As tarifas aduaneiras de Trump salvarão os EUA?

Em teoria, elas podem estimular setores-chave da economia doméstica. Mas, no caso atual dos EUA, há risco de retaliações, aumento no déficit comercial, recessão e impactos às famílias. Em 2018, medidas semelhantes já castigaram agricultores e pecuaristas

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Por Adam S. Hersh e Josh Bivens, no blog Economia e Complexidade | Tradução: Eleutério F. S. Prado

Introdução

Este artigo, buscando mostrar os efeitos econômicos possíveis das tarifas que podem ser impostas pelo atual governo norte-americano, responde a seis questões:

1ª) As tarifas podem ser usadas de forma eficaz para atingir certas metas inteligentes na formulação de políticas econômicas?

2ª) Tarifas altas e amplas podem corrigir o déficit comercial dos EUA ou repor o emprego na indústria?

3ª) As tarifas equivalem à formulação de uma política industrial para os Estados Unidos?

4ª) Quem “paga” as tarifas impostas às importações feitas pelos EUA?

5ª) Os formuladores de políticas podem pretender tornar as tarifas uma fonte significativa de receita para cobrir os gastos do governo?

6ª) É mais fácil e mais transparente cobrar tarifas do que usar outras formas de impostos?

Durante sua campanha presidencial, o presidente Trump prometeu impor tarifas universais de 10 a 60% sobre todas as importações dos EUA – ou seja, sobre US$ 4,2 trilhões em bens e serviços comprados do exterior em 2024. Essa sempre foi uma possibilidade real. Pois, a Lei de Poderes de Emergência Econômica Internacional dá ao presidente ampla autoridade para fazê-lo.

No início de fevereiro, o governo Trump pareceu que iria cumprir a ameaça de decretar tarifas extremamente altas e amplas sobre as importações. Ele anunciou a imposição de tarifas de 25% sobre todos os produtos do México e todos os produtos (exceto bens energéticos) do Canadá, bem como tarifas adicionais de 10% sobre todos os produtos vindos da China. Em última análise, ele apostou em ações contra os vizinhos e isso já dura um mês.

Esses três países juntos respondem por mais de 40% das importações de mercadorias dos Estados Unidos. Tarifas tão altas, aplicadas sobre uma gama tão ampla de importações dos EUA, se efetivadas se constituiriam numa mudança altamente significativa na política econômica. Contudo, quase em sequência, as tarifas sobras as importações do México e do Canadá foram suspensas por um mês.

Ainda assim, isso mostra que tarifas historicamente grandes e amplas continuam sendo uma alternativa muito possível nos próximos meses e mesmo anos. Este roteiro fornece informações sobre os efeitos prováveis da política tarifária, tentando indicar os efeitos econômicos que poderão ocorrer caso sejam de fato efetivadas.

Questão 1: As tarifas podem ser usadas de forma eficaz para atingir metas bem concebidas na formulação de políticas econômicas?

Em resumo: Sim. As tarifas podem ter efeitos positivos. Três usos amplos podem ser considerados:

Primeiro: assegurar uma proteção eficaz da produção nacional em setores econômicos específicos;

Segundo: proteger os trabalhadores dos EUA contra formas desleais de concorrência de parceiros comerciais específicos (como aqueles com regimes abusivos de direitos trabalhistas);

Terceiro, complementar a política climática interna de um país quando as políticas dos parceiros comerciais não são efetivas nesse sentido.

Como as tarifas são mais eficazes quando se concentram em metas bem definidas e de escopo específico, elas funcionam melhor como parte de uma estratégia maior.

Em detalhes: O benefício mais direto das tarifas consiste na proteção dada aos setores domésticos da economia, no caso, da economia norte-americana que justificam apoio estratégico. Por exemplo, alguns setores são prejudicados quando os parceiros comerciais tomam medidas para apoiar seus próprios exportadores domésticos ou quando não atendem aos padrões de mão de obra e ar e água limpos ou são críticos para a segurança econômica ou nacional.

Como exemplo recente, os produtores de aço e alumínio dos EUA enfrentaram um excesso crônico de oferta global que foi causado em grande parte por subsídios (diretos e indiretos) que os governos parceiros comerciais deram a seus próprios produtores domésticos – os quais, aliás, estão entre os piores poluidores do mundo.

Como parte de um conjunto estratégico de políticas industriais complementares, as tarifas podem ajudar a sustentar e apoiar o desenvolvimento de indústrias-chave, mantendo-as durante os períodos em que os parceiros comerciais estão mantendo subsídios em suas exportações, os quais distorcem o funcionamento do mercado. As tarifas podem ajudar a corrigir essas distorções, melhorando a eficiência econômica, permitindo ademais que as empresas nacionais possam prosperar frente a essas distorções.

Outras razões para querer direcionar a produção doméstica em setores específicos incluem as preocupações com a segurança nacional, o subinvestimento de atores privados no fortalecimento dos principais nós das cadeias de suprimentos e o combate à monopolização de insumos essenciais por outro país.

 Veja-se, apreendeu-se uma lição dolorosamente durante a pandemia de COVID-19; eis que, nesse momento, todos estavam lutando para obter equipamentos de proteção individual (EPI), respiradores e medicamentos críticos indisponíveis no mercado interno na escala necessária.

As tarifas, portanto, podem ajudar a internalizar os custos sociais de cadeias de produção globais frágeis criadas por corporações que visam só a lucratividade. Em suma, as tarifas são uma ferramenta de política industrial válida e muitas vezes útil que pode fornecer proteção restrita e direcionada para setores-chave.

As tarifas também podem ser usadas para proteger os trabalhadores dos EUA de práticas predatórias (como abusos trabalhistas) feita por parceiros comerciais. Por exemplo, se as tarifas fossem mais altas para países que rotineiramente falhassem em proteger os direitos fundamentais dos trabalhadores (ou se as tarifas fossem reduzidas quando um país assumisse um compromisso genuíno de proteger esses direitos), os benefícios de buscar a competitividade internacional por meio da compressão dos salários seriam reduzidos.

Da mesma forma, as tarifas também podem ser úteis para complementar o processo da concorrência na obtenção de padrões ambientais. Um exemplo: tarifar as importações para incorporar os custos das emissões de gases de efeito estufa que ocorrem na fabricação e no transporte em outros países. Isso incentivaria o ar limpo e, ao mesmo tempo, garantiria que os trabalhadores, no caso norte-americanos, em indústrias intensivas em energia e expostas ao comércio não arcassem com o fardo extra de se ajustar às novas políticas climáticas.

Uma abordagem que usasse explicitamente as tarifas para internalizar os custos sociais do trabalho e da exploração ambiental em países menos cuidadosos ajudaria a corrigir esses problemas e forneceria incentivos transparentes para os países buscarem políticas pró-trabalhador e pró-meio ambiente.

Contudo, esses usos não são triviais: as tarifas são, sim, uma ferramenta fundamental para implementar uma política industrial e comercial inteligente. Mas, por si só, as tarifas não podem e não devem ser a peça central de uma estratégia econômica nacional. Fazer isso seria empregar de modo excessivo uma ferramenta que não é adequada para tal propósito; essa prática, em consequência, causaria danos à economia em geral.

Questão 2: Tarifas altas e amplas podem corrigir o déficit comercial dos EUA ou repor o emprego perdido na indústria?

Em resumo: não, principalmente porque tarifas altas e amplas também reduzirão as exportações junto com as importações, de tal modo que a balança comercial pode ficar praticamente inalterada. As exportações também caem quando as tarifas são introduzidas por uma série de razões. A primeira é que muitas exportações dos EUA usam importações de insumos intermediários na produção de bens finais produzidos nos Estados Unidos. Tornar esses insumos mais caros por meio de tarifas aumentará, indiretamente, o preço dessas exportações dos EUA, tornando-as menos competitivas nos mercados globais.

Em segundo lugar, é altamente provável que os parceiros comerciais retaliem as tarifas postas pelos EUA com tarifas próprias, tornando as exportações norte-americanas mais caras nos mercados internacionais. Foi o que se viu em alguns produtos “made in America“; foi o que aconteceu, por exemplo, como os aviões da Boeing e o Bourbon de Kentucky. Ademais, finalmente, as tarifas valorizarão o dólar americano nos mercados globais, o que tornará as exportações mais caras no mercado internacionais; ademais, aumentará a atratividade das importações para os consumidores locais. Essas são, como se sabe, as principais causas dos déficits comerciais dos EUA e da perda de empregos na indústria.

Em detalhe: é verdade que o comércio desequilibrado suprimiu o emprego na manufatura nos Estados Unidos por décadas. Os EUA importam  consistentemente muito mais produtos manufaturados do que os exportam (e a diferença não é nem de longe compensada pelo comércio dos serviços). Esse déficit comercial cria uma barreira entre o consumo doméstico de bens manufaturados e a produção doméstica. Fechar esse déficit comercial iria, portanto, aumentar substancialmente as oportunidades de emprego no setor manufatureiro nos EUA. No entanto, altas tarifas sobre todas as importações de manufaturados não conseguirão fechar esse déficit por vários motivos.

Primeiro, muitas exportações dos EUA são produzidas usando uma grande parcela de insumos importados. O fatiamento das cadeias de valor globais nas últimas décadas fez com que os componentes dos bens finais provenham agora, frequentemente, de vários países diferentes. As tarifas, portanto, tornariam esses insumos mais caros, e isso, por sua vez, aumentaria o preço das exportações dos EUA que empregam esses insumos, enfraquecendo a competitividade das exportações dos EUA nos mercados globais.

Em segundo lugar, e mais obviamente, as tarifas raramente são unidirecionais. Quando os EUA impõem tarifas, os seus parceiros comerciais provavelmente retaliarão com tarifas recíprocas sobre produtos dos EUA, tirando os exportadores dos EUA dos mercados internacionais. Não se trata de mera especulação; foi o que resultou das tarifas impostas durante o primeiro governo Trump.

Os agricultores e pecuaristas americanos sofreram danos generalizados com essa retaliação após as tarifas de 2018. E eles foram tão grandes que o governo Trump autorizou US$ 61 bilhões em pagamentos de ajuda emergencial para proteger os agricultores e os pecuaristas do golpe sofrido com essa retaliação; o tamanho da ajuda equivaleu aproximadamente a toda a receita tarifária coletada das empresas americanas.

Grandes fabricantes como a Boeing também perderam acesso aos mercados internacionais. Antes de 2018, a China respondia por 25% das vendas da Boeing, mas após as tarifas, a China parou de encomendar aeronaves dessa empresa. Ademais, abriu o mercado para o COMAC C919 da China – um concorrente direto dos aviões da série 737 da Boeing.

Em suma, não apenas os exportadores dos EUA perderão mercados no exterior, mas as exportações perdidas aumentarão a oferta desses produtos para o mercado norte-americano, o que pressionará para baixo o preço dos produtos vendidos no mercado interno, reduzindo ademais os lucros corporativos.

Em terceiro lugar, tarifas grandes e amplas pressionariam para cima o valor do dólar americano, tornando as exportações dos EUA mais caras para compradores estrangeiros e as importações mais baratas e mais atraentes para empresas e consumidores dos EUA. Isso geralmente acontece quando os parceiros comerciais reduzem intencionalmente o valor de sua própria moeda em relação ao dólar por meio de políticas de gerenciamento de taxas de câmbio para compensar o terreno competitivo perdido nos mercados dos EUA com as novas tarifas.

Ora, esse processo tem também uma consequência automática. Os países usam os dólares que ganham vendendo para os Estados Unidos para comprar produtos exportados pelos EUA. Se as tarifas reduzirem os dólares que os países ganham vendendo para os EUA, isso os levará a reduzir o que compram como exportações dos EUA ou precisarão comprar dólares nos mercados de capitais internacionais para manter seu nível de compras de exportação dos EUA. Esse aumento da demanda por dólares nesses mercados de capitais aumentará a demanda por dólares e a taxa de câmbio aumentará.

Novamente, não se trata de mera especulação, pois foi exatamente isso o que aconteceu em 2018 em resposta às tarifas de primeiro mandato de Trump sobre produtos de tecnologia chineses e importações mais amplas de aço e alumínio. A China, em reposta, depreciou sua moeda em cerca de 10% em relação ao dólar. Em relação a uma cesta internacional de moedas, o dólar subiu cerca de 7,5%. Agora, desde a eleição de novembro de 2024, o valor da moeda da China caiu 1,1% em relação ao dólar.

Como resultado dessas influências, o déficit comercial dos EUA – dados pela diferença entre exportação menos importação – não melhorou durante o primeiro governo Trump, mesmo com o aumento das tarifas. As tarifas atuaram para mudar a composição do déficit comercial, pois os exportadores chineses procuraram contornar as tarifas postas pelos EUA sobre produtos chineses. Eles redirecionaram os fluxos de comércio, ou seja, expandiram o investimento em outros países. Em particular, aproveitando o acordo comercial EUA-México-Canadá negociado pelo presidente Trump, usaram o México como plataforma para exportar para os mercados dos EUA. Desde que as tarifas de 2018 entraram em vigor, as importações do México aumentaram 63% e o déficit comercial dos EUA com o México aumentou 159%.

A redução de déficits comerciais prejudiciais não pode ser alcançada apenas por meio da política comercial – exceto no caso extremo em que as medidas de política comercial são tão severas que essencialmente liquidaria todo o comércio internacional, o que causaria uma perturbação radical na economia dos EUA. Em vez disso, o comércio mais equilibrado resultará apenas de políticas macroeconômicas consistentes com déficits comerciais mais baixos – incluindo a gestão da taxa de câmbio para realinhar um dólar americano supervalorizado e uma combinação razoável de políticas fiscais e monetárias.

Questão 3: As tarifas por si só podem fornecer uma política industrial para os Estados Unidos?

Em resumo: Não, as tarifas são apenas um dos instrumentos de política industrial. Para funcionarem, elas precisam de esforços estratégicos de outra ordem que visem impulsionar efetivamente os setores domésticos.

Em detalhe: as tarifas, por si só, são uma estratégia de política industrial incompleta, mesmo para o objetivo estreito de apoiar um setor doméstico estratégico. Pesquisas inovadoras mostram a eficácia e a difusão das políticas industriais quando elas têm um objetivo estratégico. Embora essas políticas possam assumir uma variedade de formas, todas as políticas industriais bem-sucedidas fazem essencialmente três coisas, as quais se destinam a resolver as principais falhas do mercado:

A primeira dela consiste em promover mudanças econômicas positivas que proporcionem benefícios para além do setor-alvo, tais como a criação de inovações que beneficiem outros setores ou promovam o fornecimento de bens ou serviços complementares que viabilizem outros investimentos; é necessário, também, limitar ou reduzir os impactos econômicos negativos que impõem custos a outros setores, aos consumidores ou ao público em geral.

Por exemplo, é benéfica a política industrial que consiste em garantir a produção de insumos essenciais, tais como os semicondutores. Ao eliminar certos gargalos específicos que sufocam as cadeias de suprimentos globais, isso cria uma externalidade positiva, ou seja, aumenta a resiliência dessas cadeias. Pode ocorrer eventualmente falta de incentivos para que as empresas individuais possam fazer esses investimentos quando eles provêm apenas daqueles propiciado pelos lucros.

A segunda consiste em fazes investimentos públicos específicos e complementares em um dado setor. Os principais exemplos incluem investimentos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, treinamento da força de trabalho. Sabe-se bem que esses dispêndios governamentais complementam e atraem o investimento privado.

A terceira consiste em fornecer coordenação externa quando os atores econômicos são díspares, ou seja, quando ações complementares centralizadas são necessárias para o sucesso de uma atividade econômica; eis que, em certos casos, os mecanismos de mercado são incapazes de desempenhar esse papel. Um exemplo disso é o monitoramento público das possíveis tensões na cadeia de suprimentos; esse tipo de ação visa manter os atores privados informados sobre como planejar as entregas e organizar o fornecimento de insumos para resolver os bloqueios antes que eles aconteçam.

A política industrial também pode criar as condições de previsibilidade que criam mercados e que permitem investimentos em tecnologias de ponta; isso ocorre quando os investidores individuais consideram essas aplicações muito arriscadas – um exemplo recente pode ser encontrado no desenvolvimento de vacina para a COVID-19.

As tarifas podem fazer parte da política industrial quando há um interesse público suficientemente importante em prol de um determinado setor. Mas elas por si só são insuficientes para garantir que as indústrias críticas para a segurança econômica e nacional prosperem. É o caso da produção de metais primários, medicamentos críticos, equipamentos de saúde, semicondutores e outras tecnologias avançadas. É preciso mais do que tarifas para superar as falhas de mercado e a concorrência desleal.

As tarifas alteram os sinais de preços de mercado, os quais induzem os investidores a transferirem recursos entre diferentes setores. Mas os sinais de preços por si só muitas vezes não são suficientes para garantir que as principais falhas do mercado sejam superadas. Contudo, existem outras falhas de mercado, além de preços supostamente “errados”, que os capitalistas domésticos precisam superar para estarem dispostos a investir na produção de certos setores.

Na fronteira tecnológica, por definição, ninguém sabe a probabilidade de sucesso na obtenção de avanços técnico importantes, ou qual é o potencial de mercado para de uma inovação possível. Embora o progresso tecnológico seja altamente desejável, os riscos e recompensas potenciais não podem ser precificados ex-ante com precisão.

Às vezes – e esse é um outro exemplo – são necessários investimentos complementares para que um determinado investimento se torne financeiramente viável. Exemplos: pode ser necessário atualizar as redes elétricas, construir infraestruturas de transporte etc. para que os investimentos no fabrico de veículos elétricos sejam viáveis. Além disso, como é fácil mudar as tarifas no curto prazo, é improvável que os proprietários de capital vejam as tarifas por si só como um sinal suficiente de que devem fazer investimentos caros e de longo prazo na produção de certos bens.

Questão 4: Quem “paga” as tarifas impostas às importações dos EUA?

Em resumo: as famílias americanas arcarão com a maior parte do ônus das tarifas mais altas. Isso virá principalmente por meio de preços mais altos para produtos importados e, crucialmente, preços mais altos para produtos domésticos que competem com as importações.

Em detalhe: As tarifas são um imposto sobre bens e serviços estrangeiros importados. A incidência legal desses impostos recai sobre a empresa americana que faz a importação. Se uma empresa importa US$ 100 em mercadorias e as tarifas são de 20%, a empresa deve pagar um imposto de US$ 20 ao governo federal. No entanto, sabe-se que a incidência legal de um imposto e a incidência econômica são diferentes.

Em geral, os impostos desencadeiam uma cascata de ajustes que podem distribuir ou concentrar o ônus econômico final. No caso das tarifas, esses ajustes levam essencialmente as famílias americanas a pagar preços mais altos. Os importadores que pagam o imposto inicialmente normalmente aumentam os preços para repassar esse custo adicional aos consumidores.

Isso é bem conhecido e se chama “repasse de preços”. O grau exato de repasse será diferente por bem e setor: é impulsionado em grande parte por fatores como o grau de poder de mercado da empresa produtora e a sensibilidade do consumidor às mudanças de preço. Mas pesquisas substanciais demonstram de forma convincente que são as famílias que, em última análise, pagam pelas tarifas.

É importante observar que, se as tarifas não aumentarem os preços no mercado dos EUA, elas não mudarão as preferências do consumidor para produtos domésticos de produtos estrangeiros, deixando de fornecer qualquer proteção útil às indústrias domésticas. E se eles não estão fornecendo proteção efetiva aos produtores domésticos, é difícil ver o sentido de impô-los.

As tarifas podem fornecer proteção eficaz aos produtores domésticos, aumentando os preços dos bens e serviços estrangeiros em relação a bens e serviços similares produzidos internamente. Isso permite que as empresas que produzem bens concorrentes de importados domesticamente também aumentem os preços, sem medo de perder participação de mercado para a concorrência estrangeira de preços mais baixos. Esses preços mais altos permitem que as empresas domésticas mantenham ou expandam a produção em uma escala viável.

Como a tarifa sobre um bem estrangeiro concorrente não altera os custos de produção de uma empresa americana, no curto prazo, os preços mais altos que os consumidores americanos pagam por produtos concorrentes de importação vão diretamente para lucros maiores para a empresa. No longo prazo, e com políticas de apoio complementares, alguns desses lucros podem ser redirecionados para investimentos e novos postos de trabalho, à medida que o setor concorrente de importações procura expandir sua produção.

Além disso, para bens que os Estados Unidos não produzem ou não podem produzir internamente em níveis adequados para atender à demanda, as tarifas aumentam os preços para consumidores e empresas dos EUA sem dar um impulso às indústrias domésticas. Isso inclui uma ampla gama de produtos agrícolas (por exemplo, café, abacate e banana) e commodities e minerais que são relativamente escassos no território dos EUA.

As tarifas sobre as importações que não competem com os produtos “made in America” simplesmente aumentam os preços para os consumidores dos EUA sem estimular a produção doméstica desses bens. Eles representam um custo puro para os consumidores dos EUA sem qualquer benefício compensatório.

Questão 5: Os formuladores de políticas devem fazer das tarifas uma fonte significativa de receita para os gastos do governo?

Em resumo: Não. As tarifas são essencialmente um imposto sobre o consumo e, portanto, são mais regressivas do que a maioria das fontes de receita federal. Isso significa que, com as tarifas, as pessoas com renda mais baixa pagarão uma parcela maior de seus ganhos em impostos do que as pessoas com alta renda. Para obter receita nos próximos anos, é preciso aproveitar as fontes de receita progressivas já existentes (impostos de renda e herança) e instituir novos impostos progressivos.

Em detalhes: o presidente Trump sugeriu que as receitas fiscais de novas tarifas poderiam substituir o imposto de renda federal. Isso exigiria que as tarifas atingissem níveis historicamente altos e amplos e constituiria uma grande mudança regressiva em quem financia o governo federal. Nesse cenário, a carga tributária passaria das famílias de renda mais alta para as famílias de renda baixa e moderada. Tarifas grandes e generalizadas dessa magnitude também teriam muitos efeitos colaterais econômicos negativos em relação ao imposto de renda.

Em 2024, o governo federal arrecadará cerca de US$ 2,5 trilhões em receitas de imposto de renda individual. Para obter essa receita por meio de tarifas sobre bens importados, a base de incidência desses gravames teria que ser extremamente ampla – ela deveria, de fato, ser efetivamente universal, ou seja, deveria recair sobre todas as importações.

Se se parte da suposição implausível de que uma tarifa universal não mudaria a demanda dos EUA por importações, a tarifa precisaria ser de 78% para substituir o imposto de renda individual. Mais realisticamente, se as tarifas dissuadirem os americanos de importar mercadorias, esses impostos sobre as importações precisariam ser significativamente mais altos para substituir as receitas do imposto de renda. Na verdade, a maioria das estimativas de quão sensíveis as compras de importações dos EUA são aos seus preços indica que as tarifas literalmente não poderiam substituir nem metade do imposto de renda.

Além disso, mesmo que as tarifas pudessem de alguma forma substituir as receitas do imposto de renda, essa seria uma mudança extremamente prejudicial para a maioria das famílias americanas, já que elas acabariam pagando uma parcela maior de sua renda em impostos. As receitas do imposto de renda progressivo são preferíveis às das tarifas por alguns motivos.

Primeiro, as tarifas são um imposto regressivo, o que significa que as pessoas com renda mais baixa gastarão uma parcela maior de seus ganhos em impostos do que as pessoas de alta renda. As tarifas são essencialmente um imposto sobre o consumo, e o consumo como parcela da renda tende a cair à medida que a renda aumenta.

Em segundo lugar, a tributação progressiva, que incide mais sobre aqueles que são mais capazes de pagar, faz mais do que apenas aumentar as receitas para financiar serviços públicos essenciais fornecidos pelo governo. Ela também cria incentivos que moldam o comportamento econômico em direções socialmente produtivas.

O crescimento descontrolado da renda dos mais ricos é impulsionado por práticas de rentismo (rent seeking) – ou seja, pela obtenção de renda mediante a exploração de um poder que não está relacionado à contribuição de um indivíduo para o crescimento econômico geral. A tributação progressiva desincentiva essa prática aqueles que detêm esse tipo de poder e, em vez disso, permite que a renda seja mais bem distribuída. Esse efeito de desincentivo do imposto de renda federal foi bastante corroído desde a década de 1980, à medida que as alíquotas marginais máximas caíram; contudo, apesar disso, trata-se de uma política econômica que vale a pena preservar.

Finalmente, as tarifas levam a perdas de eficiência, pois os benefícios potenciais da especialização internacional são perdidos. Nos níveis tarifários que persistiram nos últimos 70 anos, essas perdas de eficiência são muito pequenas (e muitas vezes muito exageradas por comentários econômicos). Mas nos níveis tarifários necessários para substituir o imposto de renda federal, essas perdas de eficiência seriam muito altas.

Os impostos de renda progressivos também têm alguns efeitos distorcivos que podem reduzir a produção econômica; contudo, eles também têm influências compensatórias que podem aumentar a produção econômica e o bem-estar. Por exemplo, ao aumentar a receita dos ricos e financiar gastos federais direcionados a famílias de baixa e média renda, essa redistribuição progressiva sustenta o crescimento da demanda em toda a economia. Como as famílias mais ricas economizam parcelas maiores de sua renda, a redistribuição renda tende a elevar os gastos em consumo. A substituição de tarifas por tributação progressiva renuncia a esses benefícios econômicos além das receitas fiscais.

Questão 6: As tarifas sobre importações são uma forma de imposto mais fácil e mais transparente de cobrar do que outros alternativos?

Em resumo: não, as tarifas envolvem vários custos de adequação de tal modo que oferecerão muito mais chances de negociação corrupta do que as existentes nos impostos atuais.

Em detalhe: Em 2018, as tarifas impostas (…) pela primeira administração Trump sob certas rubricas incluíam um processo pelo qual os importadores podiam solicitar a exclusão tarifária. Ora, isso criou uma nova e enorme brecha fiscal que as grandes empresas podiam explorar. No total, o governo Trump concedeu mais de 100.000 exclusões tarifárias.

 Auditorias do Escritório de Responsabilidade do Governo dos EUA e do Inspetor Geral do Departamento de Comércio descobriram que os processos de petição de exclusão foram tisnados pela falta de transparência, seguiram procedimentos internos caprichosos e inconsistentes e emitiram decisões contraditórias e aparentemente arbitrárias.

Novas pesquisas empíricas de fato confirmam que as exclusões tarifárias têm sido usadas sistematicamente para recompensar contribuições políticas, bem como para punir oponentes políticos, em vez de acomodar necessidades econômicas.

Em um caso em 2019, a Apple pressionou o presidente Trump para garantir isenções para as importações de iPhone da China e prometeu repatriar parte da fabricação de computadores Mac da China para os Estados Unidos, embora nunca tenha cumprido essa promessa. O escopo das empresas que serão incentivadas a solicitar exclusões (e potencialmente oferecer favores indevidos em troca delas) e o benefício financeiro de evitar cobranças tarifárias crescerão enormemente se as tarifas de Trump que foram prometidas durante a campanha realmente se concretizarem.

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