Clima: O papel crucial das universidades amazônicas

Presentes em mais de 180 cidades, muitas vezes elas são a única presença do Estado em regiões isoladas. Articulam Ciência, saberes ancestrais e justiça climática. Formam lideranças locais. Mas enfrentam grandes desafios lógicos. Em Carta de Porto Velho, reitores pedem mais financiamento

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Por Aldenize Ruela Xavier, Francisco Ribeiro da Costa, Gilmar Pereira da Silva, José Geraldo Ticianeli, Margarida de Aquino Cunha e Marilia Pimentel Cotinguiba, no The Conversation

A Amazônia ocupa um lugar central na regulação climática do planeta e guarda em seus territórios uma das maiores diversidades biológicas e socioculturais do mundo. E as Universidades Federais da Amazônia têm um papel estratégico e insubstituível na construção de soluções para a crise climática, para a defesa da biodiversidade e para a promoção da justiça social e ambiental.

Como centros de formação, pesquisa e extensão, essas instituições são parte ativa da resistência e da reinvenção de futuros sustentáveis. Com presença em mais de 180 municípios, as universidades federais da Amazônia formam uma ampla rede que representa a integração de mais de 13 mil docentes e 203 mil estudantes, distribuídos em 840 cursos de graduação e 323 programas de pós-graduação.

Essa capilaridade garante uma cobertura territorial ampla e estratégica, promovendo lideranças locais e levando educação, ciência, saúde e cidadania a áreas remotas. Muitas vezes, essas instituições são a única presença efetiva do Estado em regiões isoladas, atuando diretamente com comunidades tradicionais e contribuindo de forma concreta para melhorar as condições de vida das populações amazônicas.

Contribuições para o desenvolvimento

As universidades da Amazônia estão preparadas para contribuir com a formulação de políticas públicas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, para a promoção da justiça climática, da bioeconomia e de uma transição energética justa.

Exemplos concretos dessa contribuição incluem o desenvolvimento de sistemas de monitoramento da biodiversidade e do clima (como os PPBios e os INCTs), o monitoramento de metais pesados por meio de iniciativas como o Instituto IAMER, a articulação de redes interinstitucionais como o Centro Integrado da Sociobiodiversidade Amazônica (CISAM), ações de ciência cidadã e vigilância participativa, tecnologias sociais de manejo sustentável e experiências pioneiras de integração entre saberes tradicionais e ciência acadêmica.

As universidades da Amazônia são também fundamentais para a formação de lideranças locais e para a articulação com os saberes tradicionais dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. São essas instituições que realizam a ponte entre a ciência e a sociedade, entre o conhecimento acadêmico e as práticas comunitárias, promovendo soluções em rede para problemas complexos.

Qualquer ação voltada à sustentabilidade, à conservação ambiental ou à justiça climática na região precisa necessariamente incluir e fortalecer as universidades federais.

Financiamento diferenciado

É essencial compreender que trabalhar e formar pessoas na Amazônia exige recursos e planejamento diferenciados. Embora seja um território de beleza e diversidade incomparáveis, os desafios logísticos são significativos. Muitos campi não possuem acesso por estradas e só podem ser alcançados por via fluvial ou aérea, tornando o deslocamento de pessoas, equipamentos e insumos extremamente complexo e oneroso.

Promover qualidade de vida e desenvolvimento sustentável na Amazônia requer políticas públicas robustas e financiamento adequado. Não podemos alimentar a utopia de tratar as instituições amazônicas com os mesmos parâmetros das regiões mais acessíveis do país. Precisamos de diferenciais nas linhas de fomento, mais recursos e apoio contínuo para garantir que possamos continuar fazendo a diferença em nossos territórios e para o futuro do planeta.

Carta de Porto Velho

Reunidos na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), reitores da região Norte debateram os desafios e avanços na produção científica e no ensino na região, o financiamento institucional para a Amazônia e oportunidades de colaboração interinstitucional. ASCOM da UNIR

Reunidos na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), em junho de 2025, as reitoras e reitores das Universidades Federais da Região Norte atualizaram sua agenda política conjunta, reafirmando o compromisso coletivo com o desenvolvimento regional, a inclusão e a defesa dos povos da Amazônia.

A “Carta de Porto Velho” é um documento político e técnico que apresenta uma série de propostas urgentes e estruturantes para fortalecer o papel das universidades amazônidas frente à crise climática e às desigualdades históricas.

Entre os principais pontos apresentados na carta, destacam-se:

  • Orçamento e financiamento: inclusão de um custo-aluno diferenciado para a Amazônia e garantia de orçamento discricionário que atenda às necessidades reais da região.
  • Pessoal: criação urgente de cargos docentes e técnico-administrativos, distribuição equitativa de vagas e instituição de adicional de fronteira para servidores.
  • Infraestrutura: conclusão das obras do PAC, ampliação de campi, construção de hospitais universitários e restaurantes estudantis em todos os campi da Amazônia.
  • Conectividade e inovação: aceleração do Programa Norte Conectado e apoio a cursos estratégicos como Inteligência Artificial.
  • Pós-graduação, pesquisa e extensão: lançamento de editais específicos, formação de redes interinstitucionais e alocação de no mínimo 10% dos recursos dos editais nacionais para projetos coordenados por universidades amazônidas.
  • Internacionalização: editais exclusivos para a região, fortalecimento de parcerias com países do Sul Global e reconhecimento das universidades amazônidas como hubs de cooperação internacional.
  • Inclusão e ações afirmativas: fortalecimento de políticas de acesso e permanência para estudantes de comunidades tradicionais, fomento à diversidade epistêmica e cultural.
  • Saúde e assistência: financiamento permanente para serviços de saúde universitária e investimento em telemedicina.
  • Fundos constitucionais e desenvolvimento regional: acesso direto aos Fundos Constitucionais para fomento a projetos de pesquisa e inovação. Ciência, clima e Amazônia: reconhecimento das universidades como atores centrais na adaptação climática e apoio à criação de centros de síntese de dados e políticas baseadas em evidências.

Universidades e as discussões globais

Diante da COP 30, as Universidades da Amazônia reivindicam participação ativa nas discussões globais sobre o clima. Reivindicam, também, que sejam vistas não como coadjuvantes, mas como protagonistas do futuro. Os investimentos em educação superior, em ciência e tecnologia não podem mais ser vistos como custos, mas como condição essencial para a sustentabilidade planetária.

Grande parte do conhecimento científico produzido sobre a Amazônia é gerado por pesquisadores e pesquisadoras vinculados às universidades públicas da região. Essas instituições concentram massa crítica instalada, infraestrutura de pesquisa e vínculos sólidos com os territórios e suas populações.

É imprescindível que sejam chamadas a participar de qualquer discussão sobre o futuro da Amazônia, especialmente em espaços como a COP 30 e na formulação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil. Parcerias são bem-vindas e desejadas, mas a liderança das instituições amazônicas é condição essencial para garantir legitimidade, eficácia e justiça nas ações climáticas.

Colocar a Amazônia como protagonista das soluções climáticas exige o fortalecimento de quem conhece a floresta por dentro: suas universidades e suas gentes. Essas instituições podem contribuir diretamente para o cumprimento das metas brasileiras no âmbito das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), ao promoverem a conservação florestal com base em evidências, a valorização dos modos de vida sustentáveis e a geração de alternativas econômicas de baixo carbono. Sua atuação é essencial para consolidar uma transição justa que reconheça e integre os territórios, as populações e os conhecimentos amazônicos no enfrentamento da crise climática global.

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