Saúde devastada no Sudão em guerra civil

Dengue e cólera atingem o país após um ano de conflitos. Organizações estimam que até 80% dos equipamentos de saúde foram destruídos. Hospitais estão desabastecidos. Ainda assim, resposta internacional continua assustadoramente fraca

Créditos: Reuters

No People’s Health Dispatch | Tradução: Gabriela Leite

A dengue se somou à lista de preocupações enfrentadas pelo Sudão, mais de um ano após o início da guerra civil que causou uma das maiores crises de migração do mundo.

As autoridades de saúde pública relataram 9 mil casos de dengue até 18 de abril de 2024, com mais de 60 mortes causadas pela doença. Embora o Ministério da Saúde tenha anunciado que tomará medidas para conter a propagação das infecções, as perspectivas permanecem incertas, considerando que a maior parte da infraestrutura de saúde e saneamento foi afetada pela guerra civil travada entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos 70% das instalações de saúde em áreas de difícil acesso estão inoperantes, deixando a população sem tratamento médico. Estimativas da Médicos Sem Fronteiras (MSF) são ainda mais graves, indicando que apenas 20-30% dos equipamentos de saúde estão operacionais. “Há uma disponibilidade extremamente limitada de cuidados de saúde para a população em todo o país”, alertou Jean Stowell, chefe da missão da MSF no Sudão, no início de abril.

Mais de 60 ataques a instalações de saúde e a seus trabalhadores foram registrados no Sudão, embora esse número provavelmente seja subestimado. E isso não é tudo: a prestação de serviços de saúde está se tornando tremendamente difícil, devido à escassez crônica de suprimentos médicos, exacerbada por um bloqueio imposto pelas autoridades oficiais. A circulação de ajuda humanitária tem sido utilizada como arma por ambas as partes em conflito no Sudão. O governo tenta impedir que os suprimentos cheguem a lugares onde poderiam ser capturados pelas RSF, tornando a população dependente desses suprimentos um dano colateral. As RSF, por sua vez, saqueiam armazéns onde as provisões estão armazenadas, novamente privando a população da possibilidade de acessá-las.

A combinação de violência direta e limitações à ajuda faz com que alguns estados, incluindo Darfur, não recebam suprimentos médicos há um ano, alertou recentemente o Diretor-Geral da OMS, Tedros Adhanom. Profissionais de saúde nos hospitais de Cartum também soaram o alarme sobre o desabastecimento. “Nosso maior desafio é a escassez de suprimentos médicos”, disseram médicos da MSF. “Estamos sem equipamentos cirúrgicos e estamos prestes a interromper todo o trabalho, a menos que cheguem provisões.”

Campo de refugiados sudaneses no Chade, 16 de maio de 2023. Foto: Henry Wilkins-VOA/Wikimedia Commons

Alguns hospitais já ficaram sem medicamentos essenciais, incluindo artesunato, medicamento usado no tratamento da malária. “Pacientes estão morrendo devido a lesões relacionadas à violência e doenças evitáveis; crianças estão morrendo por desnutrição. As vacinas estão acabando, e já houve surtos de doenças mortais como cólera e sarampo”, disse Christos Christou, presidente internacional da MSF, sobre a situação.

“Em todo o Sudão, mulheres estão morrendo devido a complicações durante a gravidez ou parto, e pacientes com doenças crônicas estão morrendo porque estão ficando sem medicação”, afirmou Christou.

Outra grande preocupação é representada pela propagação da fome. Relatórios do norte de Darfur alertam que quase um quarto de todas as crianças estão gravemente desnutridas, e até 40% das mulheres grávidas e lactantes enfrentam o mesmo risco à saúde. O estado de saúde comprometido aumenta a vulnerabilidade a doenças geralmente tratáveis, como a cólera, que já atingiu 11 mil sudaneses.

Uma resposta imunológica enfraquecida pela desnutrição pode facilmente tornar a cólera – bem como outras doenças infecciosas – mortal, fato que apenas aumentou a longa lista de preocupações enfrentadas diariamente pelas mulheres no Sudão. O aumento da violência de gênero tem sido um dos efeitos colaterais mais devastadores da guerra: mulheres são sequestradas, vendidas como escravas e estupradas, como descrito pela ativista de saúde Rawia Mahmoud durante a 5ª Assembleia de Saúde dos Povos.Apesar da extensão da violência e das atrocidades testemunhadas no Sudão, a situação recebeu muito pouca repercussão internacional — extremamente limitada, como Christou colocou. Apelos de resposta coordenados por agências da ONU estão gravemente subfinanciados e, apesar de novas iniciativas lançadas por países como a França no marco do primeiro ano da guerra, medidas pouco ousadas dificilmente trarão qualquer resolução significativa para a situação, a menos que acompanhadas por uma firme dedicação para alcançar a paz.

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