Saúde privada: como funciona o oligopólio total

Autor de pesquisa sobre a teia de corporações que comanda a economia no Brasil destrincha a situação no campo da saúde. Ele explica como os grandes grupos espalham seus tentáculos e acumulam poder. Mas defende: Estado ainda pode agir

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Eduardo M. Rodrigues em entrevista a Gabriel Brito e Antonio Martins, no PULSO

“Não existe livre mercado ou livre iniciativa no setor privado da saúde. É isso que meu estudo demonstra. Diante do poder político acumulado pelos grandes grupos privados, não há a menor condição de falar em livre mercado”. Com essa definição, o economista e pesquisador Eduardo Rodrigues, da PUC-SP, iniciou sua entrevista em vídeo ao Outra Saúde, no PULSO.

Orientando de Ladislau Dowbor, que escreveu A Era do Capital Improdutivo, Rodrigues é autor do artigo Quem está no comando? Poder entre grupos econômicos hegemônicos no Brasil, que destrincha a teia dos oligopólios na economia do país. Estamos falando de 200 empresas que controlam mais de 60% do PIB e cujo faturamento é 70% superior ao orçamento geral da União – aquele que viabiliza todos os serviços públicos e benefícios sociais e previdenciários do Brasil. No caso da saúde, 16 grupos, sendo três estrangeiros, mandam em tudo.

Elaboração: Eduardo Rodrigues

O estudo é desdobramento do trabalho de Dowbor, cujo livro se apoia em dados publicados por pesquisadores do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica, que sistematizou todo o emaranhado de conexões entre as megacorporações globais e seu controle absoluto sobre a economia contemporânea. O artigo The Network of Global Corporate Control é a base do trabalho de ambos. Tanto pelo tamanho como pela capilaridade desse capitalismo globalizado, e sua intensa conexão com o mercado financeiro, o livro e a pesquisa aqui debatida apresentam um quadro em que o capitalismo global efetivamente submete os Estados nacionais.

No recorte desta entrevista, Rodrigues se concentra em mostrar como o setor privado de saúde brasileiro também representa essa tendência de grande concentração de capitais. Isso num contexto em que o setor alega crise financeira, uma vez que seus balanços operacionais não têm sido lucrativos, e a insatisfação de usuários se reflete numa galopante judicialização.

“Sobre a crise financeira do setor, vale lembrar que são uma grande teia, conectada com setores financeiros. Não são mais grupos estanques. Existe uma forte conexão acionária com grupos que operam outros setores da economia, em especial o financeiro. O Bradesco tem uma forte conexão com a saúde. Um lado acaba compensando o outro. É um clube. Essas 200 holdings fazem ajustes a depender do contexto, ninguém sai perdendo e ano a ano aumentam seu poder econômico – e consequentemente político. Muitos controladores têm suas empresas em paraíso fiscal”, ilustrou Rodrigues, em referência direta ao trio de empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, os homens mais ricos do país e onipresentes nesta teia de megamonopólios.

Na conversa, ele também demonstra exemplos práticos da extensão das operações de grandes grupos da área da saúde, que passaram a operar para além de seu ramo de origem. A Rede D’Or São Luiz é um exemplo. De dona de uma rede de hospitais, passou a investir em laboratórios e seguradoras, entre outras atividades. Segundo Rodrigues, a saúde seria o terceiro setor mais poderoso dentro do universo do grande capital, atrás do setor energético e financeiro. No entanto, a Rede D’Or, dada a variedade de suas operações, é o grupo mais ramificado desta poderosa teia corporativa.

Fonte: Ranking por faturamento dos grupos que atuam no Brasil – Valor Econômico/2020

“O que esses 200 grupos fazem é controlar a economia brasileira. E é isso que acontece na área da saúde. O Estado brasileiro tem bastante recurso para evitar o controle total pela iniciativa privada, mas isso também depende de força política. Os grupos aqui mencionados financiam campanhas de políticos de todas as esferas pelo país todo”, resumiu.

Em sua visão, tais grupos são ameaças à promoção da saúde pública brasileira e ao financiamento do SUS – que no fim das contas presta os serviços em saúde mais caros, como tratamento de doenças crônicas, além daqueles universais, como vacinação e vigilância sanitária, enquanto o setor privado prioriza procedimentos de menor complexidade. Ainda assim, destaca que o Estado brasileiro tem condições de agir. Inclusive, diante da crescente confrontação entre seguros de saúde e seus clientes, defende que o Estado absorva parcelas do setor privado.

“Não só a ANS como também outros órgãos, como o CADE, são incapazes de exercer uma regulação. A essa altura da hegemonia econômica dos grandes grupos vejo pouco espaço para reversão de tal quadro. Mas reitero que o Estado brasileiro tem condições de fazer alguma coisa no sentido de colocar tais empresas para funcionar a favor da população. Poderia propor parcerias, comprar participação em tais grupos e melhorar o serviço.”

Como mostrou o Outra Saúde, este poderoso setor já percebeu a inviabilidade de um sistema de saúde exclusivamente privado e se organiza para abocanhar fatias do orçamento público através de novas estratégias. Enquanto isso, a ministra Nísia Trindade vive sob a pressão silenciosa de grupos de interesses diversos. Caberá àqueles que visam à afirmação de um SUS efetivo para todo o povo brasileiro saber jogar este complexo jogo.

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