Troca de dívidas por cirurgias: “uma mistura de ProUni com Desenrola”

Haddad e Padilha explicam como Estado abaterá passivos do setor privado com SUS para agilizar fila dos atendimentos especializados

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Foi com essa definição que Fernando Haddad sintetizou a engenharia financeira que dá lastro ao Agora Tem Especialistas, a mais ambiciosa iniciativa de Alexandre Padilha à frente do Ministério da Saúde (MS).

O programa que visa virtualmente zerar a fila de cirurgias do SUS já conta com ao menos dez atos administrativos do governo federal entre a Medida Provisória que o instituiu, decretos e portarias.

Em entrevista coletiva na tarde desta terça, Padilha e Haddad dividiram o protagonismo na explicação dos mecanismos financeiros de troca de dívidas dos 3.537 hospitais que constam no cadastro de serviços privados de saúde endividados com o Estado.

“Elas respondem por R$ 34 bilhões em dívidas inscritas. Não tem como todas pagarem, muitas dependem de doações. A iniciativa vai na direção correta de fortalecer um SUS que ainda atravessa um quadro pós-pandêmico que inspira cuidados. Isso pra não falar de um subfinanciamento crônico; o Sistema é universal, mas não tem um orçamento compatível”, sintetizou Haddad.

Além dos ministros, estava presente Anelize Almeida, técnica do Ministério da Fazenda, considerada uma das arquitetas deste modelo de financiamento encontrado pelo governo. “Boa parte desta dívida o Estado não considera ativo, porque não há capacidade real de pagamento”, afirmou.

Na semana que vem, o governo fará nova coletiva para explicar a parte do Agora Tem Especialistas que contará com participação de seguros e planos de saúde, isto é, o setor privado comercial. Ontem, os anúncios tinham foco nas entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, a exemplo das Santas Casas. Hospitais privados sem dívidas também estão dentro do escopo do programa e podem ser contratados para prestar serviços ao SUS.

Ao longo da coletiva, os ministros falaram que os créditos serão da ordem de R$ 2 bilhões anuais, valor considerado à altura da demanda esperada. O objetivo é dar início aos encaminhamentos a partir de agosto e os procedimentos realizados num ano terão seus créditos contabilizados no ano seguinte.

Para agilizar o programa, o governo declarou emergência em saúde por 24 meses, extensíveis por outros 12. Para Padilha, o programa também é um trampolim para integração de dados de saúde de estados e municípios, uma vez que o governo fará pagamentos únicos por procedimentos, que terão de ser informados por cada cidade ou município interessado em realizá-lo.

“Agora teremos um painel de monitoramento, que permitirá responder de forma mais precisa a fila. (O tamanho da fila) é a informação que todo dia eu quero saber. É uma característica estruturante do programa”.

Na coletiva, Padilha também afirmou que o programa praticamente põe fim à antiga Tabela SUS, o que significa reajuste no preço dos procedimentos especializados. Ao responder sobre o motivo de o Estado não colocar o dinheiro diretamente na atenção especializada do SUS, destacou que no curto prazo não é possível realizar o programa sem a compra de serviços no setor privado, onde estão 90% (cerca de 20% em caráter exclusivo) dos profissionais especialistas.

Francisco Funcia, economista e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), é otimista com a iniciativa, mas reitera os alertas sobre injustiças financeiras e tributárias: “É preciso agora regulamentar as condições dessa operação, o que envolve desde a tabela de preços desses serviços até os processos de monitoramento, fiscalização e auditoria dessas operações. Nessa regulamentação precisa ficar explicitado que se trata de uma medida temporária tanto para ampliar a capacidade de atendimento da saúde da população, como para estimular o pagamento das dívidas tributárias pelos contribuintes”.

Presente à coletiva, Luis Fernando Silva, presidente da Federação Brasileira de Hospitais, disse que “o esforço do governo contribui com os pequenos e médios hospitais, os mais sensíveis à carga tributária e com dificuldade de manter seu equilíbrio”.

O governo calcula uma perda máxima de arrecadação de R$ 750 milhões, a partir da modalidade de renúncia fiscal via abatimento de débitos. Já os R$ 2 bilhões anuais são recursos extraorçamentários da pasta, oriundos do Proadi-SUS, programa de parceria do MS com esses hospitais, que oferece isenções tributárias a partir de ações de pesquisa, desenvolvimento, capacitação, gestão e ampliação de acesso.

Foto: Rafael Nascimento / Ministério da Saúde

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