Seminário examina epidemia das drogas psiquiátricas
O uso de antidepressivos e antipsicóticos realmente ajuda a tratar o sofrimento psíquico? Evento na Fiocruz expõe dados que sugerem o contrário, evidencia os riscos destes fármacos e indica a necessidade de sondar práticas e cuidados desmedicalizantes
Publicado 31/10/2025 às 08:16 - Atualizado 31/10/2025 às 11:07

Com o tema “O que são evidências na psiquiatria e como construir práticas e cuidados desmedicalizantes”, a nona edição do Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas teve início nesta quinta-feira (30), na Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). O evento é realizado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/Fiocruz) e pelo Centro de Estuos Estratégicos da Fiocruz (CEE/Fiocruz).
A explosão do uso desses remédios tem gerado lucros enormes e crescentes para a indústria farmacêutica. Isso decorre, em parte, de eles serem vistos como único tratamento possível para o sofrimento psíquico. No entanto, a possibilidade de construir alternativas à medicalização vem se tornando objeto de debates cada vez mais aprofundados.
Na mesa redonda da manhã (confira a gravação aqui), o jornalista estadunidense Robert Whitaker, editor do portal Mad in America e autor do livro Anatomia de uma Epidemia (Editora Fiocruz, 2017), analisou as evidências sobre os efeitos de curto e longo prazo do uso de medicamentos antidepressivos e antipsicóticos.
Whitaker apresentou uma série de estudos clínicos e epidemiológicos que observaram os efeitos da utilização desses fármacos. Os resultados das pesquisas expostas pelo autor, inclusive as promovidas pela própria indústria farmacêutica, sugerem que esses medicamentos “não proporcionam um benefício clinicamente significativo a curto prazo” e “pioram o curso a longo prazo da depressão e dos transtornos psicóticos”.
Já na mesa da tarde (disponível neste link), o biólogo e professor da UERJ Marcos Ferraz e o ginecologista-obstetra estadunidense Adam Urato debateram os riscos do uso de antidepressivos na gravidez, com base em estudos contemporâneos.
Ferraz destacou que a literatura científica vem questionando a teoria monoaminérgica da depressão, que propõe que o transtorno mental é causado pela diminuição dos níveis de neurotransmissores como a serotonina e a dopamina. Atualmente, uma grande parte dos medicamentos antidepressivos são Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS), servindo para aumentar o nível dessa substância no cérebro.
Já Urato avaliou que, como a serotonina “desempenha um papel fundamental no desenvolvimento fetal”, a perturbação de seu sistema pelos ISRS pode causar alterações significativas na criança. O médico norte-americano indicou pesquisas realizadas em animais e humanos, que sugerem uma correlação da utilização desses fármacos com abortos espontâneos, defeitos congênitos e nascimento prematuro. No entanto, ainda são necessários estudos mais conclusivos.
Na abertura, o coordenador do Seminário e pesquisador sênior da Fiocruz Paulo Amarante lamentou o caráter “desastroso” da política antidrogas do Estado, que levou a um massacre no Rio de Janeiro, cidade que sedia o evento. Também participou da abertura Marcelo Kimati, diretor do Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde. Em breve, você poderá conferir entrevista de Kimati em Outra Saúde.
Confira também o vídeo do portal Mad in Brasil, resumindo o primeiro dia de atividades do Seminário.
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