A Colônia Cecília e a difícil transição ao amor não-possessivo

Vila anarquista que durou dois anos no Brasil propunha acabar com a família nuclear. Com relações poliândricas e “filhos comunitários” – acreditava-se – os afetos livres destruiriam a fonte das hierarquias e propriedade. A história mostrou que não seria tão fácil…

Imagem: Ruvim
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Por Soleni Biscouto Fressato em A Terra é Redonda

No dia 20 de fevereiro de 1890, saíram de Gênova, no navio Cittá di Roma, os pioneiros fundadores da Colônia Cecília[i]. Eles chegaram ao Rio de Janeiro no dia 18 de março, sendo abrigados na Hospedaria da Ilha das Flores. Uma semana depois partiram rumo ao Rio Grande do Sul, mas dois companheiros sofriam muito com o mal de mar e eles resolveram permanecer em terras paranaenses. O clima úmido e quente de Paranaguá era insuportável, subindo a Serra do Mar, eles resolveram se estabelecer em Palmeira, localizada a 80 km de Curitiba.

Eles vieram sem muitos planos organizativos, aliás essa era a premissa básica: não ter nenhum plano definido. Contudo, não se tratava de uma “aventura”, pois eles estavam bem-informados sobre a geografia, as condições climáticas e os hábitos no domínio da agricultura praticados no país, seguindo o mesmo itinerário de muitos imigrantes italianos, que chegaram em terras brasileiras em fins do século XIX.

Assim, o que os diferenciava do grande contingente dos imigrantes era a busca por uma forma de “convivência social que respondesse da melhor maneira possível às aspirações de liberdade e de justiça”, afirmou o idealizador da colônia, Giovanni Rossi (1891, p. 108). A única premissa era estabelecer-se num país “jovem”, onde os papeis sociais ainda não estivessem solidificados, o que permitiria a implantação de um sistema organizacional alternativo ao capitalista. O Brasil encaixava-se nesses pressupostos e o Sul tinha um clima mais favorável.

Na segunda metade do século XIX, a vida na Itália não era fácil. Alterações climáticas (períodos de seca, invernos rígidos e tempestades de granizo) dificultavam a agricultura, levando a um cenário de miséria, sobretudo nas zonas rurais. Nas sucessivas revoltas e batalhas pela unificação do país, que duraram aproximadamente 50 anos, ocorreram milhares de mortes, tanto de militares, como de civis. Existia uma grande massa de operários que vivia nas cidades e que não era absorvida pelo sistema de fábricas. Além das doenças, como a pelagra e a malária, que se juntavam à fome e ao desemprego. Todos esses elementos convidavam os italianos a construírem uma vida em outro lugar.

Do outro lado do Atlântico, o Brasil, sobretudo o estado do Paraná, era um vasto país a ser colonizado e recebia essas pessoas de braços abertos. Segundo o governo e o pensamento da época, era preciso “melhorar” a população e povoar o vasto território paranaense dominado pela natureza.

De acordo com as historiadoras Etelvina Trindade e Maria Luiza Andreazza (2001, p. 51-2): “Dentre as motivações imigrantistas da Província recém-criada destacou-se, a princípio, a baixíssima densidade demográfica. A esse respeito é ilustrativo o fato de que, ainda no final do século XIX, Cândido Ferreira de Abreu alertasse: “É preciso cuidar-se seriamente em aumentar a densidade de nossa população. De que servem vastos territórios onde imperam despoticamente animais ferozes e servem de passeio temporário ao erradio aborígene?” Definitivamente, a elite provincial excluía de seus planos povoadores o concurso da população indígena, nutrindo, assim como as demais Províncias, a certeza de que a imigração europeia era o único caminho para a regeneração do povo brasileiro, considerando-a “fator étnico de primeira ordem, destinada a tonificar o organismo nacional abastardado por vícios de origem e pelo contato que teve com a escravidão”.

Cândido Ferreira de Abreu era um político influente no final do século XIX e seus discursos sempre enalteceram as características “civilizatórias” do europeu: branco, inteligente e trabalhador; em detrimento dos “selvagens” da terra (indígenas, pretos e pardos). Trata-se de um discurso datado, comum a vários políticos e intelectuais da época, de várias províncias do país, condizente com a ideologia da classe dominante e colonizadora, o que não diminui seu caráter racista, classista e preconceituoso.

Além disso, a imigração tornou-se um bom negócio para uma pequena burguesia, brasileira e italiana, que passou a divulgar (em folhetos, manuais, romances e folhetins), uma imagem idealizada do Brasil, como um lugar de grandes possibilidades, onde haveria terra e trabalho para todos, incentivando as pessoas a imigrarem.

Para os jovens idealistas da Colônia Cecília, a viagem foi difícil: espasmos estomacais, vômitos, comida ruim, vinho azedo e, sobretudo, o tédio e a monotonia das grandes embarcações. Nesse contexto, a melhor paisagem que poderiam ter visto, foi a da baía do Rio de Janeiro, que encantou a todos (Rossi, 1891, p. 112).

Esse pequeno grupo teve acesso à política do governo brasileiro para a instalação de imigrantes no país: “facilidades” na compra de propriedade e a possibilidade de trabalhar em serviços do governo, o mais comum era a abertura de estradas.

Essas duas práticas, que a princípio possuíam uma fisionomia de facilitar a permanência do imigrante em terras brasileiras, os deixavam endividados por um longo período, pois, durante a preparação do solo para o plantio e de produção apenas para o sustento, as dívidas cresciam de forma gigantesca e impagável. Com relação à abertura de estradas, além de ser um trabalho árduo de várias horas diárias, a alimentação era precária, o salário era muito baixo e comumente não o recebiam.

E as dificuldades continuaram. Aqueles idealistas que chegaram ao Paraná se depararam com um terreno recoberto de grandes árvores nativas que precisavam ser derrubadas, para só depois o solo ser preparado e plantado. Além disso, todos eles eram pessoas do meio urbano, jamais tinham se envolvido com o trabalho agrícola, eram, sobretudo, ativistas políticos, pessoas que se dedicavam mais à cultura do espírito do que à da terra. Apesar dos reveses, a vida livre e integrada os motivava a prosseguir. A cozinha transformou-se num espaço de socialização, onde as refeições eram partilhadas por todos.

Em 1891, após o retorno de Giovanni Rossi à Itália propagandeando a Cecília, algumas famílias com experiência no trabalho do campo chegaram à colônia. Apesar da produtividade ter aumentado, a fome e a miséria eram constantes, a colônia nunca conseguiu produzir o suficiente para manter seus habitantes. A pobreza germinou o egoísmo e a hierarquia, tão fortemente combatida pelo ideário anarquista que acompanhava os fundadores. As famílias mais integradas ao trabalho agrícola, que vieram na segunda etapa da colônia, acreditavam que trabalhavam e produziam mais do que os outros, por isso teriam mais direitos e armazenavam a comida, para não partilhar com aqueles “que trabalhavam menos”.

Da apropriação do produto coletivo para a propriedade privada foi um passo. Em seu texto de 1893, Comunidade anarquista experimental, Giovanni Rossi destacou a emergência de um “egoísmo camponês” que separou as famílias de base agrícola, daquelas que estavam mais integradas aos afazeres citadinos, fazendo surgir uma verdadeira clivagem dentro da colônia. A cozinha, de espaço de socialização, transformou-se num ambiente de fofocas, teimosias e ressentimentos. No campo, os que trabalhavam mais reclamavam dos que trabalhavam menos. Nas oficinas, muitas rivalidades. Entre as famílias, o egoísmo.

Em todos os lugares, um certo descontentamento, desconfiança e agressividade. Comportamentos adquiridos na sociedade burguesa, que, para Giovanni Rossi ([1893]2000, p. 77), têm por base “o egocentrismo, a violência, a simulação, a avareza, a prodigalidade, todos os setenta pecados capitais”. Apesar de tantas divergências, nunca uma disputa terminou de forma violenta.

A Cecília, enquanto um experimento anarquista, não tinha chefes nem regulamentos. Tudo era discutido, tudo era votado e cada qual fazia o que queria ou o que tinha mais habilidade, mas sempre visando a boa existência coletiva. Um não se destacava sobre os outros, todos representavam a colônia, a hierarquia era recusada e tudo o que lembrasse a estrutura social burguesa era rejeitado.

Segundo Giovanni Rossi ([1893]2000, p. 69): “Não foi estipulado nenhum pacto, nem verbal nem escrito. Nenhum regulamento, nenhum horário, nenhum encargo social, nenhuma delegação de poderes, nenhuma norma fixa de vida ou de trabalho. Uma voz qualquer acordava os outros, as necessidades técnicas do trabalho, visíveis a todos, nos chamavam à obra, à qual nos entregávamos ora divididos, ora reunidos; a fome nos chamava à mesa; o sono, ao descanso”.

Foi essa “falta de organização” que assustou muitos imigrantes que frequentaram a Cecília, pois mesmo sendo camponeses, já estavam integrados à lógica capitalista da produtividade, do acúmulo e da hierarquia.

A curta existência da Cecília foi marcada por algumas datas, que identificam alguns períodos de sua história. O primeiro, entre abril de 1890 e janeiro de 1891, compreende o período entre o estabelecimento do grupo de pioneiros até a chegada de várias famílias vindas de diversas regiões da Itália, que entraram em atrito com os primeiros habitantes, devido às diferentes disposições para o trabalho.

O segundo período iniciou em janeiro de 1891 e se estendeu até junho do mesmo ano, quando sete famílias resolveram abandonar a colônia, levando consigo os poucos animais de criação. Nesse curto período, a Cecília chegou a ter entre 150 e 200 moradores, provavelmente o maior contingente populacional de toda a sua história. Essa aglomeração repentina foi reconhecida, pelo próprio Giovanni Rossi, como um “desastre” para a comunidade, não apenas pelo excesso de pessoas, mas pelo “grotesco sistema de referendum” que vigorou, obrigando as pessoas a perderem muito tempo em assembleias inúteis, com pouca resolução efetiva dos problemas.

O terceiro período se iniciou logo em seguida, em junho de 1891, com a chegada de sete jovens idealistas[ii], com o retorno de Rossi da Itália e o regresso de quatro famílias que haviam abandonado a colônia anteriormente. Em novembro de 1891, iniciou-se o quarto período, quando a Cecília recebeu vários grupos de famílias, em dois grupos sucessivos, da região de Parma. Essas famílias possuíam conhecimento de técnicas agrícolas e trouxeram vários instrumentos de trabalho, contudo eles deixaram o ambiente quase insuportável, pois, além de quererem imprimir um ritmo burguês de trabalho, eram muito católicos.

Em maio de 1892, a colônia estava novamente deserta, não contando com mais de 40 pessoas. Em novembro de 1892, iniciou-se o quinto e último período da Cecília, que se estendeu até maio de 1893, quando Giovanni Rossi resolveu abandonar definitivamente seu projeto experimental. Foi nesse período que a colônia foi habitada por algumas famílias dedicadas à fabricação de calçados e barris, iniciando uma pequena produção manufatureira. Também foi nessa última fase que chegaram Adele e Annibale, com quem Rossi e Jean Géléac irão relacionar-se de forma poliândrica.

O fim da Cecília está associado a uma série de fatores: a miséria, o excesso de trabalho, as discórdias e rivalidades internas, a dificuldade de relacionamento com outras colônias mais católicas, a imagem negativa divulgada pela imprensa curitibana (após o suposto envolvimento de alguns colonos num furto), a dificuldade de colocar em prática os princípios socialistas, a heterogeneidade de pessoas com relação ao projeto político (muitas não eram adeptos dos ideais libertários) e o ingresso de muitos de seus integrantes nas fileiras dos federalistas, durante a revolução homônima que ocorreu nos estados do sul (1893-1895).

Em 1894, um grupo de colonos de uma ou mais famílias[iii] resgatou as terras da Cecília, assumindo as responsabilidades junto à Província do Paraná. Contudo, para Rossi ([1893]2000), a experiência foi um sucesso, pois provou que as pessoas podiam organizar-se para viver de forma participativa, sem hierarquia, lei ou autoridade, na base do trabalho voluntário guiado pelo bom senso.

“A mulher emancipada economicamente poderá, por conta própria, emancipar-se dos preconceitos morais, da despótica supremacia masculina?”, essa provocativa questão já dominava e inquietava o espírito de Giovanni Rossi ([1893a]2000, p. 125) em fins do século XIX, quando escreveu Um episódio de amor na colônia Cecília,[iv] texto chave para compreensão do seu pensamento sobre o amor livre, a emancipação da mulher e o fim da família nuclear patriarcal.

Para Giovanni Rossi ([1893a]2000), o fim da hierarquia nas relações pessoais e familiares colocaria a sociedade capitalista em xeque e poderia promover a formação de uma sociedade mais igualitária. No centro de todo esse processo estaria a atuação da mulher, considerada o elemento fundante de sociedades socialistas anarquistas, revelando que as lutas pela emancipação feminina eram (e talvez ainda sejam) interdependentes aos combates pela formação de uma sociedade mais justa e digna.

Um dos alicerces dessa nova sociedade seria o amor livre, ou seja, o relacionamento múltiplo e paralelo. Para Giovanni Rossi ([1893a]2000), a pluralidade dos afetos, amar várias pessoas ao mesmo tempo não seria vulgaridade, nem promiscuidade, mas a expressão de afetividade e liberdade, enfim, uma necessidade da condição humana. A base de tais relações múltiplas seria o amor e o respeito.

À frente de seu tempo, Giovanni Rossi ([1893a]2000, p.126) estimou, acertadamente, que as relações afetivas e as lutas pela emancipação da mulher seriam questões que emergiriam com força no século XX: “ou os homens aceitarão renunciar à mulher como uma coisa que se possui, para tê-la como amiga livre nas mutáveis situações da vida livre, ou as mulheres, que não podem mais aceitar a condição baixa de animais agradáveis e benignos, terão que se preparar para enfrentar esta última batalha”. A liberdade sexual das mulheres levaria à sua emancipação completa (econômica, política e social).

Se, como explica Federici (2019), o domínio dos corpos das mulheres, sobretudo de sua capacidade de ter filhos, foi fator fundamental na acumulação primitiva do capital, a sua libertação pode estar na base de uma nova organização social, mais justa, igualitária e solidária, como estimou Giovanni Rossi ([1893a]2000).

O objetivo da mudança no comportamento sexual feminino era destruir a exclusividade da figura paterna e o seu poder social, uma vez que os nascidos de relações múltiplas teriam o estatuto de filhos comunitários. Com essa ideia, Giovanni Rossi ([1893a]2000) acreditava que as famílias deixariam se ser mesquinhas, com atitudes de proteção apenas para os seus, e pensariam mais no coletivo.

Para o pensador anarquista, a família nuclear era fonte de imoralidade, de maldade e de ignorância, espaço ideal para as crianças aprenderem e perpetuarem os comportamentos estúpidos e mesquinhos dos pais, por isso era necessário destruí-la: “se me fosse permitido escolher destruir um dos grandes flagelos humanos – a religião ou os gafanhotos, a propriedade privada ou o cólera, a guerra ou os mosquitos, o governo ou as chuvas de pedra, os parlamentos ou as fistulas, a pátria ou a malária -, eu escolheria, sem hesitar, destruir a família” (Rossi, [1893a] 2000, p. 121).

A crítica de Giovanni Rossi ([1893a]2000) está direcionada à família enquanto uma instituição burguesa, que pretende regulamentar aquilo que por essência é livre, as relações amorosas. Tentar regular os desejos humanos, desenvolvendo sentimentos de propriedade, seria atrofiar e encarcerar a sensibilidade e estaria vinculado ao enriquecimento material e à perpetuação da riqueza.

A família nuclear, assim, era considerada a base da propriedade privada e, por consequência, do sistema capitalista, configurando-se como uma pequena sociedade autoritária. Somente o extermínio da família patriarcal-monogâmica prepararia o terreno para o triunfo dos ideais anarquistas, para a realização efetiva do sentimento de solidariedade e para a superação de sentimentos exclusivistas de posse.

Giovanni Rossi ([1893a]2000) reconhecia que emancipar as mulheres e destruir a família nuclear patriarcal não eram tarefas fáceis. Antes, seria necessária uma transformação da mentalidade das pessoas, que deveriam, primeiramente, assumir um posicionamento crítico e questionador de aspectos culturais e de seu modo de vida.

Apenas depois que estivessem conscientes da dominação e da opressão, seriam capazes de buscar a liberdade. Por isso, a importância das comunidades experimentais, que seriam o espaço ideal para a mudança da mentalidade das pessoas.

Além do importante papel político e social da emancipação das mulheres para a formação de sociedades socialistas, na Colônia Cecília essa mudança tinha uma função prática. Pelo grande número de homens solteiros que viviam na Cecília, a emancipação da mulher e a prática do amor livre se configurava como uma forma de solucionar os problemas de abstinência sexual, que não raro se transformavam em problemas sociais.

As ideias de Giovanni Rossi não ficaram restritas às palavras. Na Cecília ele viveu a experiência com o casal Adele[v] e Annibale e um outro solteiro, o bretão Jean Géléac. O casal de anarquistas chegou na Cecília em fins de 1892, um tanto quanto desiludido e desesperançado com as informações que recebeu de algumas pessoas que já haviam abandonado a colônia, insatisfeitas com os ideais que a orientavam.

Giovanni Rossi havia conhecido Adele um ano antes, na Itália, quando havia feito uma conferência sobre o amor livre. Annibale era um anarquista por convicção, que tanto na Itália como na Cecília, lutou em defesa dos ideais libertários. Jean foi mencionado numa das cartas de Amilcare Cappellaro (1892), ao jornal La Révolte, como um dos sete jovens que trouxe novo fôlego ao projeto da Cecília e numa correspondência de Rossi a Alfred Sanftleben.

Nessa carta, Giovanni Rossi explica que omitiu o nome de Jean Géléac como o terceiro homem da poliandria, devido aos ciúmes de Annibale, que não conseguiu superar seu preconceito e sentimento de exclusividade, vivendo a experiência com grande sofrimento.

Mesmo que a experiência da poliandria não tenha se passado como Giovanni Rossi de fato queria, ela teve alguns resultados imediatos para a vida na Cecília. Inspirada em Adele, uma camponesa, casada a 18 anos e mãe de cinco filhos, também viveu a experiência do amor livre, que foi recebida com entusiasmo por Rossi ([1893a]2000, p. 127): “agrada-me poder acrescentar que a iniciativa do beijo amorfista, narrado neste texto, foi recentemente imitada por outra corajosa mulher. Este segundo caso é mais significativo do que o primeiro, pelo fato de a heroína ter saído há apenas dois anos das incultas classes agrícolas da Itália. (…) sentindo crescer um novo afeto ao lado do mais antigo, teve a nobreza de confessá-lo ao pai de seus filhos (…), o seu companheiro virou heroicamente o cálice amargo e nos relatou em viva voz a notícia do feliz acontecimento. Todos nos alegramos com ele, pela força de animo com que soube cumprir o seu dever, e com sua mulher, por seu espírito de independência e lealdade. É mais um passo seguro da Colônia Cecília contra os preconceitos e rumo ao seu radiante futuro”.

Apesar dessas palavras de ânimo, que parecem acenar para uma existência duradoura da Cecília, alguns meses depois Giovanni Rossi mudou-se para Taquari e no ano seguinte, 1894, a colônia, como experiência anarquista, não existia mais.

O perfil positivista de Giovanni Rossi interpretou o episódio da poliandria como um experimento científico, como já havia feito com a colônia. Ele chegou a entregar um questionário para Adele e outro para Annibale, com o intuito de especular sobre seus sentimentos e melhor refletir sobre a experiência, desprezando, de certa forma, toda a subjetividade que envolvia a relação, impossível de ser expressa no sistema perguntas-respostas objetivas, como Giovanni Rossi propôs.

Soleni Biscouto Fressato é doutora em ciências sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Autora, entre outros livros, de Novelas, espelho mágico da vida (Perspectiva). [https://amzn.to/3BQnzXR]

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