Assim SP entrega seus trens de subúrbio
As cenas da covardia patrocinadas pelo governo, para favorecer setor privado. Em pregão para conceder três linhas da CPTM, bolsa de valores amanhece cercada pela PM. Um dia antes, cassetetes e prisões nos atos em defesa do transporte público
Publicado 31/03/2025 às 17:12

Por Paulo Batistella, na Ponte
Manifestantes contrários à privatização do transporte público de São Paulo realizaram um protesto na tarde desta sexta-feira (28/3) no centro da capital paulista, em frente ao prédio da B3, a bolsa de valores da cidade. O ato ocorreu debaixo de chuva enquanto, dentro do edifício, cercado por forte aparato da Polícia Militar (PM), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) realizava o leilão de mais três linhas ferroviárias da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), entregues agora à iniciativa privada.
Os ferroviários haviam realizado outro protesto na quinta (27/3), em frente à Secretaria de Transportes Metropolitanos, quando foram repreendidos com violência pela PM. Na ocasião, os policiais agrediram os manifestantes com cassetetes, atiraram bombas de gás e dispararam balas de borracha. Várias pessoas ficaram ensanguentadas. Além disso, outras três foram levadas a uma delegacia.
Agora no dia do leilão, quando já estava previsto um novo ato para as 16h, a PM bloqueou com gradis e viaturas as cinco ruas que dão acesso ao perímetro da B3, situada na rua Quinze de Novembro. Policiais e agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM), vários deles paramentados com escudos e capacetes, compunham o cerco. No Largo do São Bento, onde fica a estação de metrô mais próxima da bolsa de valores, policiais da Tropa de Choque estavam dispostos na retaguarda.

Críticas à PM e às privatizações
Os manifestantes conseguiram se juntar na estreita rua Três de Dezembro, a cerca de 50 metros da B3, também isolada naquele trecho por gradis e policiais. O ato durou cerca de 30 minutos, com falas de trabalhadores e usuários do transporte público em oposição às privatizações encampadas por Tarcísio. Eles também criticaram a conduta da PM como braço repressivo do governador.
“O salário dos policiais que estão aqui não chega nem perto daquilo que os comandantes deles recebem. Na alta cúpula das forças de segurança, e não só em São Paulo, tem muita gente ganhando dinheiro”, disse Altino Prazeres, diretor do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, com um megafone em mãos. “Tudo aquilo que eles falam contra o Estado, de que o Estado tem que ser menor, para eles têm que ser o inverso, eles querem o máximo de dinheiro público, para manter essas forças equipadas até o talo. Agora, mesmo a alta cúpula da PM é café pequeno diante da CCR, dos bilionários que dominam nosso país.”
Dirigente do Unidade Popular (UP), partido que compõe uma das entidades à frente do ato, o metroviário Ricardo Senese criticou a repressão da PM para garantir o leilão e lembrou que as três pessoas detidas no dia anterior foram soltas após cerca de três horas na delegacia. “Foram prisões arbitrárias, totalmente articuladas para criminalizar o movimento. Foram prisões políticas”, afirmou.
‘Privatizar não é economizar’
O grupo CCR, mencionado por Altino, foi uma das duas empresas interessadas no leilão. O vencedor, no entanto, foi o Grupo Comporte, que passará agora a operar as linhas 11-Coral, 12-Safira, 13-Jade e a operação do Expresso Aeroporto. Os trabalhadores delas são vinculados ao Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil (STEFZCB), que, em assembleia no dia anterior, voltou atrás da sinalização de greve e optou por não paralisar — dirigentes da entidade também estiveram presentes no entorno da B3, mas sem tomar à frente no protesto realizado junto aos gradis.
“O governo do Estado mandou para as linhas privatizadas, pela Câmara de Compensação, R$ 2 bilhões em 2022, quando elas transportaram 500 milhões de usuários. E as linhas da CPTM e do Metrô, que transportaram 1,23 bilhão de usuários nesse mesmo período, receberam R$ 460 milhões do Estado”, disse, à Ponte, o ferroviário Fernando Ricardo, dirigente do STEFZCB.
“Então, privatizar não é economizar. O que estão fazendo agora é jogar um monte de família no olho da rua, pais de família que estudaram para transportar o povo, e o governo não senta com os trabalhadores para dizer o que vai acontecer”, completou o sindicalista.
As linhas leiloadas serão concedidas por um período de 25 anos. O governo de São Paulo terá de fazer um investimento de R$ 10 bilhões nelas, enquanto a empresa vencedora terá de aportar R$ 14,3 bilhões.

Linhas privatizadas têm dobro das falhas da CPTM
Tarcísio já havia concedido antes, em 2023, as linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, hoje sob controle da ViaMobilidade, do grupo CCR. Nesse período, ambas somaram 200 falhas, segundo um levantamento da TV Globo — é o dobro do que tiveram, juntas, quatro linhas operadas pela CPTM (7-Rubi, 10-Turquesa, 11-Coral e 12-Safira). Em um episódio do ano passado, uma pane elétrica causou um incêncio em um trem da linha 9-Esmeralda e deixou passageiros em pânico, devido ao risco de choque.
Os ferroviários atribuem a piora do serviço às demissões e à desvalorização dos trabalhadores que atuam nessas linhas, o que tentam denunciar agora com a nova onda de concessões. As linhas recém-leiloadas ligam o Centro da capital à zona leste e a outras cidades da região metropolitana, como Guarulhos e Suzano. Cerca de 4,6 milhões de pessoas vivem em áreas atendidas por elas.
Ato com agressões da PM
No ato do dia anterior, ferroviários e familiares haviam ocupado a sede da Secretaria dos Transportes Metropolitanos, também no Centro, na tentativa de obter uma reunião com o secretário Marco Antonio Assalve. Houve um impasse sobre quem seria recebido por ele: os manifestantes solicitavam que fossem dez pessoas, mas apenas três acabaram selecionadas para irem ao gabinete de Assalve.
Quando os demais manifestantes começavam a sair do prédio, a PM montou um cerco e deu início às agressões, conforme pessoas presentes na ocasião relataram à Ponte. Em nota à reportagem na quinta, a Secretaria de Segurança Pública paulista (SSP-SP) tratou a ocupação e tentativa de diálogo como uma invasão de prédio público, o que teria sido a motivação para a Polícia Militar intervir.
No mesmo posicionamento, a SSP-SP comunicou que analisaria as imagens das pessoas feridas no ato e que, se identificados abusos dos policiais, adotaria “as devidas providências”.
Leia a íntegra da nota da SSP-SP enviada à Ponte na quinta
A Polícia Militar acompanhou no início da tarde desta quinta-feira (27) uma manifestação na região central da Capital. Por volta das 13h, houve uma tentativa de invasão de um prédio público e bloqueio da Rua Boa Vista. A polícia interveio e três pessoas foram detidas.
O grupo seguiu pela Rua Florêncio de Abreu em direção à Praça da República. A Rua Boa Vista foi liberada. A Polícia Militar analisa as imagens da manifestação e, caso sejam constatadas irregularidades, as devidas providências serão adotadas. A instituição reforça que não compactua com desvios de conduta e todos os excessos são punidos com rigor.
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