equador mergulha numa profunda crise política

Ameaçado de impeachment por favorecer empresa petroleira, presidente evoca medida constitucional de “morte cruzada” para dissolver Parlamento e forçar novas eleições gerais. Com país em colapso, governará por decreto nos próximos seis meses

Presidente equatoriano Guillermo Lasso fala na tribuna do Congresso na terça-feira (16). Foto: Bolívar Parra / Presidência do Equador
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No Giro Latino

Após muita ameaça, aconteceu: nas primeiras horas da manhã desta quarta-feira (17) em Quito, o presidente equatoriano Guillermo Lasso anunciou ao país que decretou “morte cruzada”, dissolvendo o Congresso do país enquanto os legisladores ainda discutiam o impeachment do mandatário. O dispositivo, previsto pela Constituição de 2008, pode ser usado pelo presidente uma vez nos primeiros três anos de mandato como resposta a algumas situações. No caso, Lasso entendeu que o país estava imerso em “grave crise política”, uma das causas que permitem usar o mecanismo sem sequer passar pelo aval do Supremo. 

Agora, o Equador deve convocar novas eleições para renovar os postos no Congresso e a própria Presidência – mas, até lá, Lasso terá até seis meses para governar via decreto sem qualquer contrapeso parlamentar. De fato, Lasso já começou a se valer da prerrogativa, que é aplicável a casos de “urgência econômica”: pouco após anunciar a morte cruzada, decretou uma reforma tributária para ampliar isenções de imposto de renda, uma medida voltada a recuperar parte da popularidade do Executivo e que, segundo o governo, impacta 460 mil famílias.

Os novos eleitos passarão a ocupar mandatos-tampão pelo tempo que restava antes de os cargos ficarem vagos, ou seja, terão apenas até maio de 2025 para permanecer em seus postos. Não há impedimento para os nomes implicados na morte cruzada tentarem se lançar nessa eleição extraordinária: tanto Lasso quanto os deputados agora derrubados podem se candidatar.

Presidente equatoriano Guillermo Lasso foi convocado ao ‘juicio político’ na terça-feira (16). Foto: Jonathan Miranda / Presidência do Equador

Incertezas marcaram a semana

A ameaça do juicio político contra Lasso já pairava desde março, mas o caldo entornou de vez nesta semana, após o Congresso dar início ao processo propriamente dito. Na terça (16), o presidente foi chamado a depor, e permanecia a incerteza sobre o desfecho da votação, que deveria acontecer sexta. As contagens feitas por partidos, analistas políticos e mesmo a imprensa equatoriana indicavam que esses votos ainda não haviam sido conquistados: ao todo, segundo um levantamento do jornal El Universo, haveria 90 apoios pela derrubada de Lasso. Ou seja, um número insuficiente, mas, ao mesmo tempo, próximo o bastante dos 92 necessários para que as coligações contrárias ao presidente mantivessem vivas as esperanças. Com uma margem tão estreita, acusações de compras de votos se tornaram frequentes por parte da oposição, que alega que o Executivo estaria conquistando abstenções com promessas de verbas e benefícios.

A dificuldade da oposição em chegar aos 92 votos tinha a ver com o fato de que alguns movimentos, embora contrários a Lasso, agora terão muito a perder vendo seus mandatos abreviados. É o caso do Pachakutik, partido vinculado à Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie): no pleito de 2021, puxada pelo entusiasmo em torno da campanha presidencial de Yaku Pérez, que quase avançou ao segundo turno (tirando o próprio Lasso), a sigla ligada aos povos originários fez a maior representação de sua história: sem nunca ter emplacado mais que nove eleitos ao mesmo tempo, daquela vez foram 27. Não à toa, a entidade indígena já cobrou várias vezes a renúncia de Lasso, mas era reticente com o impeachment. 

Dentro e fora da Conaie, há um entendimento geral de que o partido teria poucas chances de repetir o desempenho neste momento – seria mais provável que os votos de oposição ao governo atual reforçassem as fileiras da União pela Esperança (UNES), a coalizão vinculada ao ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), que também era a principal entusiasta do juicio político ao lado do Partido Social Cristão (PSC).

Lasso sempre ameaçou o Congresso com a morte cruzada e, horas antes de o presidente depor na terça-feira, membros do alto escalão do governo voltaram a falar abertamente sobre a hipótese de invocá-lo. O Executivo tinha ainda duas alternativas para tentar barrar o processo sem decretar a “morte” dos mandatos dos legisladores e o seu próprio: interromper judicialmente, exigindo que a Corte Constitucional julgasse um recurso antes da votação ocorrer (o que poderia adiar ou encerrar os trâmites do impeachment), ou contar com a difícil matemática de garantir que a margem de 92 votos não fosse alcançada. Mas, com os números perigosamente chegando a 90, a margem de manobra se reduziu. No fim, valendo-se da Constituição e do fato de que não há qualquer proibição a invocar a morte cruzada mesmo quando o presidente está na iminência de ser afastado, Lasso não pagou para ver e optou pela via mais radical.

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