Honduras, revolta popular e repressão

Contrarreformas na saúde e na educação levaram população indignada às ruas, onde sofre dura repressão. Autoritário e acusado de fraudar eleições, presidente Hernández sustenta-se com estratégico apoio dos EUA e dos militares

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Por Sandra Weiss, para a DW Brasil

A avalanche de protestos em Honduras começou em abril, com dois decretos sobre políticas para educação e saúde. Desde então, o país não encontra calma, e o presidente Juan Orlando Hernández está cada vez mais acuado. Segundo analistas, são ruins as perspectivas de estabilização do país centro-americano: “Não vemos nenhuma luz no fim do túnel”, escreve o colunista Juan Ramón Martínez em La Tribuna.

Há semanas, professores e médicos protestam contra os planos de reforma do governo, que preveem cortes drásticos em diversos setores. O escritor e democrata-cristão Martínez preocupa-se sobretudo com a insatisfação crescente na polícia.

Gerardo Martínez, da Associação Liberdade e Democracia, vê também um problema no estilo de governança de Hernández: autocrático e autoritário, ele impõe suas propostas sem qualquer consideração, e nem sempre de acordo com a legalidade e democracia.

No início de junho, a Conferência Episcopal de Honduras ecoou essa crítica: “Se cada conflito for gerido de modo tão ineficiente, as consequências só poderão precipitar Honduras numa crise dificilmente superável”, advertiram os sacerdotes, num comunicado inusitadamente rigoroso.

Os decretos que desencadearam as manifestações davam aos ministérios da Educação e da Saúde plena liberdade para “reestruturar” seus setores, o que os funcionários públicos interpretaram como carta branca para cortes brutais, demissões por motivos políticos e privatizações.

A esses protestos se uniram agricultores, taxistas e caminhoneiros, com suas respectivas reivindicações, assim como, poucos dias atrás, também parte da polícia, exigindo uniformes, dinheiro para combustível e dias de férias – coisas que, na verdade, já são direito deles.

Protesto contra o governo na Universidade Nacional Autônoma de Honduras, em Tegucigalpa

Protesto contra o governo na Universidade Nacional Autônoma de Honduras, em Tegucigalpa

As imagens de batalhas de rua, barricadas, policiais mascarados em revolta, até mesmo fogueiras diante da embaixada americana, se difundiram rapidamente. Hernández retirou os decretos e ofereceu diálogo aos grevistas. No entanto, as exigências de sua renúncia se tornaram cada vez mais veementes. A demanda parte igualmente do próprio partido do presidente, por exemplo de seu antecessor, Porfirio Lobo.

No entanto, as origens da crise vão muito mais longe. O opositor de Hernández é o popular esquerdista Manuel Zelaya, derrubado em 2009 por um golpe dos militares e dos políticos do Partido Nacional, e que desde então planeja vingança. Os meios conservadores veem em Zelaya um comunista e empregam todos os esforços para evitar seu retorno. “Essa é uma dicotomia em que o país está atolado desde então, como num pântano”, diz Martínez.

O fato de que, para esse fim, as leis e a Constituição do país estejam sendo distorcidas tampouco ajuda a tornar a situação mais estável. Em 2017 Hernández foi reeleito, mas, segundo observadores, houve irregularidades em torno tanto da votação quanto da apuração. Assim, pouco antes da eleição, o presidente também suspendeu a proibição de reeleição, postulada pela Constituição, a fim de poder se candidatar para mais um mandato. Consta que para obter a aprovação também foram comprados votos no Congresso.

Para o colunista Juan Ramón Martínez, a única garantia com que conta Hernández é o apoio tanto das Forças Armadas quanto do influente governo dos Estados Unidos. Na sexta-feira (21/06), o presidente saudou demonstrativamente os soldados da Marinha americana na base aérea de Palmerola, às portas da capital Tegucigalpa.

Os militares supostamente deverão ajudá-lo no combate às quadrilhas juvenis e ao narcotráfico. Cercado por seu pessoal de segurança e defesa, Hernández anunciou a mobilização das forças de segurança em todo o país, a fim de coibir o vandalismo e remover as barreiras de rua feitas por manifestantes.

“Enquanto os EUA e os militares estiverem por trás dele, não há mudança à vista”, crê o jornalista Noe Leyva. Para os americanos, o chefe de Estado hondurenho é um aliado fiel, embora seu próprio irmão esteja respondendo a processo nos EUA por tráfico de entorpecentes.

Juan Orlando Hernández dá plena liberdade aos militares e autoridades antidrogas americanos em seu país, e tampouco se opõe ao duro tratamento que os migrantes – muitos de Honduras – recebem nos EUA. Aos olhos de Washington, ele é um político não só confiável, mas também bem-sucedido, trilhando um curso neoliberal favorável à economia.

Em seu governo, a economia tem crescido, em média, 3,5% ao ano; ele reduziu o déficit orçamentário de 7,8% para 1,2% do PIB. Graças a significativos investimentos em segurança, quase reduziu pela metade a taxa de homicídios nos últimos seis anos, de 87 para cada 100 mil habitantes em 2011, para 44 em 2017.

Porém a população quase não se beneficia do crescimento econômico do país. Mais da metade dos hondurenhos não tem emprego fixo, cerca de 60% vive abaixo da linha da pobreza. Falando à DW, vendedores de rua queixaram-se do preço alto da eletricidade e da logística, assim como da extorsão pelos bandos de jovens.

Corrupção e impunidade são amplamente difundidas e minam as instituições. O Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag) denuncia um modelo de “crescimento empobrecedor”, e também a Conferência Episcopal de Honduras vê o país numa encruzilhada.

“Uma Constituição distorcida, instituições nada independentes, um Congresso como um teatro de chanchadas, políticos que voltam as costas ao povo. Basta”, condenam os bispos, em sua carta inusitadamente explícita.

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