Hora de examinar a fundo a terceirização

Uma das principais estudiosas do fenômeno no Brasil explica: como ele surge, no início do capitalismo, é inibido pelo fordismo e retorna na era neoliberal. Que formas assume no país. Por que atinge tanto o serviço público. Como enfrentá-lo

.

Graça Druck, entrevistada por Viviane Tavares, na EPSJV/Fiocruz

Em meio à pandemia, a precarização do trabalho é um dos assuntos que, depois da saúde, mais impactam e preocupam o país. Nesta entrevista, a professora titular do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (FFCH/UFBA) Graça Druck apresenta como historicamente a terceirização vem sendo desenhada no mundo e no Brasil e analisa como isso afeta o direito do trabalho e a organização dos trabalhadores. Desde a pandemia, o cenário de demissões e de flexibilizações de direitos tem se intensificado. E segundo Graça, exatamente os trabalhadores de serviços essenciais, aqueles que não podem parar, são os que ocupam o maior número de contratos de terceirização. Para a pesquisadora, esses são resultados de um modelo que atende à agenda neoliberal e que, no Brasil, foi intensificado com a aprovação das leis nº 13.429 e nº 13.467, ambas em 2017, que, segundo ela, liberam a terceirização sem limite, retiram direitos trabalhistas e impedem a organização das diferentes categorias, tornando cada vez mais heterogênea a identidade dos trabalhadores. Graça explica, nesta entrevista, que esse é um fenômeno global, mas alerta que países periféricos e classes mais pobres são as que mais sofrem com os impactos.

No enfrentamento da pandemia, já podemos ver os impactos da terceirização?

A pandemia desnudou e aprofundou a precarização do trabalho já existente no Brasil em todas as suas dimensões: nos indicadores do mercado de trabalho, com as altas taxas de desemprego, o alto nível de informalidade, a crescente taxa de subutilização da força de trabalho e os baixos rendimentos; no âmbito do processo de trabalho, as longas jornadas, a intensificação do trabalho, o desrespeito às normas de saúde e segurança do trabalhador, o assédio moral; no campo da saúde do trabalhador, os altos índices de acidentes e adoecimento; e no âmbito do direito do trabalho, uma nova legislação que desobriga as empresas e o Estado com a proteção do trabalhador, dificulta o acesso à Justiça do Trabalho e retira poder dos sindicatos. Os dados revelados pelo IBGE, através da PNAD-Covid, vêm indicando a tragédia que se abateu sobre o trabalho no Brasil. Em maio, 18,5 milhões de brasileiros năo trabalharam e não procuraram ocupação devido à pandemia; 19 milhões de pessoas foram afastadas do trabalho e 30 milhões tiveram alguma redução no rendimento do trabalho. As perdas de rendimento foram maiores entre os ocupados dos serviços, do comércio e da construção e entre os trabalhadores informais. As perdas de rendimento foram expressivas também entre os ocupados em serviços essenciais na pandemia, como os entregadores e os trabalhadores da saúde e da limpeza. Embora não se tenha estatísticas oficiais sobre terceirizados no país, pesquisas mostram que eles estão em sua imensa maioria na área de serviços. E, portanto, fazem parte dos setores mais atingidos pela pandemia. Inúmeros estudos qualitativos indicam que, diante de qualquer crise econômica, os primeiros a serem penalizados são os mais vulneráveis e, dentre esses, estão os terceirizados. No caso dos serviços públicos, por exemplo, cada corte de recursos do governo implica a redução das despesas de custeio, o que tem levado à demissão de terceirizados.

Entre os trabalhadores que permaneceram trabalhando em atividades consideradas essenciais na pandemia, uma grande parte é de terceirizados. São enfermeiros, técnicos em enfermagem e médicos nos hospitais e UPAs [Unidades de Pronto Atendimento]; nos serviços de limpeza, recepção e segurança nas universidades, escolas, bancos, hospitais e outros. Uma gama de serviços que não pode parar, cujos trabalhadores estão expostos à contaminação diariamente, sem proteção suficiente, já que muitas das empresas que os contratam não oferecem condições seguras de trabalho. Muitos já foram contaminados, parte sobreviveu, outros morreram, ou estão adoecidos pelas jornadas excessivas e pela tensão permanente.

Historicamente, como a terceirização vem se desenhando no mundo? A partir de que marco ela surge e para dar respostas a que demandas?

A subcontratação ou terceirização existe desde os primórdios do capitalismo, com a contratação dos artesãos por mercadores já no século 16 e, posteriormente, na Revolução Industrial, com o putting-out-system. Já naquela época era uma forma de subordinação de trabalhadores independentes ao modo capitalista de produção. Com o desenvolvimento do capitalismo, as transformações da organização e gestão do trabalho foram redefinindo o lugar da terceirização, que passa a ter centralidade através da difusão do toyotismo. É no marco da reestruturação produtiva, da globalização econômica e financeira e da implantação de políticas neoliberais nos anos 1970 que a terceirização se torna um novo fenômeno central na “acumulação flexível”. Num quadro em que a economia está comandada pela lógica financeira sustentada no curtíssimo prazo, as empresas buscam garantir seus altos lucros, exigindo e transferindo aos trabalhadores a pressão pela maximização do tempo, pelas altas taxas de produtividade, pela redução dos custos com o trabalho e pela volatilidade nas formas de inserção e de contratos. A terceirização ou subcontratação é uma estratégia de controle e disciplinamento dos trabalhadores por parte do capital, que os divide, os fragmenta, tornando-os mais heterogêneos, facilitando assim as condições para impor uma maior exploração, através da redução de custos, via diminuição da remuneração do trabalho, inclusive dos direitos sociais e trabalhistas.   

Para além das denominações usadas em cada país e sua definição formal, é um fenômeno mundial, que se generalizou para todas as atividades e tipos de trabalho na indústria, no comércio, nos serviços, no setor público e privado. Embora tenha diferentes modalidades e diversas formas de regulação e legislação, expressa, centralmente, as condições objetivas e subjetivas que sintetizam as relações de forças em cada sociedade.

Como a terceirização tomou forma especificamente no Brasil? E como isso tem se desenhado nas últimas décadas?

No Brasil, a terceirização surge no século 19, na substituição do trabalho escravo pelo trabalho dos migrantes pobres europeus, através de empresas agenciadoras de mão de obra estrangeira subcontratadas pelo governo para as grandes plantações. As condições de exploração do trabalho desses migrantes, subordinados aos grandes proprietários de terra, imobilizados nas fazendas, levou ao que se chamou de “escravidão branca”. Posteriormente, se manteve na área rural, através do sistema de “gato”, presente na agricultura até os dias atuais. Foi também uma forma de contratação utilizada desde os primórdios da industrialização nas áreas urbanas, ainda que de forma secundária.

É nos anos 1990, com a reestruturação produtiva e as políticas neoliberais, que a terceirização se torna central nas novas formas de gestão e organização do trabalho, inspiradas no toyotismo. Nos anos 2000, ocorreu uma verdadeira epidemia da terceirização nos setores público e privado. E, apesar dos limites definidos pelo enunciado 331 [súmula do Tribunal Superior do Trabalho que limita os tipos de contratação], que interditava a terceirização na atividade-fim, aos poucos ela foi atingindo áreas nucleares das empresas e proliferou no serviço público. Várias são as modalidades de terceirização: empresas prestadoras de serviços, cooperativas, ONGs e as “empresas do eu sozinho”, isto é, a “pejotização”, fenômeno que leva as grandes empresas a se desobrigarem de encargos sociais e direitos trabalhistas, à medida que os trabalhadores registram uma empresa em seu nome e, consequentemente, perdem todos os direitos garantidos pelas leis do trabalho. No serviço público, existem também várias formas de terceirização: cooperativas, ONGs, organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) e as organizações sociais (OSs), que são as mais utilizadas na saúde pública, assumindo a gestão dos hospitais, onde há uma cadeia de subcontratação, favorecendo um ambiente promíscuo entre o privado e o público.

A terceirização sempre foi ligada à precarização do trabalho?

Nos últimos 25 anos, as pesquisas sobre terceirização no Brasil e em outras regiões do mundo, atestam que os trabalhadores terceirizados săo muito mais precários que os demais. É notória a desigualdade em todos os indicadores: os terceirizados recebem menos, trabalham mais, têm menos direitos e benefícios, são mais instáveis, se acidentam e morrem mais e estão crescendo mais do que os demais trabalhadores. E, para completar esse quadro, decorrente desse grau de precariedade, têm maiores dificuldades de organização sindical.

A precarização social do trabalho é um processo mais geral que passou a ser central na dinâmica do capitalismo flexível. Eu a compreendo como um processo econômico, social e político que se tornou hegemônico e central na atual dinâmica do novo padrão de desenvolvimento capitalista – a acumulação flexível –, no contexto de mundialização do capital e das políticas de cunho neoliberal. Trata-se de uma estratégia patronal, em geral apoiada pelo Estado e seus governos, que tem sido implementada em todo o mundo, cujos resultados se diferenciam por conta da história passada de cada país, refletindo os níveis de democracia e de conquistas dos trabalhadores, mas que, na história presente, se impõe como regra e como estratégia de dominação, assumindo um caráter cada vez mais internacionalizado. Eu me associo à perspectiva defendida por [Pierre] Bourdieu [sociólogo francês] que considera a precarização como um regime político inscrito num modo de dominação de tipo novo, fundado na instituição de uma situação generalizada e permanente de insegurança, visando obrigar os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração. A terceirização está presente em todas as diferentes dimensões da precarização do trabalho como, por exemplo, nas formas de mercantilização da força de trabalho, que produziu um mercado de trabalho heterogêneo, segmentado, marcado por uma vulnerabilidade estrutural e com formas de inserção, os chamados contratos precários, sem proteção social e altas taxas de rotatividade; nos padrões de gestão e organização do trabalho – que tem levado a condições extremamente precárias, através da intensificação do trabalho com imposição de metas inalcançáveis, extensão da jornada de trabalho, polivalência, etc, sustentados na gestão pelo medo, na discriminação e nas formas de abuso de poder através do assédio moral; nas condições de insegurança e saúde no trabalho – resultado dos padrões de gestão, que desrespeitam o necessário treinamento, as informações sobre riscos, medidas preventivas coletivas, etc.; na busca incessante de redução de custos, mesmo que às custas de vidas humanas, levando a altos índices de acidentes de trabalho, adoecimento e mortes; no isolamento, na perda de enraizamento, de vínculos, de inserção, resultantes da descartabilidade, da desvalorização e da discriminação, condições que afetam decisivamente a solidariedade de classe, solapando-a pela brutal concorrência que se desencadeia entre os próprios trabalhadores, dificultando a sua identidade de classe; no enfraquecimento da organização sindical e das formas de luta e representação dos trabalhadores, decorrentes da violenta concorrência entre os mesmos, da sua heterogeneidade e divisão, implicando uma pulverização dos sindicatos; na negação do direito do trabalho, impulsionada pelo comportamento patronal, que questiona a sua tradição e existência, expressa na Reforma Trabalhista de 2017, que liberou a terceirização sem limites, além de outras mudanças na CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas] que esvaziaram seu conteúdo protetivo.

Há diferença das terceirizações dos países ricos e pobres?

Há algumas diferenças locais, fruto da história passada de cada país em termos de conquistas democráticas e de direitos dos trabalhadores e de suas lutas. Num estudo que realizei, comparando França e Brasil para a primeira década dos anos 2000, isso se evidenciava pela capacidade organizativa dos trabalhadores que conseguiam colocar determinados limites à terceirização, através de legislação própria, assim como da organização por local de trabalho, que acompanhava de perto as condições do trabalho terceirizado. Mais recentemente, com o recrudescimento das políticas neoliberais, expresso nas reformas trabalhistas que se desenvolveram em todo o mundo, inclusive na França, por exemplo, essas condições são cada vez mais anuladas.

No plano da lógica da acumulação flexível e da centralidade da precarização do trabalho como fenômeno global, conforme já referido na questão anterior, os objetivos com a terceirização e o lugar que ocupa nos padrões de gestão e organização da força de trabalho são os mesmos em qualquer país.

A terceirização se intensifica e responde às chamadas políticas neoliberais?

A terceirização, conforme já referido, é uma forma de gestão e organização do trabalho que assumiu centralidade em todas as atividades de trabalho no contexto das reestruturações produtivas e da hegemonia neoliberal em nível mundial. Ela atende de forma exemplar ŕ racionalidade neoliberal, na qual o capital desenvolve ao máximo a mercantilização da força de trabalho, no intuito de uma exploração do trabalho sem limites e, portanto, livre da regulação do Estado. É uma das principais formas de flexibilização e precarização do trabalho, pois o uso da terceirização pelas empresas ou instituições tem como um dos primordiais objetivos se desvencilhar dos custos trabalhistas e da subordinação ao direito do trabalho, através dessa triangulação. As empresas prestadoras de serviços, por exemplo, são contratadas através de uma relação comercial com a contratante, que se desobriga dos direitos. A contratada, comprimida pela pressão dos custos e prazos, aumenta o grau de exploração dos trabalhadores e cria uma “cultura” de negação e desrespeito aos direitos do trabalho, buscando anular a função protetiva do Estado. Além disso, a terceirização promove uma enorme desigualdade e concorrência entre os próprios trabalhadores, que com a pulverização sindical, ficam desarmados frente aos desmandos das empresas. E esse é um dos principais objetivos da racionalidade neoliberal dos tempos atuais.

No Brasil, alguns setores sempre puderam ser terceirizados enquanto outros não. Por que essa permissão para esses grupos?

Na realidade, até 2017, não havia no Brasil uma lei da terceirização. Algumas regulamentações foram definidas nos anos 1960 e 1970, pela ditadura militar, relativas à terceirização no serviço público. Nos anos 1990, a reforma do Estado realizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso contribuiu decisivamente para ampliar a terceirização e, para o setor privado, se definiram jurisprudências pelo Tribunal Superior do Trabalho, como o enunciado 331, que permitia a terceirização nas chamadas atividades-meio e interditava na atividade-fim das empresas. Tal enunciado gerou muita polêmica, inclusive na definição do que era meio e fim, o que era considerado atividade acessória e atividade nuclear. Entretanto foi esse enunciado que vigorou por muitos anos. A pressão das instituições patronais sempre foi pela total liberalização da terceirização. Em 2015, houve uma mobilização importante que conseguiu barrar o Projeto de Lei 4.330, que derrubava qualquer limite à terceirização. Mas numa situação de fragilização do movimento sindical, e de retomada da pauta neoliberal no país, com o impeachment da presidente [Dilma Rousseff], o patronato conseguiu aprovar duas leis, em 2017, a Lei da Terceirização (13.429) e a Lei da Reforma Trabalhista (Lei 13.467), que liberaram a terceirização sem qualquer limite. Portanto, hoje não há mais qualquer restrição para terceirizar. 

A terceirização em setores como saúde e educação, que requerem políticas de Estado, podem impactar a estruturação e implementação de políticas mais duradouras?

Nos últimos anos, venho estudando a terceirização no serviço público. Nos anos 2000, foi quando mais cresceu a terceirização em termos proporcionais. Principalmente na área de saúde, através da utilização de Organizações Sociais [OS], criadas em 1998, no bojo da reforma do Estado. É na gestão de hospitais onde foram mais aplicadas. Essas organizações têm a liberdade de contratar trabalhadores em qualquer modalidade, até mesmo sem contratos ou com contratos temporários. Nas universidades, as empresas intermediadoras de força de trabalho, chamadas de “prestadoras de serviços”, monopolizam os serviços de limpeza, vigilância, portaria, manutenção e até mesmo atividades administrativas. Constata-se um processo de substituição do servidor público estatutário por empregados de empresas ou instituições intermediadoras, cuja prática tem sido a de desrespeito à legislação do trabalho e de oferecer um padrão salarial mínimo. Nas universidades públicas, há um alto grau de rotatividade das empresas. Uma instabilidade permanente dos empregados terceirizados, que vivem frequentemente com atrasos de salários, sem férias regulares, sem depósito de FGTS, dentre outros direitos elementares não cumpridos. Nessa condição de precariedade, se compromete o funcionamento das instituições públicas e de suas políticas. Isso tem sido demonstrado recentemente pela crise da saúde pública em plena pandemia do coronavírus.   

A terceirização é sentida diferentemente por setores das sociedades? Como ficam, por exemplo, as mulheres e as classes mais pobres?

A terceirização atinge de forma diferenciada diferentes segmentos de trabalhadores. Há uma certa hierarquia da precarização e também da terceirização. Enquanto um fenômeno que se generalizou nas últimas décadas, pode-se dizer que a grande maioria dos trabalhadores terceirizados e mais precarizados está nas atividades menos qualificadas e que recebem menos e, portanto, os mais pobres. No que diz respeito ŕs diferenças de gênero e raça, a terceirização acompanha em geral as desigualdades do mercado de trabalho brasileiro, cujos indicadores mostram uma maior precarização para as mulheres e para os negros e negras. Na pesquisa que realizamos sobre terceirização na Universidade Federal da Bahia, [identificamos que] as mulheres constituem a imensa maioria do segmento de limpeza, por exemplo, e que são o maior contingente de trabalhadores terceirizados na Universidade, as que recebem os mais baixos salários e sofrem uma maior discriminação na instituição.

O modelo sindical no Brasil está organizado para proteger os trabalhadores terceirizados? Isso impacta a organização desses trabalhadores e a defesa de seus direitos?

O modelo sindical brasileiro é problemático para o conjunto dos trabalhadores. No caso do terceirizados, é pior ainda, pois há a pulverização dos sindicatos. Esse é um dos objetivos da terceirização: à medida que dispersa, divide, fragmenta os trabalhadores e cria até mesmo uma concorrência entre os mesmos e os seus sindicatos, enfraquecendo seu poder de organização e de luta. Na pesquisa realizada na UFBA, os trabalhadores terceirizados têm vários sindicatos e, ao mesmo tempo, não têm nenhum. Explicando melhor: cada segmento – limpeza, vigilância, portaria, manutenção, por exemplo – tem o seu sindicato, mas cada um desses sindicatos representa toda a categoria do estado da Bahia e não só os que trabalham na Universidade. Assim, há a dispersão da representação sindical para um conjunto de trabalhadores que trabalham no mesmo local e ninguém os representa enquanto terceirizados da UFBA. Enquanto que a relação com os demais funcionários da Universidade e seus sindicatos é inexistente. Por isso, apesar de existirem cinco sindicatos de trabalhadores terceirizados, eles, em geral, não contam com nenhum.

É possível resistir à terceirização? Quais são as alternativas de enfrentamento?

É possível ter resistências, mas não é fácil enfrentar a terceirização no sentido de impedi-la. É um fenômeno que é parte do padrão predatório de gestão da força de trabalho no Brasil. Durante muitos anos, as lutas e movimentos dos trabalhadores impediram a legalização da terceirização, isto é, a aprovação de legislação que a liberasse totalmente, o que só foi possível após a derrota política do golpe de 2016. Mesmo com a reforma trabalhista que impôs a precarização como regra, há redes de contrapoderes que têm atuado em vários níveis: nos movimentos grevistas de trabalhadores terceirizados que cresceu muito nos últimos anos; na incorporação da representação dos terceirizados por sindicatos da categoria profissional predominante; na atuação das fiscalizações dos auditores do trabalho, a exemplo do resgate de trabalhadores em condições análogas ao trabalho escravo, em sua maioria terceirizados, revelando para a sociedade o grau de precarização do trabalho; nas decisões de juízes do trabalho que têm penalizado as empresas e determinado o respeito ŕ legislação trabalhista. A constituição de redes horizontalizadas de denúncia e lutas, como foi o caso do Fórum Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, que reuniu juízes, procuradores, auditores, pesquisadores, sindicalistas, parlamentares, e suas entidades de representação, formado em 2011, é um forte exemplo das possibilidades de enfrentamento, pois a atuação desse fórum foi fundamental para retardar a aprovação de legislação que liberou a terceirização.

A terceirização pode ser considerada a principal forma de precarização do trabalho?

Até bem pouco tempo atrás era a principal forma de precarização do trabalho. Ela foi suplantada pela economia das plataformas digitais ou uberização, que redefiniu as relações de trabalho com o uso das tecnologias de informação. O uso de aplicativos se disseminou para inúmeras atividades profissionais, com destaque para os que trabalham como entregadores e motoristas que, durante a pandemia, foram considerados como atividades essenciais. A natureza principal dessa forma de trabalho é a negação da condição de assalariado dos trabalhadores, pois estabelece que esses são prestadores autônomos de serviços. Os aplicativos apenas intermediariam a relação entre esses autônomos e os clientes. Sob o fetiche da tecnologia, as empresas donas dos aplicativos querem esconder uma relação de trabalho e de produção. Por isso, não reconhecem qualquer vínculo empregatício com esses trabalhadores, situação muito similar ao recurso da terceirização através da pejotização, quando o trabalhador-empresa, como personalidade jurídica, perde a condição de empregado e, portanto, qualquer direito trabalhista. Embora sejam fenômenos distintos, a terceirização e a uberização têm em comum a brutal precarização do trabalho, mesmo que em graus diferentes. Se na terceirização, busca-se constantemente a burla ao direito do trabalho, através de suas diferentes modalidades, como forma de reduzir o seu custo, na uberização se decreta a morte do direito do trabalho, ao negar a condição de trabalhador e, desta forma, realizar o que o capital sempre perseguiu: nenhum limite à superexploração do trabalho. Entretanto, as greves e manifestações dos entregadores de aplicativos ocorridas nos últimos tempos são a prova da sua existência como trabalhadores, se constituindo numa força coletiva que busca por limites a essa exploração.

Leia Também: