China e EUA: história de dois projetos

Economista estadunidense analisa: seu país é dominado por corporações que visam aumentar o lucro dos acionistas e sequestrar a política. Modelo chinês, ao contrário, tem no núcleo empresas públicas comprometidas com o bem-estar do povo

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Por Robert Reich, no The Guardian | Tradução: Cristiane Manzato, na Carta Maior

Xi Jinping poderia concordar no próximo fim de semana com novas medidas para derrubar o desequilíbrio comercial da China com os EUA, dando a Donald Trump uma maneira de manter as aparências e acabar com sua guerra comercial.

Mas Xi não concordará em mudar o sistema econômico da China. Por que ele deveria?

O sistema econômico americano está focado em maximizar o retorno do acionista. E isso está prestes a alcançar esse objetivo: na sexta-feira, o S&P 500 marcou um novo recorde.

Mas a média dos americanos não viram ganhos significativos em seus salários durante quatro décadas, ajustado pela inflação.

O sistema econômico da China, por outro lado, é focado em maximizar a China. E está alcançando esse objetivo. Quarenta anos antes, a China ainda era atrasada e agrária. Hoje é a segunda maior economia do mundo, lar da maior indústria automotiva do mundo e de algumas das empresas de tecnologia mais poderosas do mundo. Nas últimas quatro décadas, centenas de milhões de chineses foram retirados da pobreza.

Os dois sistemas são fundamentalmente diferentes. No centro do sistema americano estão 500 empresas gigantes com sede nos EUA, mas que fazem, compram e vendem coisas em todo o mundo. Metade dos seus empregados são não americanos, localizados fora dos EUA. Um terço dos seus acionistas não é americano.

Essas corporações gigantes não têm nenhuma lealdade especial aos Estados Unidos. Sua única responsabilidade é com seus acionistas.

Eles farão o que for necessário para elevar os preços das ações o máximo possível — incluindo manter os salários baixos, combater sindicatos, reclassificar funcionários como autônomos, terceirizar em qualquer lugar do mundo onde as peças são mais baratas, transferindo seus lucros ao redor do mundo onde os impostos são mais baixos e pagando somas absurdas aos seus principais executivos.

No centro da economia da China, por outro lado, estão empresas estatais que tomam empréstimos de bancos estatais a taxas artificialmente baixas. Essas empresas estatais equilibram os altos e baixos da economia, gastando mais quando as empresas privadas relutam em fazê-lo.

Eles também são motores do crescimento econômico, fazendo investimentos intensivos em capital que a China precisa para prosperar, incluindo investimentos em tecnologias de ponta.

Os principais planejadores da China e as empresas estatais farão o que for necessário para melhorar o bem-estar do povo chinês e se tornar a maior e mais poderosa economia do mundo.

Desde 1978, a economia chinesa cresceu em média mais de 9% ao ano. O crescimento desacelerou recentemente e as tarifas americanas poderiam reduzi-lo para 6% ou 7%, mas isso ainda é mais rápido do que quase qualquer outra economia no mundo, incluindo os EUA.

O sistema americano depende de impostos, subsídios e regulamentações para convencer as corporações a agir no interesse do público americano. Mas essas alavancas mostraram-se fracas em relação ao objetivo corporativo predominante de maximizar os retornos dos acionistas.

Na semana passada, por exemplo, o Walmart , o maior empregador dos Estados Unidos anunciou que demitiria 570 funcionários, apesar de levar para casa uma cortesia de Trump de mais de US$ 2 bilhões e dos cortes de impostos corporativos dos Republicanos. No ano passado, a empresa fechou dezenas de lojas do Sam’s Club, deixando milhares de americanos desempregados.

Ao mesmo tempo, o Walmart investiu mais de US$20 bilhões a fim de recuperar suas próprias ações, o qual eleva o pagamento dos executivos da empresa e enriquece os já ricos investidores, mas não faz nada para a economia.

Deve-se deixar claro que o Walmart é uma empresa global, não é adversa a que se suborne funcionários estrangeiros para conseguir o que almeja. Na quinta-feira, concordou em pagar US$ 282 milhões  para resolver alegações federais de corrupção no exterior, incluindo canalizar mais de US$ 500 mil para uma intermediária no Brasil conhecida como “feiticeira” por sua capacidade em fazer com que os problemas de permissão de construção desapareçam. 

Através da economia dos Estados Unidos, o corte de imposto de Trump, fez rebaixamentos para trabalhos e salários mas funcionou muto bem para os executivos coorporativistas e grandes investidores. Em vez de reinvestir as economias em seus negócios,  o Fundo Monetário Internacional  relata que as companhias o usaram para comprar de volta suas ações. 

No entanto, os Estados Unidos são uma democracia e China é uma ditadura, certo?

É verdade, mas a maioria dos americanos tem pouca ou quase nenhuma influência na política pública – e é por isso que o corte de impostos do Trump fez muito pouco para eles.

Essa é a conclusão dos professores Martin Gilens de Princeton e Benjamin Page de Northwestern, que analisaram 1.799 questões públicas diante do Congresso e encontraram que “as preferências do americano médio parecem ter somente um minúsculo, próximo a zero, um estatisticamente insignificante impacto em relação à políticas pública”. 

Em vez disso, os legisladores norte-americanos respondem às demandas das pessoas ricas (geralmente executivos de empresas e magnatas de Wall Street) e de grandes corporações, aquelas que têm a maior capacidade de lobby e bolsos mais cheios para financiar campanhas. 

Não culpem as corporações americanas. Estão no negócio para lucrar e maximizar os preços de suas ações e não para servir a América.

No entanto, por conta de seu domínio na política americana e de seu compromisso com os preços de suas ações em vez do bem-estar dos americanos, é loucura esperar que eles criem empregos bons para os americanos ou que melhorem a competitividade americana.

Eu não estou sugerindo que imitemos o sistema econômico chinês. Estou sugerindo que não sejamos presunçosos com o sistema econômico americano.

Em vez de tentar fazer a China mudar, devemos diminuir o predomínio das grandes corporações americanas sobre a política americana.

A China não é a razão pela qual a metade dos Estados Unidos não teve um aumento em quatro décadas. O simples fato é que os americanos não podem prosperar dentro de um sistema administrado em grande parte por grandes corporações americanas, organizadas para aumentar os preços de suas ações, mas não para impulsionar os americanos.

Robert Reich é ex-secretário do trabalho dos EUA (1993-1997), é professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e autor de Capitalism: For the Many, for the Few’ and “The Common Good.

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