COP 30: A reta final e tortuosa até Belém do Pará

A menos de 100 dias do evento, inflação nas hospedagens abre crise com países participantes. Organização brasileira inova ao ampliar as vozes no debate, mas Congresso desmoraliza agenda climática com PL da Devastação, e desperta desconfiança internacional

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Por Cristiane Prizibisczki, em O Eco

Faltam pouco menos de 100 dias para o início da 30ª Conferência do Clima da ONU (COP 30), e é em meio à crise de hospedagens e infraestrutura na cidade-sede do evento, Belém (PA), cabos-de-guerra internos na política ambiental e acirramento das tensões multilaterais no nível internacional que o Brasil alcança esta marca. Avanços foram feitos, mas muitos desafios ainda precisam ser superados nesta reta final para o maior evento climático mundial, avaliam especialistas.

Crise de hospedagem

No último dia de julho, o escritório climático das Nações Unidas convocou uma reunião urgente com a presidência da COP 30, a cargo do Brasil, devido às preocupações de que os altos preços de hospedagem e carência de leitos para a Conferência de novembro possam excluir países mais pobres das negociações.

Na ocasião, três grupos de países – África, América Latina e o das Nações Insulares – pediram que a COP não seja realizada em Belém se o problema não for resolvido. 

“Se os quartos não são adequados e em número suficiente, não podemos ter uma COP ali [em Belém]. E a questão, para nós, não é sobre quartos, mas sobre inclusão. Precisamos garantir a inclusão. E isso quer dizer mídia, sociedade civil, delegados, jovens”, disse, ao Valor Econômico, Richard Muyungi, presidente do grupo dos 54 países africanos e vice-presidente do Bureau da ONU Clima.

Problemas com alto custo de participação não são novidade nas Conferências do Clima. Um exemplo foi a Cúpula realizada em Glasgow, na Escócia, em 2021, que demandou desenvoltura e resiliência dos participantes, muitos hospedados fora do país. Mas o tema nunca foi tratado como problema central nos preparativos para as COPs.

Em nota divulgada após o encontro com a ONU, a presidência brasileira da convenção reiterou que está comprometida em viabilizar a participação de todos os estados-membros. Uma nova reunião está agendada para o próximo dia 14. 

“A Secretaria Extraordinária da COP 30 reitera seu compromisso com a realização de uma conferência climática ampla, inclusiva e acessível. O plano de acomodação está sendo implementado em fases, com prioridade, nesta etapa, para as delegações que participarão diretamente das negociações oficiais da COP 30”, disse o governo em nota publicada na última sexta-feira (1).

No âmbito interno, os problemas de acomodação não são os únicos que preocupam organizações brasileiras. 

“As dificuldades de acomodação existem, são uma preocupação à parte, mas existem outros problemas para a sociedade civil. São problemas de o governo não ajudar com a infraestrutura, de setores do governo, especificamente a Casa Civil, dizerem que não seria bom você ter uma participação muito ampla”, disse a ((o))eco o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. “O presidente Lula subiu a rampa com o povo, vai fazer uma festa e agora não quer que o povo vá para a festa?”, questiona.

Uma cidade inflacionada, com especulação imobiliária nas alturas, gargalos na infraestrutura e cenário político fragmentado entre setores do governo e do Congresso. Foto: Rafael Medelima / cop.audiovisual

Conflitos internos

Não bastassem os problemas na organização do evento, a menos de 100 dias da COP 30, o Brasil se mantém em meio a conflitos internos na agenda ambiental, como a insistência nos planos de ampliar a exploração de petróleo, o PL do Licenciamento e o avanço de obras ambientalmente degradantes, como o asfaltamento da BR-319.

Para os especialistas ouvidos por ((o))eco, é essencial que o Brasil resolva os problemas internos para que mantenha sua credibilidade como presidente da Conferência do Clima.

Segundo Márcio Astrini, o ideal era que o Brasil estivesse em “´águas calmas” internamente, para que fosse possível uma união em apoio à presidência da COP e para pressionar os outros países, em uma espécie de união nacional para o avanço da agenda do clima. O que se vê, no entanto, é o contrário.

“Essa briga interna faz com que a gente perca energia com as nossas coisas e não faça uma construção coletiva para fora”, diz.

Segundo Wendell Andrade, especialista em política climática para a Amazônia do Instituto Talanoa, o Parlamento brasileiro atual é uma grande fonte desses entraves. 

“Ele [Parlamento] tem elevado o nível de exigência e imposto problemas orçamentários, estruturais e até reputacionais ao Brasil, como no caso da aprovação do PL do Licenciamento. É difícil justificar isso no exterior. Mais difícil ainda é justificar para os financiadores de políticas climáticas e de boas práticas no Brasil por que, em pleno ano de COP, o país demonstra afrouxamento e desprezo pela institucionalidade construída”, disse.

A ministra do Meio Ambiente e Clima, Marina Silva, em uma sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado em que acabou insultada por parlamentares que defendem o PL da Devastação. Foto: Geraldo Magela / Agência Senado

Costuras finais

A 30ª Conferência do Clima começa dia 10 de novembro, em Belém, capital do Pará. 

Para Márcio Astrini e Wendell Andrade, o país conta com muitos acertos na pavimentação do caminho até o evento, como a própria escolha dos nomes do embaixador André Corrêa do Lago e de Ana Toni para encabeçar os trabalhos de condução do Brasil como anfitrião da COP 30, nomes com grande experiência na área e sem ingerências diretas de setores de influência.

Também somam na lista de conquistas a criação da Agenda de Ação, que possibilita a ampliação do debate para o segmento empresarial e dos cidadãos – e não somente aos Estados nacionais – e a ideia do Mutirão Global pelo Clima. 

Até o início da Cúpula do Clima de Belém, no entanto, o Brasil ainda terá que resolver não só os problemas elencados acima, mas também realizar a costura final para que o país entregue ao mundo o que vem prometendo como um “líder climático”.

“A Presidência parece estar fazendo o que está ao seu alcance. O maior desafio, de fato, é exercitar o capital de coordenação entre todos os atores envolvidos nessa grande colaboração proposta pelo mutirão. A gestão pública, em geral, conta com pouco capital de coordenação. Faltam pessoas com perfil estratégico e capacidade de movimentar engrenagens. E isso não é um desafio exclusivo da Presidência da COP. É um desafio do país como um todo”, diz o especialista do Instituto Talanoa.

Para Márcio Astrini, resolver os problemas internos é fundamental nesta reta final para a COP 30. “O veto ao Projeto de Lei de Licenciamento Ambiental é fundamental para que você não tenha um país que vai pedir mais ambição aos outros e dentro de casa vai diminuir sua capacidade de lidar com a crise do clima”, diz.

Além disso, para Astrini e Andrade, o Brasil precisa ter a coragem de colocar sobre a mesa temas fundamentais para o enfrentamento da crise climática, como o fim dos combustíveis fósseis.

“Não é algo que vai se dar da noite para o dia, a gente sabe disso, mas você precisa ter um plano de como fazer, a gente precisa transformar esse desejo em algo concreto e para isso, temos que ter os passos a serem dados: quem começa, quando começa, quando termina, quem faz primeiro etc. Nada disso está dado e eu acho que essa é a proposta que o Brasil tem que colocar em cima da mesa”, diz Márcio Astrini

“Esperamos que, nessa prova olímpica de 100 metros com barreiras em que essa contagem regressiva se transformou, o Brasil tenha pernas longas e vigor para não tropeçar em pedregulhos”, finaliza Wendell Andrade.

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