Nossas vidas em seus portfólios

Livro examina o papel das gestoras de ativos, que agora comandam o capitalismo global. Elas possuem e dirigem as maiores corporações do Ocidente. Mas o que são? Como cresceram tanto? Quem as controla? E o que podem as sociedades contra elas?

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Por Thomas Klikauer e Thu Nguyen, no blog Economia e Complexidade | Tradução: Eleutério F. S. Prado

Desde a crise financeira global, os grandes bancos ficaram em segundo plano e os gestores de ativos se tornaram – tal como eles próprias costumam se autodenominar – os novos especialistas e administradores do capitalismo. Contudo, eles, como um todo, também possuem ativos globais de habitação e infraestrutura além dos ativos propriamente financeiros.

Eles costumam priorizar os lucros imediatos em detrimento de quaisquer outras considerações, tais como comunidade, localidade, condição de vida dos trabalhadores e meio ambiente. Este é o tema do novo livro de Brett Christophers, Our Lives in Their Portfolios: Why Asset Managers Own the World, que discute tais gestores de ativos globais, o domínio e o impacto que eles exercem na sociedade.

O notável livro de Christopher é uma contribuição exemplar por vários motivos. Ele distingue de forma inovadora entre o que o autor chama de “sociedade de gestão de ativos” e o capitalismo neoliberal tal como o conhecemos. De acordo com Christophers, os gestores de ativos confundem as fronteiras entre finanças, sociedade e capitalismo.

Para entender completamente seus papéis em uma sociedade capitalista, o contexto macroeconômico em que operam precisa ser colocado no centro de qualquer discussão. Inevitavelmente, isso levanta a questão de saber se o poder dos gestores de ativos sobre recursos financeiros substanciais pode ser desafiado por políticas que, em última análise, podem levar a investimentos mais humanos e ecologicamente corretos.

Os dois primeiros capítulos oferecem uma história financeira que vai muito além da exposição das condições macroeconômicas pós-2008 da crise financeira global. No entanto, Christophers não se esquiva de fazer uma forte crítica a essa nova “sociedade de gestores de ativos”, que agora se tornou aparentemente dominante. Isso inclui os elementos centrais do setor econômico que se incumbiu da gestão de ativos, nomeadamente os fundos de investimento, os quais se tornaram fundamentais para essa atividade gestora. Como se sabe, vive-se hoje numa sociedade saturada de […] dívidas”.

Christophers descreve bem as implicações políticas da dívida e as complexas relações que sustentam o funcionamento dos gestores de ativos dentro dessa estrutura social. Salienta que “muitos usuários estão agora vivendo em apartamentos de propriedade de uma empresa tal como a Avalonbay Communities […]; eles não sabem, mas os gestores de ativos podem, em conjunto, deter 40, 50 por cento, [ou mesmo mais], das ações da Avalonbay”. Não é o fundo de investimento em si que detém a propriedade. Pelo contrário, ele «toma dinheiro emprestado e, subsequentemente, assume a dívida».

Apropriadamente, o autor critica o domínio da dívida que ocorre na sociedade gestora de ativos e discute como ela se entrelaça com as promessas feitas em nome de várias partes interessadas. Christophers examina o crescimento considerável da sociedade de gestores de ativos após a crise financeira global. Ele analisa questões sociais mais amplas e as instituições de investimento que atuam em todo o mundo de nações ricas, principalmente os EUA, Canadá, Europa e Austrália.

Christophers mostra o amplo alcance e impacto de empresas como Blackstone, Brookfield e Macquarie no mercado imobiliário, bem como a falta de transparência e visibilidade pública em torno de infraestrutura dominada pelos fundos imobiliários. Em sua crítica, aponta que “desde o seu surgimento, a sociedade gestora de ativos tem atuado de maneira controversa” e «o mundo da gestão de ativos está envolto por segredos”. No entanto, “[em] meados de 2019, [uma] dessas empresas comunicou que possuía mais de 300 000 unidades residenciais em todo o mundo”. Ele argumenta, ademais, que descobrir “quem, em última análise, ganha dinheiro desse modo, e em que proporções exatas – é certamente tanto um problema político quanto empírico”.

Isso oferece novos insights e atualizações significativas para a narrativa comum do neoliberalismo. Christophers distingue entre sociedade de gestão de ativos e capitalismo de gestão de ativos. O livro contém uma investigação perspicaz dos gestores de ativos e, ao mesmo tempo, revela as estruturas ocultas que moldam o setor.

O capítulo seguinte faz um trabalho admirável ao abordar os desafios e as complexidades associados ao envolvimento dos gestores de ativos na gestão de infraestruturas essenciais, o que se traduz em  “custos incorridos pelos residentes e pelo Estado nas cidades de Bayonne e Missoula (EUA)  devido aos seus sistemas de abastecimento de água […] que vão desde o investimento “reduzido” ao aumento das taxas de utilização e ao aumento do risco – são os custos associados à sociedade gestora de ativos em geral”.

Christophers engenhosamente usa as noções de utopia e distopia para refletir sobre a vida em tal sociedade. Mostra que a verdadeira sociedade gestora de ativos existente está longe dos ideais propagados pelos apóstolos dos negócios e do capitalismo. Como o capitalismo e o neoliberalismo, a sociedade gestora de ativos também cria estruturas opressivas, produtoras de desigualdade global, as quais afetam seriamente os direitos individuais.

Ele enfatiza que “[uma] empresa de gestão para aqueles que vivem em seus domínios […] como os inquilinos da Summer House na ilha de Alameda, […] afigura-se como uma distopia”. Particularmente, “um proprietário-operador desse tipo trata a habitação ou a infraestrutura como um ativo financeiro, como se fosse um ativo líquido”. Com efeito, “a gestão de ativos reais caracteriza-se por uma rotatividade intensa, [uma vez que os gestores] compram ativos residenciais ou de infraestruturas […] apenas para os colocar no portfólio e para vendê-los apenas alguns anos mais tarde – muitas vezes a outros gestores de ativos”.

Ele critica os gestores de fundos fechados e os operadores, os quais costumam ser glorificados por “fazer o seu trabalho” com base nas “regras de ouro da sociedade de gestores de ativos”: eles priorizam a operação sobre todo o resto e maximizam os lucros acima de tudo.

Isso leva Christophers à pergunta inevitável: quem ganha com tudo isso? Quando os líderes do G7 introduziram um programa chamado “Build Back Better World” (255), eles prometeram usar o investimento do setor privado em infraestrutura nos países mais pobres para atender às necessidades globais e combater a influência da China. Esses gestores de ativos, no entanto, se concentram apenas na geração de retornos para os investidores.

As falsas promessas do G7 e a realidade por trás delas levam a uma distribuição de riqueza ainda mais desigual. Christophers descreve isso da seguinte maneira: “os gerentes são obstinados […] para ganhar dinheiro para aqueles cujo capital eles gerenciam”. Por isso mesmo, o universo dos trabalhadores, tais como professores, enfermeiros e bombeiros segurados, “não obtém economias significativas para a aposentadoria”. Devastadoramente, em vez de tornar o mundo melhor como prometido, eles se concentram em “compartilhar os despojos”.

Isso levanta preocupações sobre equidade, acesso ao capital e beneficiários financeiros. Em outras palavras, quando os gestores de ativos investem cada vez mais fundos de outras pessoas em infraestrutura social, as disparidades crescentes da desigualdade baseada em ativos e da estratificação social tornam-se preocupações políticas proeminentes (Adkins et al. 2020). Consequentemente, Christophers apresenta um outro cenário para explorar um conjunto diferente de circunstâncias relacionadas aos temas de gestão de ativos, investimento em infraestrutura e dinâmica econômica.

O capítulo final – denominado de O Futuro – é um lembrete do caráter imprevisível de uma sociedade de gestores de ativos. Usando o recurso da aliteração, “problemas, problemas” ou “crise após crise”, Christophers enfatiza a importância de abordar as contradições para tornar visíveis as promessas e realidades do desenvolvimento socioeconômico e da sustentabilidade.

Ele argumenta que, se a pandemia de Covid-19 ou qualquer pandemia futura se tornasse endêmica, isso sinalizaria uma mudança em que uma crise não se configura mais como uma mera crise, mas se torna sempre presente. Esse modo de ver reformula a noção de crise como um elemento persistente, destacando a necessidade de adaptabilidade e resiliência para navegar pelas incertezas contínuas.

Consequentemente, Christophers sugere que há “uma era de crise profunda tanto na provisão de abrigo quanto na manutenção de um ambiente geofísico habitável” em todo o mundo. Por fim, o autor também se envolve com a questão: como o retorno da inflação influencia a sociedade gestora de recursos?

Praticamente tudo isto inclui “a distribuição dos ganhos financeiros na sociedade de gestão de ativos”, onde «as infraestruturas essenciais serão cada vez mais mantidas em mãos privadas”. Especificamente, “no ano de 2020, o montante gerido pelo setor mundial da gestão de ativos ultrapassou pela primeira vez os 100 trilhões de dólares”.

Isso enfatiza o poder financeiro significativo dos gestores de ativos. Eis que os posiciona como importantes players no cenário financeiro global. Em suma, o livro de Christophers descreve que tipo de sociedade de gestores de ativos provavelmente surgirá e quais ações serão tomadas para chegar lá.

Em conclusão, o livro é muito perspicaz, mas também deixa algumas perguntas ainda sem resposta. Se os trabalhadores e suas carteiras de pensão – uma vez investidos em ativos de infraestrutura e habitação – podem “retomar o controle” (Gibson-Graham et al. 2013) de seus investimentos em fundos de pensão e mútuos para fins que se afiguram como mais éticos.

Em termos gerais, na esteira de um poder cada vez maior de corporações monopolistas, as tendências contemporâneas promovem uma trajetória em direção a uma sociedade de gestão de ativos. Cada vez mais, isso moldará nossas vidas. No final, Our Lives in Their Portfolios, de Christophers, exige pensamento estratégico e preparação para combater um cenário econômico e político definido por gestores de ativos e seus investimentos substanciais em infraestrutura.

Referências

Lisa Adkins, Melinda Cooper, Martijn Konings 2020 The Asset economy (Cambridge: Polity).

J.K. Gibson-Graham, Jenny Cameron and Stephen Healy 2013 Take Back the Economy: An Ethical Guide for Transforming Our Communities (Minneapolis: University of Minnesota Press).

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