As guerras de Israel para além de Gaza

Além do genocídio levado a cabo contra os palestinos, Netanyahu mantém “sete frentes” de guerra. “Ataques preventivos” na Síria servem para expandir fronteiras. Líbano teme outra grande ofensiva. No Iêmen, os houthis agem como a “última resistência”

Em 1981, Israel decidiu unilateralmente pela anexação das Colinas de Golã. Foto: Reuters
.

Por Joan Cabasés Vega, com tradução na Revista Opera

Os maiores especialistas do mundo em estudos sobre genocídios recentemente acusaram Israel pelos seus crimes cometidos em Gaza. As cenas de horror registradas na Palestina atraem boa parte da atenção que a mídia estrangeira dedica ao Oriente Médio. No entanto, os ataques de Israel não ocorrem apenas em Gaza, mas também em outros territórios.

Como repete frequentemente o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu – que em 2024 se tornou um fugitivo da justiça internacional por supostos crimes de guerra e contra a humanidade em Gaza –, Israel enfrenta uma guerra em “sete frentes”. E algumas delas ainda continuam sem solução.

Líbano, sob o temor de outra ofensiva em grande escala

A presença das tropas israelenses no sul do Líbano e as bombas que estas lançam diariamente têm um objetivo: que o país não se esqueça que algo pode acontecer a qualquer momento. Em novembro de 2024, Israel e a milícia libanesa Hezbollah chegaram a um acordo de cessar-fogo que deveria pôr fim a um conflito que, até então, havia resultado na morte de mais de 4 mil pessoas e na destruição de mais de 100 mil casas no Líbano, de acordo com dados do Banco Mundial. No entanto, desde então, Israel nunca cumpriu o cessar-fogo, e dez meses após esse acordo, os libaneses temem que Israel possa retomar uma ofensiva semelhante à anterior.

A trégua foi acordada de forma favorável aos sionistas. O cessar-fogo obrigava o Hezbollah a se retirar para o norte do Líbano e a abandonar a zona que existe no sul de seu território, entre a fronteira libanesa com Israel e o rio Litani — cerca de 30 quilômetros mais ao norte. Além disso, a milícia deveria desmantelar toda a infraestrutura militar que possuía naquele território. Por sua vez, a trégua forçava Israel a suspender sua ocupação do sul do Líbano e obrigava os soldados a retornar ao solo israelense.

O acordo, no entanto, incluía mais dois elementos que, até hoje, continuam instigando as tensões. Por um lado, a trégua ratificava a resolução 1559 de 2004 das Nações Unidas, que insta o governo do Líbano a estabelecer o monopólio de armas nas mãos do Estado – algo que, portanto, implica no desarmamento do Hezbollah. Por outro lado, Israel aceitou o cessar-fogo, mas conseguiu, em um pacto paralelo com Washington, permissão para bombardear o Líbano – apesar da existência de uma trégua – se percebesse que o Hezbollah estava se rearmando naquele território fronteiriço ao sul do rio Litani.

Desde então, os oficiais dos Estados Unidos e de Israel têm pressionado o governo libanês para que desarme o mais rápido possível aquele que, durante décadas, foi o maior ator político e armado do Líbano. Os líderes libaneses aceitaram o difícil desafio de colocar todas as armas do país nas mãos do Estado, mas o escasso progresso registrado nessa questão faz com que os bombardeios israelenses que caem incessantemente no Líbano sejam percebidos em território libanês como um ato de pressão sobre o governo. Ou, até mesmo, como o prelúdio de uma ofensiva maior que vise desarmar a milícia por conta própria.

No dia 18 de setembro, o exército israelense emitiu uma ordem de despejo contra várias aldeias no sul do Líbano, onde iria lançar bombardeios simultâneos. Netanyahu os apresentou como ataques contra infraestruturas do Hezbollah para responder “às tentativas proibidas de restabelecer sua atividade na zona”. Se tratou da primeira vez em meses que Israel emitiu um aviso desse tipo no Líbano.

Após esses ataques, o Exército libanês emitiu um comunicado denunciando que Israel havia violado o acordo de trégua alcançado em novembro mais de 4500 vezes. Essas violações incluem os bombardeios, a manutenção da ocupação terrestre em partes do sul do Líbano ou a explosão controlada de casas em municípios libaneses próximos à fronteira. E também as centenas de mortes que os ataques israelenses causaram no Líbano desde a assinatura da trégua, das quais a maioria são membros do Hezbollah ou de outros grupos armados, e cerca de uma centena seriam civis.

Após os bombardeios do dia 18, o presidente do Líbano, Joseph Aoun, elevou o tom contra o silêncio cúmplice dos Estados Unidos. “Israel não respeita a trégua”, disse o presidente. “O silêncio dos países patrocinadores” do cessar-fogo, entre os quais se destaca Washington, “é um fracasso que incentiva essas agressões”.

A última eclosão do conflito latente há décadas entre a milícia e o Estado de Israel ocorreu em 8 de outubro de 2023. No dia anterior, o grupo palestino Hamas havia se infiltrado no sul de Israel a partir de Gaza e perpetrado o maior ataque que aquele país sofreu desde sua fundação, em 1948. Quando Israel começou a bombardear indiscriminadamente o minúsculo enclave palestino, o Hezbollah começou a disparar projéteis contra o país, em um ato que associou à solidariedade com os palestinos de Gaza. Isso significou o desvio de parte do poder militar israelense de Gaza para o Líbano. O Hezbollah, no entanto, não foi o único grupo armado na região que disse atacar Israel em nome dos palestinos.

Houthis, os únicos na região que continuam atacando Israel

Embora o Hezbollah esteja enraizado no Líbano, a organização, que tem como parte de sua essência fazer oposição às ambições expansionistas israelenses, faz parte do autodenominado Eixo da Resistência, uma aliança internacional hoje enfraquecida que é hostil à existência de Israel e à influência do Ocidente no Oriente Médio.

Os maiores problemas para Israel no âmbito militar vêm daí. Além do Hezbollah, são membros deste eixo o grupo palestino Hamas e o movimento iemenita Ansar Allah – ou Houthis, que são liderados e patrocinados pela República Islâmica do Irã. Frequentemente, os líderes israelenses se referem a Teerã como “um polvo de múltiplos tentáculos”, fazendo referência aos aliados que possui na região e que cercam geograficamente o Estado judeu.

Após dois anos de conflito regional, o movimento dos houthis é a única organização que continua lançando ataques contra Israel. O grupo faz isso quase que diariamente a partir da área que controla dentro do Iêmen, a cerca de 2.000 quilômetros de distância do solo israelense.

Em 18 de março, as tropas israelenses comandadas por Eyal Zamir acabaram com o cessar-fogo que existia em Gaza, que tinha como objetivo a libertação dos prisioneiros nas mãos do Hamas e que deveria levar a uma trégua permanente. Fizeram isso retomando a ofensiva militar e assassinando mais de 400 palestinos e palestinas em um único dia. Foi então que os houthis decidiram retomar os ataques contra Israel e, desde aquele dia, lançaram 87 mísseis e 40 drones contra o território israelense, de acordo com contagens citadas pelo jornal israelense The Times of Israel.

Os sistemas de defesa israelenses interceptam a maioria dos ataques, mas alguns destes ataques conseguem burlar as capacidades defensivas de Tel Aviv. Recentemente, um projétil iemenita atingiu – sem causar feridos – um hotel na cidade de Eilat, ao sul de Israel. Meses atrás, outro míssil atingiu o aeroporto internacional Ben Gurion, em Tel Aviv, o que causou a suspensão dos voos por algumas horas.

Os iemenitas são uma pedra no sapato para os líderes israelenses, que de vez em quando enviam uma dezena de aviões militares para bombardear supostas posições militares dos houthis no Iêmen. Esses ataques frequentemente destroem instalações que fazem parte da infraestrutura que sustenta a sociedade iemenita, como o porto de Hodeidah. Israel alega, no entanto, que os houthis, que controlam a capital iemenita, Sana, exploram essas infraestruturas para fortalecer seu braço armado e atuar contra eles.

No dia 28 de agosto, o Exército de Israel lançou uma grande ofensiva no Iêmen, na qual matou o primeiro-ministro dos houthis, Ahmed Ghaleb al Rahawi, além de outros onze ministros do movimento armado. No mesmo dia, após confirmar essas mortes, a presidência dos houthis advertiu em um comunicado que continuará atacando Israel “firmes no apoio ao povo de Gaza”.

Síria: uma frente sem provocação prévia

Ao contrário do Líbano e do Iêmen, onde Israel pode alegar que age militarmente em resposta a ataques prévios do Hezbollah e dos houthis, a situação na Síria é distinta. Lá, foi o Exército israelense quem se aventurou a ampliar a ocupação que já realiza em partes do sul da Síria, aproveitando o caos desencadeado no território sírio após a queda do regime de Bashar al-Assad, em dezembro de 2024.

Israel ocupa as Colinas de Golã sírias desde 1967 e compartilha com a Síria uma zona de segurança acordada com Damasco em 1974. Essa zona de segurança é um espaço desmilitarizado que separa as Colinas de Golã ocupadas por Israel do resto do território sírio. Quando o governo de Assad entrou em colapso, as autoridades israelenses alegaram que não podiam assumir o risco de que atores hostis a Israel se aproximassem das Colinas de Golã, onde residem colonos israelenses, e ordenaram que suas tropas assumissem o controle da zona de segurança acordada com a Síria décadas atrás. Na Síria, a extensão do território desmilitarizado que Israel passou a ocupar desde dezembro – cerca de 400 quilômetros quadrados – é superior à de Gaza – cerca de 365km².

Essa decisão se alinha ao pensamento que predomina entre os líderes israelenses desde 7 de outubro de 2023. A nova vontade israelense é ter o controle do perímetro do país para impedir a existência de ameaças que possam atacar seu território do outro lado das fronteiras, seja de Gaza, do Líbano ou da Síria. Embora essa seja a versão oficial, muitos habitantes de Gaza, do Líbano e da Síria consideram o avanço das tropas israelenses uma tentativa de ampliar as fronteiras de Israel.

Usando o mesmo argumento dos ataques preventivos, Israel bombardeia constantemente, desde dezembro, as capacidades militares do Exército sírio em toda a Síria, sob o pretexto de que precisa impedir que elas caiam nas mãos erradas. Analistas como Charles Lister afirmam que Israel lançou mais de mil bombardeios contra a Síria desde a queda de Assad. Muitos destes ataques visaram bases militares, algumas das quais foram reduzidas a pó. 

Saber como lidar com as constantes ameaças do vizinho israelense é um dos maiores desafios para as novas autoridades sírias, que controlam Damasco de forma provisória e tentam reconstruir o território e seu povo após mais de uma década de guerra civil. O governo de Netanyahu argumenta que não pode confiar no novo presidente sírio, Ahmed el Sharaa, e quer impedir a mera presença das forças regulares sírias em todo o território do sul do país, entre Damasco e as Colinas ocupadas de Golã.

As autoridades sírias, por sua vez, alegam que não poderem mobilizar suas forças de segurança em seu próprio território é inaceitável; ainda mais tendo em conta que os líderes israelenses chegaram a bombardear edifícios governamentais no coração da capital síria, incluindo o quartel-general do exército, para deixar claro que tratarão as autoridades sírias como inimigas até que seja assinado um novo acordo bilateral de segurança, semelhante ao que a dinastia Assad assinou com Israel em 1974. Recentemente, o presidente sírio Ahmed el Sharaa afirmou que esse acordo está cada vez mais próximo, mas Israel já declarou que não se retirará de parte do novo território que ocupou nos últimos meses.

Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, seja nosso apoiador e fortaleça o jornalismo crítico: apoia.se/outraspalavras

Leia Também: