Antidepressivos na gravidez: quais os riscos?
Uso (e abuso) de drogas psiquiátricas se torna cada vez mais comum. Mas é preciso estar atento aos efeitos adversos que podem causar. Obstetra-ginecologista chama atenção para estudos que os associam a problemas na gestação e no desenvolvimento infantil
Publicado 05/11/2025 às 16:43 - Atualizado 06/11/2025 às 09:16
Uma consequência do aumento dos problemas de sofrimento psíquico nos últimos anos foi a disseminação veloz do uso de medicamentos antidepressivos e antipsicóticos nas sociedades contemporâneas. Em meio ao que diversos estudiosos interpretam como uma tendência de hipermedicalização da saúde mental, se torna cada vez mais importante entender os riscos relacionados ao uso – e ao abuso – desses fármacos. Um dos grupos que deve ter especial cuidado são as mulheres grávidas ou que desejam engravidar, chama atenção o obstetra-ginecologista e pesquisador estadunidense Adam Urato, formado na Universidade de Harvard.
O médico norte-americano esteve no Brasil para participar do 9º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, ocorrido entre 30 e 31 de outubro no campus Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro (RJ). O evento foi promovido pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/Fiocruz) e pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE/Fiocruz).
Atualmente, uma parte importante dos medicamentos antidepressivos mais utilizados fazem parte da classe dos Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS). Em sua participação na mesa “Quais são as evidências no uso de antidepressivos na gravidez” (assista aqui), o médico estadunidense explica que este neurotransmissor, a serotonina, cumpre um papel importante no desenvolvimento fetal.
Nesse sentido, estudos recentes apresentados por Urato em sua exposição, realizados tanto em humanos quanto animais, sugerem correlações entre alterações nos níveis de serotonina causadas pelo uso desses remédios e problemas como aborto espontâneo, defeitos congênitos, baixo peso ao nascer e nascimento prematuro – além de possíveis efeitos de longo prazo para as crianças. Já no que se refere às mães, observam-se mais casos de pré-eclâmpsia e hemorragia pós-parto.
Em entrevista concedida conjuntamente a Outra Saúde e ao portal Mad in Brasil, o obstetra defende que “dar informação” é um papel essencial dos profissionais de saúde. “Não quero que nenhuma mãe sinta vergonha de estar com depressão, ansiedade ou tomando medicamentos, mas todas precisam saber dos efeitos”, completa. Por isso, dedica-se a difundir os resultados dessas pesquisas clínicas – e solicitar às autoridades sanitárias de seu país que as bulas dos medicamentos sejam mais claras quanto a seus riscos.
Leia, a seguir, a íntegra da entrevista com o obstetra-ginecologista e pesquisador estadunidense Adam Urato. Não deixe também de conferir sua apresentação no Seminário, para ouvir em primeira mão as observações do médico e saber mais sobre os estudos que cita.
Que evidências existem na literatura científica sobre os riscos do uso de antidepressivos durante a gravidez? Como esses medicamentos podem afetar mães e bebês?
Para entender as evidências científicas sobre esse assunto, precisamos conferir as pesquisas de base, que mostram que esses medicamentos têm importantes efeitos sobre os neurônios e o cérebro. Quando fazemos testes clínicos com animais – como ratos, coelhos e outras espécies de mamíferos –, vemos que eles estão associados a problemas na gravidez, por exemplo.
Já em estudos com humanos, vemos um aumento das taxas de aborto espontâneo, defeitos congênitos, partos prematuros e baixo peso ao nascer. Nas mães, cresce a ocorrência da pré-eclâmpsia, que é uma complicação perigosa, e da hemorragia pós-parto. Essas duas condições são causas muito frequentes de mortalidade materna.
Quando as mães tomam esses medicamentos durante a gravidez, também observamos problemas com os bebês no período imediatamente após o nascimento. Choro constante, hipotermia, hipoglicemia. Uma porcentagem maior deles vai parar na UTI. Quando crescem, as evidências científicas até o momento indicam que estão sob maior risco de depressão, ansiedade e problemas psicossociais. Nos animais, as pesquisas mostram também uma tendência a terem problemas sexuais – mas não há evidências disso em seres humanos.
O que as mulheres grávidas, ou que querem engravidar, precisam saber sobre os riscos do uso de antidepressivos na gravidez? Como um médico clínico pode atuar nesses casos?
Primeiramente, costumo dizer às pessoas que vou apoiar o que elas decidirem, meu papel essencial é dar informação. Não quero que nenhuma mãe sinta vergonha de estar com depressão, ansiedade ou tomando medicamentos, mas todas precisam saber dos efeitos.
Quando falo com uma paciente sobre isso, conversamos sobre muitas coisas: há quanto tempo está deprimida, há quanto tempo está tomando esses medicamentos. Também revisamos juntos os riscos e os benefícios para mãe e bebê – ainda que a literatura científica não mostre muitos benefícios em continuar tomando-os. O principal para uma mãe grávida é evitar a abstinência, porque os efeitos dela podem ser muito fortes com os ISRSs [tipo mais comum de antidepressivos], especialmente para as mães. É algo que é melhor evitar durante a gravidez.
A mulher deve avaliar esses elementos. Se ela se sente tranquila de interromper a medicação, é melhor, para que a substância que oferece riscos não esteja no corpo da mãe e do bebê. Mas se ela se sente melhor com o medicamento, algumas continuam, para evitar a abstinência. Minha experiência é que, quando temos essa conversa já durante a gravidez, 60% das pacientes continuam tomando. Quando temos essa conversa antes, 50% continua e 50% interrompe.
Você acha que existe uma consciência na população sobre os riscos desses medicamentos? E o que você pensa sobre as alternativas à medicalização?
Muitas pessoas não sabem, ou pelo menos não entendem, que os medicamentos são produtos químicos que podem ter efeitos colaterais. A indústria farmacêutica passa essa ideia enganosa de que os medicamentos só podem ter bons resultados em nós, seja qual for a situação.
Outros recursos também podem ajudar as pessoas e sua saúde mental, como a psicoterapia, a prática de exercícios, a terapia em grupo, ou mesmo mudar de emprego e melhorar seu relacionamento. Isso tudo pode ajudar qualquer um, mas especialmente as mães grávidas, para que não precisem tomar antidepressivos que oferecem riscos a si e ao bebê.
Quando dizemos que as pessoas têm um desequilíbrio químico no cérebro e precisam obrigatoriamente tomar um medicamento, estamos dizendo que elas estão “quebradas” por dentro. Não é bom para um ser humano pensar que ele tem um defeito imutável. É melhor entender que podemos mudar aspectos de nossa vida para melhorá-la.
Você é médico há mais de vinte anos. Como você passou a se interessar pela ação de antidepressivos em mulheres grávidas?
Sou obstetra e, com o passar da minha carreira, tenho visto cada vez mais pacientes tomando medicamentos antidepressivos e antipsicóticos. Para melhor aconselhar as mães com quem falo todos os dias, e ajudá-las a avaliar os riscos, benefícios e alternativas, tive que estudar o assunto. Quanto mais estudo, mais descubro que as mães não estão sendo corretamente informadas, e quero informar melhor as pacientes e o público sobre esse tema.
É a primeira vez que você vem ao Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, realizado anualmente na Fiocruz. Conte um pouco sobre suas impressões.
É uma conferência muito importante e também muito impressionante. No nosso mundo de hoje, muitas pessoas estão sofrendo, estão com depressão, ansiedade e outros problemas. Temos que decidir se vamos usar medicamentos ou outras ferramentas para responder a esse cenário. Sempre insisto que não podemos esquecer que os medicamentos são produtos químicos que possuem efeitos, e é preciso conhecê-los – e, no caso da minha especialidade, conhecer seus efeitos nas mulheres grávidas e em seus bebês.
Fico muito feliz de vir aqui e ver muitas pessoas falando sobre o sofrimento das pessoas e como vamos tratá-las. É essencial pensar diferente sobre esses assuntos, não simplesmente achar que vamos usar medicamentos para tudo e durante toda a vida das pessoas. É muito bom estar em um espaço que discute a desmedicalização, as alternativas, o papel do trabalho e da família, a importância de discutir isso com os próprios pacientes.
Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, seja nosso apoiador e fortaleça o jornalismo crítico: apoia.se/outraspalavras

