Seminário SUS 35 Anos: Desigualdades na Atenção à Saúde

Mesa sobre desigualdades na saúde abre o Seminário 35 anos do SUS tratando de temas diversos que demonstram os desafios do nosso sistema de saúde e chamam para a necessidade de novas ações

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Teve início ontem (18), na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o Seminário SUS 35 Anos, organizado pelo Outra Saúde em conjunto com o Instituto Walter Leser, a Fundacentro e a o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Santa Casa de São Paulo. Construído para não só celebrar os 35 anos de nosso sistema de saúde, mas para, sobretudo, pensar seu futuro, o evento foi aberto com a mesa “Desigualdades na Atenção à Saúde”.

A professora da FMUSP Márcia Couto abriu as discussões tratando de seu tema de pesquisa: a hesitação vacinal.  Sobre isso, Márcia destacou as desigualdades e paradoxos acerca da cobertura vacinal, sobretudo a infantil. Historicamente, as campanhas antivacinas sempre estiveram relacionadas aos estratos mais baixos da sociedade brasileira. Contudo, desde 2012 – depois de longos anos de maior investimento na saúde pública –, a maior cobertura vacinal está justamente entre as populações de baixa renda, que continua participando de campanhas de vacinação até mesmo em períodos de repressão, como na ditadura militar. Para a professora, isso leva a uma questão paradigmática, sobre a qual os movimentos de saúde precisam se debruçar: a relação entre promoção do acesso a imunizantes e a maior aceitabilidade das vacinas.

Em seguida, o quilombola e membro do CONAQ Mateus Brito chama atenção a uma perspectiva ainda escassamente debatida: a de que o SUS é, também, uma conquista quilombola, que possibilitou essas comunidades a sobreviver frente a um racismo institucional que as colocou frente a uma realidade violenta e de mortes evitáveis. Mesmo com avanços, Mateus lembra que é preciso levar em conta que, por vivermos em uma sociedade com bases coloniais e racista, o SUS, enquanto uma de suas instituições, também foi estruturado a partir destas mesmas. “Olhar para o futuro do SUS é olhar para as desigualdades que devem ser enfrentadas, que atingem, principalmente, as populações mais vitimadas, que são as negras e indígenas”, diz ele. Neste contexto, Mateus não só explicita a urgência da criação da Política Nacional de Saúde Integral da População Quilombola (PNASQ), como elenca quatro principais dilemas a serem enfrentados para que o SUS passe a ter, de fato, a cara do povo brasileiro.

Luana Alves, psicóloga e vereadora de São Paulo pelo Psol, começou sua fala lembrando que o SUS, “muito mais processo do que coisa”, está e requer constante movimento. Isso significa tanto que ele é objeto de disputa política, quanto que acabar com as desigualdades na saúde requer ação. Neste contexto, se nosso sistema de saúde será, de fato, um redutor de desigualdades irá depender de como ele é pautado e estruturado, inclusive pelos próprios profissionais de saúde. Luana explica que, nas cidades pequenas, a atenção às desigualdades na saúde nem sequer existe, pois, uma vez que nelas a pasta é definida por parlamentares através de emendas muitas vezes maiores do que o próprio orçamento municipal, o SUS acaba tornando-se um mecanismo de propagação de poder da elite econômica.

Por fim, Rachel Gouveia, professora da UFRJ e ativista antimanicomial, ressalta a importância da compreensão da interseccionalidade, oriunda de bases de movimentos negros, para pensar as desigualdades na Atenção à Saúde e a própria reconstrução do nosso sistema de saúde. Estabelecendo as questões raciais como a espinha dorsal da construção do SUS, Rachel explica que as desigualdades na saúde e a questão interseccional já começam na própria divisão social, sexual e racial do trabalho sanitário, que determinou, por exemplo, que profissões relacionadas ao cuidado fossem relegadas a mulheres pretas e periféricas. “Esses dados também falam sobre hierarquização e dificuldades presentes no SUS”, lembra a professora. Para Rachel, construir um SUS antirracista é, antes de tudo, sobre resgatar práticas e saberes da medicina tradicional que sofreram um apagamento a partir da medicina tradicional – de bases coloniais e racistas.

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