A pintura antirracista (e esquecida) de Miguel Barros
Gaúcho, ele foi teórico e ativista precoce da luta antirracista. Percorreu o Brasil. Atuou com Solano Trindade e com modernistas em São Paulo, mas terminou esquecido. Presença negra na universidade começa a resgatar sua obra
Publicado 13/03/2025 às 17:33

Por Pedro Tubiana, no Nonada
Durante os dez anos que seguiram à morte de Miguel Barros em 2011, Maria Cristina Petry Barros, sua filha, teve dificuldade de atender aos pedidos de amigos, jornalistas e pesquisadores que se interessavam em conhecer a vida e obra do pintor. O assunto era sensível à psicóloga, que sentia dificuldade de falar sobre a vida do pai. O pintor, que nasceu em 1913 na cidade gaúcha de Pelotas, se estabeleceu no sudeste e expôs seus trabalhos dentro e fora do Brasil, era também um teórico e ativista do movimento negro. Esquecido e apagado pela história da arte brasileira, passou a ser resgatado nos últimos anos, a partir da presença de pesquisadores negros nas universidades.
As décadas de 1930 e 1940 parecem ter sido as de maior atividade do pintor. Foi por volta desse período que partiu de Pelotas para morar em São Paulo. Apesar de seu nome não estar registrado nos livros de história da arte, em sua época, divulgavam sua chegada a cada cidade que fosse.
Em 1934, o Diário de Pernambuco anunciou uma exposição de Miguel no Gabinete Portuguez de Leitura (sic) e fez referência ao pintor como o representante da Frente Negra Pelotense no primeiro Congresso Afro-Brasileiro, que aconteceu na cidade do Recife. No mesmo ano, o artista expôs na cidade telas como “Na Taberna”, “Desempregado”, “A Morte de Zumbi”, “República dos Palmares”, conforme pesquisa de Darlene Vilanova Sabany. Miguel Barros também é apontado como um dos fundadores do Centro de Cultura Afrobrasileiro (1936), na capital pernambucana, ao lado de Solano Trindade.
Nesse texto do jornal, os trabalhos de Miguel Barros são caracterizados como impressionistas, “de um colorido eloquente”. Suas pinturas, contrárias aos estereótipos racistas da época, exaltavam a beleza negra e suas lutas, como na tela “A Mulata”, em que, ainda que vista sob a ótica masculina, a mulher negra é pintada com maior sensibilidade, nua sob panos.
Das obras de Miguel Barros que estão agora com Maria Cristina, ela destaca uma de mais de três metros de altura e dois de largura, que tem dificuldade de fotografar. Nela, está pintado Zumbi dos Palmares, que lidera imponente sob um grupo de quilombolas. “Mais recentemente eu vim a saber que meu pai batalhou muito pela população negra. Comprou para si essa luta. Então, paralelo à arte, teve uma influência muito grande na questão da negritude, direito dos negros.”
Sobre a tela que representa Zumbi, Maria Cristina defende: “Isso eu acho bastante significativo, ainda mais agora, nessa época, que os direitos estão sendo reconhecidos. Quer dizer, tudo é muito temerário nos dias de hoje, haja visto como vivemos esses últimos anos. Penso que na época dele [Miguel Barros], ainda mais com os anos de chumbo, a coisa deve ter sido pior, em termos de censura e repressão. Até me trouxeram essa possibilidade, dele ter se afastado mais da política e desses movimentos todos por conta dos anos de repressão”.

Os anos de repressão aos quais Maria Cristina se refere são aqueles onde a Ditadura Vargas passou a atuar no Brasil. Anos depois, durante a Ditadura Militar Brasileira, outro momento de repressão, Miguel Barros se muda de São Paulo para Mogi das Cruzes (SP). “Ele movimentava a questão artística em Mogi. Ele sempre foi isso. Assim como o Solano Trindade acabou fazendo em Embu das Artes”, conta a pesquisadora Darlene Sabany. Sua pesquisa indica que os dois artistas, no entanto, acabaram seguindo caminhos diferentes. “Ele acabou se afastando do movimento negro e tem uma carta que ele recomenda também para o Solano Lopes ficar distante também disso”, diz.
Em um recorte de jornal de 1972 encontrado no Dossiê Miguel Barros, único material sobre o pintor no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), Miguel falava sobre recorrências no seu trabalho: “Temática preferida? Todas, a Natureza. Se eu pinto uma flor, eu devo conseguir dizer exatamente qual é esta flor, para que a pessoa sinta, através de toda a herança cultural que ela possui, sua experiência e sua interpretação, exatamente aquilo que eu pretendia expressar. De maneira que quando eu pense rosa, a minha rosa tenha até cheiro, seja tão aveludada em suas pétalas quanto a realidade.”
A paisagem natural era um de seus temas preferidos. Na sala de onde Maria Cristina dá entrevista ao Nonada Jornalismo, duas paisagens pintadas por Miguel decoram as paredes brancas. Uma delas retrata uma cabana de troncos de madeira em frente a uma montanha coberta por neve, em Bariloche, uma das viagens do pintor.
A filha conta que Miguel Barros demorava de dois a três anos para terminar uma obra. “Ele sempre foi muito detalhista. Eu diria até obsessivo”. Lembra que, quando ela começou a pintar, a partir de desenhos de observação, o pai apontava com olhar crítico: “Você desenha muito perfeito esse vaso. Não existe nada perfeito na natureza. Existem as proporções diferentes. Olha direito de onde você estava. Está vendo que não é bem assim como você desenhou?”, costumava dizer.
Foi apenas alguns anos após o nascimento de Maria Cristina em 1956, em São Paulo, que Miguel se mudou sozinho para uma chácara em Mogi das Cruzes (SP), em meados dos anos 1960, onde ficaria até o fim de sua vida em 2011; as razões que o motivaram a sair de São Paulo (SP) ainda são pouco conhecidas. Na chácara, manteve um ateliê, onde chegou a dar aulas. “Ele andava sempre de terno de linho branco. Sempre foi de praticar yoga. Durante muitos anos, foi vegetariano”, conta Maria Cristina sobre o pai.
Resgate histórico
A descoberta da vida de luta do pai foi para Maria Cristina como um ciclo que dá uma volta completa. “Olha que interessante a vida”, diz. Nos últimos cinco anos, atuou como articuladora da área de relações internas no conselho de direção do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, na Comissão de Reparação e Ações Afirmativas que apoia cotistas negros e indígenas nos cursos oferecidos pelo Instituto.

É, inclusive, a presença de pessoas negras na universidade, estimulada pela política de cotas, que possibilita a pesquisa sobre figuras como a de Miguel Barros, como explica a historiadora de arte e curadora Izis Abreu: “Agora vivemos um outro momento da arte brasileira, em que artistas negros começam a ingressar na academia, nas universidades, para fazer cursos de arte, de história da arte. Estamos tendo uma abertura um pouco maior. Ainda temos muito trabalho pela frente, muitas questões a ultrapassar. Há um debate global sobre as narrativas emergentes no campo das artes, o pensamento decolonial e afro diaspórico vem dando mais visibilidade para artistas negros e para as narrativas que não estavam dentro das narrativas hegemônicas.”
Um dos primeiros artigos acadêmicos a discorrer exclusivamente sobre a figura do pintor é de 2019, da autoria de Darlene Vilanova Sabany. Para a disciplina de História da Arte do Rio Grande do Sul, ela precisava fazer algum estudo sobre um artista do território. A primeira ideia de Darlene era ir em busca de uma mulher para analisar, mais especificamente uma mulher negra. Com a pesquisa, percebeu a dificuldade que era encontrar esses nomes nos séculos passados que se distinguiam do cânone branco e masculino. “Eu fui procurar uma mulher negra. E aí, eu descobri que não existia nem mulher branca, contanto mais mulher negra”, diz.

A pesquisa de Darlene mudou de rumo quando ela encontrou uma citação de Miguel Barros – referenciado como pintor das artes plásticas – em um texto do movimento negro do ínicio do século passado em Pelotas, cidade no sul do Rio Grande do Sul: “Eu comecei a procurar na internet aquilo. Quando cheguei para propor para ela [professora] eu tinha três ou quatro linhas. Ela acreditou no meu trabalho e daí eu sai correndo atrás. Em 2018, não existia nada escrito. Procurei no centro de artes, na Secretaria de Cultura de Pelotas, nos museus de arte aqui de Pelotas; ninguém sabia absolutamente nada sobre ele.”
Em sua busca por informações, Darlene foi indicada a pesquisar no Café Aquarius, local que segundo ela reúne principalmente homens de idade mais avançada da cidade de Pelotas. Lá, de boca em boca, foi conhecendo amigos de amigos que poderiam, sim, ter conhecido Miguel Barros. “Um foi me dando informação até que eu cheguei no Seu Monquelat. Ele primeiro me entrevistou, para saber o que eu exatamente queria saber. Daí me disse que tinha três artigos dele [Miguel Barros] de jornal. Que ia me dar. Porque ele pesquisava nos jornais de Pelotas, e principalmente no jornal A Alvorada”.
Miguel Barros chegou a assumir a redação do jornal A Alvorada, semanário organizado por um grupo de intelectuais negros da cidade de Pelotas que veio a servir como porta-voz da Frente Negra Pelotense, da qual o pintor foi um dos fundadores. Foi nas páginas desse jornal que Darlene se deparou com a primeira exposição do pintor em Pelotas.
“Barros, o Mulato”
O fato de ser um artista e ativista do movimento negro, o acompanhou em toda sua trajetória. Prova disso, é o alcunha pelo qual ficou conhecido no meio artístico da época: “Desde criança me chamavam de mulato, lá em Pelotas, onde morei. Eu me perguntava por que esta diferença. Ainda hoje, sei muito bem que negro não tem entrada livre em qualquer lugar. Uma vez estava num baile e me repreenderam por dançar com moças brancas”, disse Miguel em uma entrevista dada para Antônio Hohlfeldt em um jornal não identificável que integra os fragmentos apresentados pelo dossiê do artista no MARGS.
Em resposta ao preconceito, o pintor decidiu por incorporar o termo que tanto o chamavam: “O que é que vou fazer? Resolvi então, pra não me incomodassem, nem eu incomodasse a ninguém, assumir a minha posição. Tem muito gordo xingando magro. Tem muito político xingando político de outro lado, e coisa e tal. Muito bem. eu sou mulato? Então sou Barros, o Mulato. Crie o apelido ou simplesmente aceite-o. Não importa. Todos me conhecem assim.”

No ensaio Reflexões sobre Música e Modernismos Negros, o pesquisador Rafael Galante resgata o discurso de Miguel Barros no 1º Congresso Afro-Brasileiro:
“Muito debatida tem sido a existência ou não do preconceito. Nós que o sentimos, combatemos juntos e principalmente contra o atraso da descendência afro-brasileira. A cada passo, vem contra nós a demonstração chocante da seleção racial. Temos ainda, no Sul, a proibição da entrada em certos lugares públicos, teatros, cafés, barbeiros, colégios etc. Em todas as classes, desde o proletariado, onde no ganha-pão diário se misturam todos os trabalhadores, o preto será esquecido, ou irá para a cozinha em alguma festa que o branco improvisar; até a classe alta, onde o intelectual negro teve de ingressar, contribuindo com seu esforço, para o meio onde vive, afastado de seus irmãos, que como ele também sofrem, párias do cancro preconceituoso.”
Em 1970, o Jornal Folha da Tarde anunciava a terceira exposição de gravuras do artista no centro de Porto Alegre, 22 anos após sua saída da cidade, salvo “rápidas visitas ao estado e sua cidade natal, Pelotas”, como dizia a matéria. Na época da publicação, Miguel já morava na chácara em Mogi das Cruzes . Também já tinha viajado por todo país após um ano de morada em Pernambuco, assim que deixou Pelotas. Sobre as viagens, ele comentou em um jornal de 1967 (não identificável em nossa pesquisa): “para conhecer, antes de tudo, o Brasil, e sentir-se menos estranho em sua terra”.

Outro fragmento que anuncia a exposição de gravuras de Miguel Barros em Porto Alegre, se refere ao pintor como um nome de expressão internacional, já tendo passado pela Argentina, Estados Unidos e inúmeros estados brasileiros. O que chama atenção é a dificuldade de encontrar os trabalhos desse artista, tão bem celebrado em seu tempo, em acervos contemporâneos Hoje, nenhuma instituição ou coleção privada está responsável por salvaguardar sua obra.
Essa ausência pode ajudar a explicar o pouco reconhecimento do pintor na história da arte, que apesar do sucesso comercial, não parece ter conquistado projeção institucional. “As instituições ajudam a calibrar, a dar projeção para a carreira do artista. Então, se o artista não tem obra em um museu de belas artes, ele não terá o mesmo reconhecimento de alguém que tem. Porque, estando numa instituição, aquelas obras serão projetadas, pesquisadas e estudadas com mais facilidade. Então, o nome do artista vai circular com muito mais amplitude”, explica Daniela Kern, professora de História da Arte na UFRGS.
Izis Abreu foi uma das curadoras responsáveis pela exposição Presença Negra no MARGS, de 2022, que trouxe aproximadamente 200 obras de artistas negros gaúchos para o importante museu do estado. Na mostra, não constavam obras de Miguel Barros. “O difícil mesmo é saber onde estão as obras”, diz Izis. “A questão primeira da invisibilização e da ausência de artistas negros e negras nos acervos e no sistema das artes como um todo, tem a ver com a legitimação. Artistas negros não são legitimados, consagrados como grandes artistas por conta do racismo estrutural e institucional. Isso é um acaso que não acontece só com ele [Miguel Barros], mas com artistas negros e negras em geral ao longo da história da arte do Brasil e, principalmente, do Rio Grande do Sul.”
Para Daniela Kern, seria necessário um esforço coletivo para reunir todas as obras do artista. “Como ele tem obras espalhadas pelo país inteiro, teriam que ser feitas chamadas nas redes sociais, nos jornais, em vários lugares, conclamando pessoas que tenham obras dele a mostrarem, a disponibilizarem imagens das obras. É algo super trabalhoso, uma pessoa só não daria conta de fazer tudo isso. E para isso tem que ter interesse das instituições ”.
Darlene reflete sobre como o esquecimento do pintor pelotense pode ser relacionado a sua identificação étnico-racial: “O grande pintor considerado aqui de Pelotas é o Leopoldo Gotuzzo. Se colocarmos as obras do Leopoldo Gotuzzo e as obras dele [Miguel Barros], são muito parecidas. Não tem muita diferença na qualidade”, analisa.
“Sempre quem é levantado o nome é de Gotuzzo. Como é que Pelotas ia ter, como exemplo de um pintor, um pintor negro? Não podia. Então, ele foi simplesmente apagado. As informações que existem até nos livros de arte aqui são todas erradas a respeito dele. ”
O pintor e o teórico
No Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG), em Pelotas, consta um livro de autoria de Miguel Barros, com dedicatória a Leopoldo. Em e-mail ao Nonada, a secretaria do MALG disse não saber a respeito da ligação entre os dois artistas. O livro, de autoria de Miguel, se chama “Teoria sem número”, e a professora Daniela Kern é uma das poucas pessoas com um exemplar em mãos.
“Edição de artista, está escrito na capa. Ele fez uma tiragem pequena, não circulou, não foi distribuído. Então não teve repercussão nenhuma, basicamente. O livro tinha ficado totalmente ostracizado. Ele também era um artista que teorizava, o que não é uma coisa tão comum assim”, comenta a professora, que deu a sorte de encontrar um exemplar do livro em sebo.

Daniela é autora de um artigo sobre o livro, onde analisa as ideias antimodernas de Miguel Barros sobre as artes. Ela explica que o antimoderno, ao invés de apostar em valores de experimentalismo da forma, aposta em valores classicizantes: “certos esquemas, certas tradições, determinados cânones. No terreno da teoria da arte, ele [Miguel Barros] vai muito por esse lado da tradição e não do experimentalismo.” Em entrevista para Antônio Hohlfeldt nos anos 1970, o artista criticou a arte abstrata, considerando-a ininteligível “a todos”.
No entanto, Daniela alerta que algumas obras de Miguel parecem modernas, mas não teve acesso suficiente a elas para poder determinar. A orientação antimoderna de Barros pode também ser resultado das demandas do mercado da época. “Havia muita rejeição ao modernismo no Brasil”, afirma a professora. “A gente teve aquela onda de artistas modernistas nos anos 1900, 1910, um pouco em 1920. Mas, depois da Primeira Guerra Mundial, houve um retrocesso, digamos assim. É o que se chama em história da arte de retorno à ordem. Mesmo o Picasso vai ter uma fase de retorno à ordem. Retorno aos valores clássicos, ao realismo, às cores mais naturalistas. A gente vai ter, nos anos 1930 e nos anos 1940, uma série de artistas que vão participar desse retorno à ordem. Ou seja, era uma coisa que estava acontecendo na época do Barros.”
O senso crítico e analítico de Miguel era notável, assim como suas visões sobre as correntes artísticas que desejava ou não ser associado. “Apesar dele estar enquadrado como modernista, ele não se considerava modernista. Ele questionava muito”, explica o pesquisador Júlio Ribeiro. Ao contrário de Daniela, Júlio não teve a sorte de encontrar algum exemplar de “Teoria sem número”, ainda que tenha buscado.
A história de Miguel com os modernistas leva a um episódio que pode ajudar a entender o sucesso comercial de Miguel Barros na primeira metade do século XX. Em São Paulo, diferente do Sul do país, ele fez sucesso nas galerias, encontrou pares e parece ter se realizado profissionalmente. “Ele ocupa um espaço na Galeria Itapetininga, bota uma livraria lá. Imagina! Para ocupar o espaço ali, você tem que ter dinheiro. Obviamente que ele estava vendendo muito em São Paulo. Parece que ele dividia um espaço com um clube desses modernistas; criaram um clubinho. E esse clubinho só reunia a nata do modernismo ali”, conta o pesquisador Júlio Ribeiro.

O sonho no fim da vida
Até seus 80 e poucos anos, Miguel Barros visitava a filha em São Paulo, sempre acompanhado de sacolas cheias de abacates, mandioca e demais coisas que produzia na chácara. No entanto, após um atropelamento – ainda que tenha se recuperado bem – passou a receber visitas mais frequentes da filha em Mogi das Cruzes, que levava seus filhos para visitarem o avô.
Ela conta que nessa época a casa do pai andava meio caótica: “O telhado estava comido de cupim, então chovia dentro da casa, e ele tinha os quadros acumulados, tudo no chão, tudo espalhado de qualquer jeito. Falei para ele que era uma pena ele deixar os quadros tão mal acondicionados assim. Ele falou, ‘então leve esses aí com você, cuida lá’. Alguns até pendurei aqui em casa, e ele, quando veio, gostou de ver os quadros pendurados.”
Depois da morte do pai, com 98 anos, ficou difícil para a filha retornar à chácara onde Miguel Barros passou boa parte da vida. No dia 6 de setembro de 2024, os vizinhos de trás da chácara ligaram para avisar que um incêndio havia atingido o terreno. Maria Cristina diz que de todas as muitas árvores que circulam a residência, poucas estavam chamuscadas. Da casa, não sobrou nada. “É uma pena, porque ele tinha gravado em metal sobre madeira uma lista de todas as obras dele. Ele tinha cada obra guardada em caixas e aquilo tudo estava catalogado. Eu até pensava em trazer para cá, mas era muita coisa. E isso tudo não sobrou nada”, lastima.
A mãe de Maria Cristina falava para ela que Miguel tinha um sonho de transformar a Chácara em Mogi em um museu, com todas suas obras lá presentes. “Depois que ele morreu, eu perguntei para o advogado do meu pai de que forma a gente poderia transformar aquilo num instituto de arte, alguma coisa nesse sentido. Ele falou que meu pai estava com essa intenção, que fizeram juntos todo o levantamento para transformar esse local num instituto, mas que sairia muito caro”, explica Maria, que desistiu da ideia.
Com o trabalho e todas as responsabilidades e atribuições do dia a dia, resolveu deixar o plano de converter a morada do pai em espaço de arte para o dia em que estivesse aposentada. “Logo que ele morreu, vários amigos dele me ligaram, até pedindo quadros emprestados para exposição de um e de outro, mas eu estava tão chocada com a morte dele, como aconteceu e tudo mais, que eu respondi que ‘quem sabe’, ‘talvez’. Hoje penso que devo isso a ele. Devo recuperar também um pouco dessa história, deste trabalho dele”, conclui a filha.
