Cloroquina cai no colo de pacientes e médicos
Novo documento do governo não traz assinatura nem tem cumprimento obrigatório, mas vai gerar enormes problemas. E mais: negligência de Bolsonaro já faz do Brasil epicentro global da pandemia. Na Europa, Suécia é o problema
Publicado 21/05/2020 às 07:52 - Atualizado 21/05/2020 às 09:14
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O PROTOCOLO QUE NÃO O É
Ninguém assinou o novo documento
do Ministério da Saúde que libera o uso precoce de cloroquina e
hidroxicloroquina em pacientes com covid-19, divulgado ontem. Ninguém.
Não há o nome de nenhum responsável técnico, nenhum colaborador, nenhum
especialista. Para comparação: as diretrizes
para diagnóstico e tratamento anteriores, publicadas no último dia 7,
trazem a lista das secretarias da Pasta responsáveis, além do nome dos
organizadores e de mais de uma dezena de pessoas que participaram da
elaboração do texto. Havia a observação de que os estudos sobre esses
medicamentos eram incipientes e com resultados divergentes, e que
portanto eles só deveriam ser usados em pacientes com diagnóstico
confirmado, em estado grave e hospitalizados – assim como já estava estabelecido no primeiro protocolo, de abril.
Em coletiva de imprensa ontem, o secretário-executivo
adjunto do Ministério da Saúde, Élcio Franco, afirmou que o texto já
estava assinado por “todos os secretários” e que, se não estivesse (não
estava), seria “em alguns minutos” (ainda não foi). Mais tarde, a
assessoria de comunicação afirmou que não há necessidade de assinatura…
A verdade é que o documento nem pode ser chamado de protocolo,
o que foi reconhecido pelo próprio governo. “O protocolo precisa ser
algo cartorial, com obrigação de cumpra-se. O que estamos fazendo é
orientação”, disse a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação,
Mayra Pinheiro. Como lembra o Estadão, a aprovação real de um
Protocolo Clínico de Diretriz Terapêutica teria que passar por um rito
próprio, e um dos pilares seria a comprovação científica da eficácia da
droga. O que é impossível, já que essa comprovação não existe. Mesmo a Anvisa, agência que regula e registra medicamentos, reconhece que a “segurança e eficácia” do tratamento ainda precisa ser comprovada.
Mas como esperar decisões guiadas pela ciência justo no governo Bolsonaro? Pinheiro justificou ontem a elaboração do documento como resposta a um “clamor da sociedade“.
Que a principal propaganda da cloroquina seja feita à sociedade pelo
presidente da República em pessoa, é um mero detalhe. “Nós não estamos nos afastando da ciência“,
garantiu ela, completando: “Estamos nos aproximando da necessidade de
garantir a vida em tempos de guerra”. Foi a mesma metáfora usada por
Jair Bolsonaro no Twitter, quando reconheceu a falta de “comprovação
científica” para a decisão. “Estamos em guerra:
Pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado”, escreveu. A
comparação com um estado de guerra tem sido usado há meses por
autoridades de outros países em referência à pandemia. Mas, por aqui,
não é bem contra o coronavírus que o governo está lutando…
“É uma posição de altíssimo risco tomada por quem faz política com a saúde.
A medida tem objetivo político e não o bem-estar dos doentes. Se
quisessem o bem-estar das pessoas, as sociedades médicas teriam sido
consultadas”, resume Renato Grinbaum, da Sociedade Brasileira de
Infectologia.
O documento lançado ontem até fala na falta de evidências,
mas ao mesmo tempo traz indicações precisas de dosagens diferentes
conforme os sintomas e o período da infecção. Segundo as orientações,
tanto a cloroquina como a hidroxicloroquina devem ser administradas
junto com o antibiótico azitromicina – apesar de que no mês passado o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA contraindicou a combinação, pela sua potencial toxicidade.
A discussão que o Brasil trava agora está praticamente
vencida no resto do mundo. Ontem a OMS se pronunciou a respeito: “Uma
nação soberana tem o direito de aconselhar seus cidadãos sobre qualquer
medicamento. Mas gostaria de destacar que, até agora, a cloroquina e a
hidroxicloroquina não foram identificadas como eficazes para tratar a
covid-19. Diversas autoridades já emitiram alertas sobre efeitos
colaterais. A OMS aconselha
que esse medicamento seja utilizado apenas em estudos clínicos
supervisionados por médicos em ambiente hospitalar, como já ocorre em
diversos países”, disse Michael Ryan, diretor do programa de emergências
do organismo, quando perguntado sobre a decisão do governo brasileiro.
O médico e biofísico Antônio Carlos Campos de Carvalho, que até esta semana era secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, pediu demissão.
“No momento em que o ministro pede para sair e as coisas começam a se
agravar, com interferência direta em decisões que não se baseavam em
critérios científicos, não dava para continuar (…). Se não interessa
qual a opinião do ministério, a opinião do corpo técnico, é ‘eu quero
porque quero’, torna-se impossível qualquer grau de racionalidade. É
como o menino que pega bola na pelada e diz ‘acabou porque a bola é
minha’”, disse à Folha.
De fato, não seria fácil conseguir alguém para se
responsabilizar por essa fixação de Bolsonaro que já ajudou a derrubar
dois ministros da Saúde. Cláudio Lottenberg,
lobista do setor privado cotado para assumir o cargo após a queda de
Luiz Henrique Mandetta, também considera “um absurdo” a mudança.
É CILADA
Como sabemos, incontáveis pareceres e notas já foram publicadas por
entidades médicas contrariando a iniciativa do governo federal. Ontem o
Conass (que reúne secretários estaduais de Saúde) afirmou não concordar
com o Ministério. Pela eficácia improvável contra covid-19 e pelos
efeitos negativos bem documentados, as chances de o ‘tratamento’ dar
maus resultados não é pequena. Mas, por não ser um protocolo oficial, o
novo documento tira a responsabilidade da União sobre os problemas que
pode gerar. O texto deixa explícito que fica a critério do médico e do paciente
a opção pelo uso da cloroquina e da hidroxicloroquina. Isso já
acontecia antes no setor privado, até porque o Conselho Federal de
Medicina havia autorizado a prescrição. Mas agora, mesmo que esse
documento não seja vinculante, seu peso e o simbolismo que carrega são
inegáveis. Afinal, o Ministério da Saúde, que se recusava a apoiar esse
uso irrestrito, passou a corroborá-lo oficialmente.
De acordo com a orientação, os médicos – pressionados por colegas ‘cloroquiners’ e até por pacientes desesperados –, ficam responsáveis pela prescrição. Os pacientes –
que não têm a menor obrigação de ler estudos científicos, veem o
presidente da República sorrindo com caixas de cloroquina na TV, leem a
notícia de que o Ministério da Saúde acha isso certo e possivelmente
estarão com medo de morrer dessa doença – devem assinar um termo de consentimento, atestando que sabem dos efeitos colaterais. Mas esse termo é mais do que confuso, como ressalta a reportagem da Folha.
Ao mesmo tempo em que cita os efeitos colaterais e diz que o tratamento
pode até agravar a condição clínica, afirma também que ambos os
medicamentos são usados há muito tempo para outras doenças, e ainda que
“um estudo francês mostrou que a eliminação do coronavírus da garganta
de portadores da covid-19 se deu de forma mais rápida” nos pacientes que
fizeram uso. É uma referência ao famoso estudo francês que começou o
frenesi com a cloroquina, mas que logo foi contestado pela comunidade
científica e retratado pelos próprios autores.
Se alguém morrer ou ficar muito mal, a família não vai poder processar a União,
segundo Mayra Pinheiro: “O termo de conhecimento livre e esclarecido
deixa o paciente estabelecido que ele tem acesso a todas as informações e
riscos”, disse ela. Pois é.
Apesar disso, pode ser que a situação fique ruim para
os médicos, no futuro. Responsabilizando-se pela prescrição de algo que
não é suportado pelas melhores evidências e que ainda pode piorar o
quadro dos pacientes, alguns especialistas avaliam que eles, sim, podem vir a ser processados depois, apesar do termo de consentimento.
Entidades médicas estão preparando medidas judiciais
para obrigar o Ministério da Saúde a retirar do ar o documento. Temem
justamente que, com o respaldo da Pasta, a população passe a exigir o
uso dos medicamentos. Segundo Daniel Knupp, presidente da Sociedade
Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, o governo federal está
colocando os médicos em um “fogo cruzado”. Fora dos hospitais, os
perigos de ambas as drogas são muito grandes. Por exemplo, um dos
principais efeitos colaterais é a arritmia, que pode levar à morte
pacientes com propensão. Só que a maior parte das unidades básicas de
saúde não têm eletrocardiógrafos para ver quem poderia usar a cloroquina
com segurança.
A solução apresentada pelo
Ministério da Saúde para evitar que as pessoas morram do coração é a
seguinte: o governo diz ter firmado uma parceria com a Sociedade
Brasileira de Cardiologia para oferecer eletrocardiograma via telemedicina. Mas não disse exatamente como isso vai ser feito, já que o exame é presencial…
Mas há casos em que já não se precisa nem de teste para
confirmar covid-19, nem de atendimento em unidades de saúde, nem de
acompanhamento responsável para tomar esses remédios. Mesmo antes do
novo documento, bolsonaristas haviam criado uma “corrente do bem” (que é uma verdadeira corrente do mal) para promover a automedicação com hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina – este último um remédio usado contra vermes e parasitas, como piolhos e pulgas –
logo nos primeiros sintomas respiratórios. Um grupo de médicos receita
as drogas, que são compradas em grande quantidade e distribuídas a
apoiadores do presidente.
JÁ SOMOS OU SEREMOS O EPICENTRO
Os números divulgados ontem pelo Ministério da Saúde trazem novo recorde
de casos: em 24 horas, foram registrados 19.951. O que nos leva à cifra
de pouco mais de 291 mil casos, sendo certo que iremos ultrapassar a marca dos 300 mil amanhã. Quanto às mortes, foram registradas 888; num total de 18.859 vidas perdidas para o novo coronavírus.
Quando se considera o número de mortes por dia
registrados na última semana, o Brasil é hoje o país com a situação mais
preocupante do mundo. É verdade que os Estados Unidos ainda registram
mais óbitos, mas por lá a média do número de mortes diárias está caindo:
em meados de abril, chegou a ser de dois mil; agora está na casa dos
1,3 mil. Já por aqui, temos visto uma subida consistente – e vale a pena dar uma olhada no gráfico feito pelo Globo.
Há dez dias, a média era de 500 mortes por dia; agora está em 800…
Com isso em vista, a tendência é que, até o fim de maio, ultrapassemos
os países europeus mais castigados nesta pandemia – Reino Unido, Itália,
França e Espanha – saindo da sexta posição no ranking de mortes por
coronavírus para a segunda.
Na mesma reportagem, há uma reflexão bastante
importante que merece destaque. É que o prognóstico também é bem ruim
mesmo desconsiderando os números de mortes – que têm o conhecido
problema da defasagem, já que, dado o atraso nos diagnósticos, entram no
mesmo balaio óbitos antigos e recentes. Mas basta olhar para o
crescimento dos casos. A curva de novas infecções nos últimos sete dias é
exponencial. Como a morte por covid-19 acontece entre 20 e 30 dias
depois do surgimento dos sintomas, o futuro parece ser sombrio.
De qualquer forma, essa curva ascendente nas mortes,
junto com a taxa de contágio alta e a baixa adesão da população ao
isolamento social – misturados com a subnotificação e a falta de testes –
são pistas fortes para quem acha que o Brasil se tornou o novo
epicentro mundial da pandemia. A análise é daquele estudo da USP que
saiu no começo do mês e calculava que, na verdade, tínhamos por volta de
11 vezes mais casos do que os registros oficiais captavam. De acordo
com esse modelo, estaríamos hoje com mais de três milhões de casos – na
frente, portanto, dos Estados Unidos.
À BBC Brasil, o coordenador do estudo confirmou o alerta: “O governo brasileiro perdeu a mão
quanto ao controle da pandemia. O número de casos está crescendo de
forma exponencial. Posso afirmar categoricamente que o Brasil se tornou o
polo mais importante de disseminação do vírus covid-19 do mundo”, disse
Domingo Alves. Para ele, “mesmo que haja subnotificação nos Estados
Unidos, o número real de casos por lá poderia até encostar, mas não
ultrapassaria o do Brasil”. Segundo Alves, as mortes também sofrem
subnotificação, embora menor. Cálculos preliminares apontam que os dados
oficiais representariam apenas 60% do total de óbitos. Portanto, o
número real já estaria próximo a 30 mil – o que nos deixaria, hoje, na
quarta posição do ranking letal da covid.
A propósito: ontem, finalmente, Jair Bolsonaro mencionou o recorde de mais de mil mortes registradas na terça-feira. “Dias difíceis. Lamentamos os que nos deixaram”, escreveu laconicamente no Facebook no mesmo post
em que anunciou o protocolo da cloroquina e falou que a substância
seria “uma esperança”. A imagem que ilustra a postagem também é surreal:
uma foto da manifestação do dia 3 de maio – aquela em que os
jornalistas foram agredidos em frente ao Planalto e o presidente disse que as Forças Armadas estavam ao lado dele…
SINAIS DE BASTA
Segundo uma pesquisa de opinião encomendada pela XP Investimentos ao
Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), o
percentual de brasileiros que consideram o governo Jair Bolsonaro ruim
ou péssimo subiu de 42% para 50% entre 24 de abril e 20 de maio. Do lado
bolsonarista, a avaliação de que o governo é “ótimo ou bom” minguou de
31% para 25% no período. Essa oscilação maior foi captada pelo site
Brasil 247 e tem a vantagem de abarcar picos de crise,
como a demissão de Luiz Henrique Mandetta (16 de abril). Outros
veículos se detiveram na comparação entre o último levantamento, de 30
de abril, e o atual. Aí os números variam menos: 49% para 50% de ruim ou
péssimo; 27% para 25% de bom ou ótimo.
Para 76%, o isolamento social é a melhor forma de
evitar o aumento da contaminação pelo coronavírus; e 57% acreditam que a
medida deve durar até que o risco de contágio seja pequeno. Também é
corrente a noção de que o pior dos impactos da crise causada pelo novo
coronavírus ainda está por vir: 68% acreditam nesse cenário.
“#ForaGenocida”. “#ForaMiliciano”. “Eugenista”.
“Bozonazi”. Ontem, manifestantes protestaram contra o presidente em
frente ao Palácio do Planalto. A primeira manifestação organizada pela oposição em muito tempo
contou com militantes do PT, PCO e Unidade Popular – e seguiu
determinações do distanciamento social, com espaçamento entre as
pessoas. Renan da Silva Sena, integrante da claque bolsonarista
acampada em Brasília que agrediu enfermeiros no 1º de maio, novamente arrumou confusão
com quem tentava exercer seu direito de oposição e saiu do local
escoltado pela Polícia Militar. No início do ato, integrantes do
Gabinete de Segurança Institucional (GSI) circularam pelo local. Depois,
o ministro do GSI, o general Augusto Heleno foi flagrado observando o
protesto do quarto andar do Planalto.
STJ REAGE
Uma decisão do ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), lavou a alma de muita gente. A deputada estadual Clarissa
Tercio, do PSC, entrou na Justiça contra o decreto de bloqueio da circulação
instituído pelo governo de Pernambuco em Recife e quatro cidades do
entorno da capital. Pois Schietti negou o pedido, criticou a deputada
(“parece ignorar o que acontece, atualmente, em nosso país”) e
contextualizou a situação do país em termos duros.
“Em nenhum país, pelo que se sabe, ministros
responsáveis pela pasta da saúde são demitidos por não se ajustarem à
opinião pessoal do governante máximo da nação e por não aceitarem,
portanto, ser dirigidos por crenças e palpites que confrontam o que a
generalidade dos demais países vem fazendo na tentativa de conter o
avanço dessa avassaladora pandemia”, escreveu o ministro. Na decisão,
ele também fala sobre o agravamento da epidemia
de coronavírus no Brasil, com o correlato colapso dos serviços de saúde
em vários estados, e credita “boa parte dessa realidade ao
comportamento de quem, em um momento como este, deveria deixar de lado
suas opiniões pessoais, seus antagonismos políticos, suas questões
familiares e suas desavenças ideológicas, em prol da construção de uma
unidade nacional”.
Tem mais: “O recado transmitido é, todavia, de
confronto, de desprezo à ciência e às instituições e pessoas que se
dedicam à pesquisa, de silêncio ou até de pilhéria diante de tragédias
diárias. É a reprodução de uma espécie de necropolítica,
de uma violência sistêmica, que se associa à já vergonhosa violência
física, direta (que nos situa em patamares ignominiosos no cenário
mundial) e à violência ideológica, mais silenciosa, porém igualmente
perversa, e que se expressa nas manifestações de racismo, de misoginia,
de discriminação sexual e intolerâncias a grupos minoritários”.
NÃO AO CORPO FORA
Ontem, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento
de seis ações apresentadas por partidos políticos e pela Associação
Brasileira de Imprensa contra a MP 966, editada por Jair Bolsonaro e
Paulo Guedes para livrar agentes públicos – incluindo eles próprios – de
processos civis ou administrativos por erros e omissões em atos
relacionados à pandemia. O relator das ações é o ministro Luís Roberto
Barroso, que deu seu voto no sentido de reduzir o alcance da medida provisória. Para ele, não é possível dar salvo-conduto para atos de improbidade administrativa.
Ele também propôs uma definição mais clara para o
conceito de “erro grosseiro” – que é o que pode ser punido, segundo a
MP. Para ele, medidas que contrariem critérios científicos e técnicos
estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias nacional
e internacionalmente reconhecidas, ou que não observem os princípios
constitucionais da precaução e da prevenção devem se enquadrar como
erros grosseiros.
Em seu voto, Barroso chegou a citar a liberação da
cloroquina e a campanha presidencial pela livre circulação de vírus e
pessoas como assuntos que dominam o debate público, dando a entender que
ambas podem muito bem figurar nessa categoria passível de punição.
O julgamento será retomado hoje à tarde.
ATÉ TOFFOLI
Há ainda mais notícias do front da Justiça: o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, suspendeu ontem uma decisão
do TJ de Sergipe que liberava o funcionamento de uma barbearia. O
Tribunal de Justiça se baseou no famigerado decreto assinado 11 de maio
por Bolsonaro que considera salões de beleza, academias de ginástica e
barbearias serviços essenciais. Mas o governo do estado recorreu da
decisão, que foi parar no Supremo.
Toffoli manteve o entendimento da Corte, de que governadores e prefeitos
têm autonomia para determinar que serviços funcionam ou não durante a
pandemia. Ele também criticou o TJ, dizendo que a decisão representa
“grave risco de violação à ordem público-administrativa” e também “à
saúde pública”, já que desestruturaria as medidas adotadas pelo estado.
O CONTRA-EXEMPLO SUECO
A Suécia, como sabemos, é o exemplo dado pelo presidente e por todos
aqueles que querem afrouxar ou extinguir as medidas de isolamento social
no Brasil. Dizem eles que o país – que não adotou restrições
obrigatórias, mas voluntárias à circulação das pessoas – vai bem. Mas
ontem, três baldes de água fria foram jogados nessa linha de
argumentação.
O primeiro vem do próprio governo sueco. A Agência de Saúde Pública daquele país divulgou que até o final de abril apenas 7% da população
de Estocolmo, que tem um milhão de habitantes, tinha sido infectada
pelo novo coronavírus. Isso três meses depois de o primeiro caso da
covid-19 ser registrado. Ao que tudo indica, ainda demoraria um tempinho
até que se desenvolvesse algo como uma imunidade de rebanho por lá. (E,
precisamos repetir sempre, não há garantias de que vá haver qualquer
coisa assim, já que o vírus é novo demais para sabermos se não
contaminará a população que já entrou em contato com ele nos próximos
anos, como a gripe).
Além disso, nos últimos sete dias, a Suécia é o país europeu que registrou o maior número de mortes per capita,
com 6,08 mortos por 1 milhão de habitantes. No total, já são mais de
3,7 mil mortes e 30 mil casos por lá. Por conta disso, Finlândia,
Noruega e Dinamarca – que são países vizinhos e compartilham a cultura
escandinava –, estão preocupados e estudam manter as restrições de viagens à Suécia – e relaxar as medidas para outras nações.
Por fim, um estudo concluiu que a Suécia – que manteve estabelecimentos comerciais e escolas abertas – deve sofrer impacto econômico similar
a nações vizinhas que foram mais rigorosas na quarentena. Dados de
mobilidade mostram que os suecos reduziram suas atividades, mas foram
mais às ruas que dinamarqueses, finlandeses e noruegueses. Mesmo assim, a
queda do PIB sueco em 2020 deve ficar em 6,8%, de acordo com o FMI. A
média dos outros três países é redução de 6,3%.
ONDA NOVA E DESCONHECIDA
A China começou a identificar novos casos de covid-19 em Jilin e
Heilongjiang, províncias do nordeste do país. Isso não é bem uma
novidade, já que o mundo inteiro espera começar a registrar casos
conforme as reaberturas têm início. A gravidade dessa notícia tem outro
motivo: parece que o vírus tem sofrido mutações que devem tornar mais difícil
o seu controle. O médico Qiu Haibbo declarou ontem a uma emissora
estatal que os pacientes internados nas duas províncias estão ficando
com o vírus durante mais tempo, estão demorando mais a testar negativo
depois que o estado clínico melhora, e ainda que os pacientes podem
levar mais do que uma ou duas semanas para apresentar os primeiros
sintomas. Isso é um problema, já que aumenta o tempo que eles passam
contaminando outras pessoas, sem desconfiar que estejam infectados.
Ainda não é certo que mutações sejam de fato
responsáveis pela mudança. Alguns pesquisadores acham que as diferenças
foram encontradas porque agora, fora do auge da crise, os médicos estão
conseguindo observar melhor os pacientes. De toda forma, isso só reforça
que se sabe pouco sobre o vírus – e que portanto as medidas tomadas por governos no mundo todo ainda patinam na insegurança.
Até agora, só 46 casos foram registrados nas duas
províncias, nos últimos 15 dias. Mas a resposta foi muito rápida:
medidas restritivas que já tinham sido flexibilizadas foram retomadas e
100 milhões de pessoas voltaram a em lockdown. Trens pararam, escolas
foram fechadas, condomínios residenciais foram isolados.
SITUAÇÃO NO MUNDO
Ontem a OMS registrou o maior número de novos casos de
covid-19 em um único dia desde o começo da pandemia. Foram 106 mil
registros, puxados principalmente por Estados Unidos, Brasil, Rússia,
Arábia Saudita, responsáveis por dois terços desses caos. Índia, Peru e
Catar também estão com infecções em alta. Ao todo, há quase 4,8
millhões de registros de infecções, com 318,8 mil mortes.
ENQUANTO ISSO, NO MILISTÉRIO…
Jair Bolsonaro sinalizou ontem que vai manter o general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde: “Ele vai ficar por muito tempo, esse que está lá. Isso aí não vou mudar não. Ele é bom gestor e vai ter uma equipe boa de médicos abaixo dele”.
Mas o fato é que Pazuello só quer saber de militares na pasta. Ontem, saíram mais quatro nomes:
coronel Alexandre Martinelli Cerqueria, major Celso Fernandes Júnior,
capitão Paulo César Ferreira Júnior e a primeiro-tenente médica Laura
Tiriba Appi. Na terça (18), Pazuello já havia nomeado outros nove
militares para ocupar cargos de confiança.
Um desses fardados empossados na penúltima leva é o
major Angelo Martins Denicoli, novo diretor de monitoramento e avaliação
do SUS – e figura preocupante ao extremo. A Folha descobriu
que ele é dado a compartilhar notícias falsas e fazer bravatas nas redes
sociais. No dia 8 de abril, ele publicou no Instagram que uma
multinacional farmacêutica havia comprovado cientificamente o uso da
hidroxicloroquina para o tratamento de todos os casos do novo
coronavírus. “O CEO da Novartis anunciou que já tem em mãos os
resultados de pesquisas que comprovam que a hidroxicloroquina mata o
vírus. Tanto que a empresa vai doar 130 milhões de doses”, dizia a
postagem que ainda por cima falava em “agentes políticos” que estariam
no comando de instituições como a OMS e nas redações de jornais.
“Genocidas da era moderna”, acusou. Por fim, o major responsável por
monitorar e avaliar o Sistema Único – política pública essencialmente
interferativa – também compartilhou ofensas a governadores.
Mudando de assunto, Pazuello parece ter caído nas graças da Frente Nacional dos Prefeitos.
A entidade, que representa 406 cidades com mais de 80 mil habitantes e
todas as capitais brasileiras, gostou de ouvir do ministro interino a
promessa de que ele vai passar por cima dos governadores e distribuir
insumos e equipamentos diretamente a alguns municípios. Isso porque, de
acordo com o presidente da FNP, Jonas Donizette – prefeito de Campinas
pelo PSB – há prefeitos reclamando que não recebem os insumos por
divergências políticas. “Capitais e cidades grandes precisam ter um
canal direito com o Ministério. O general aprovou e disse que vai tentar
viabilizar isso com velocidade”, relatou ele ao UOL.
Pazuello também teria se comprometido a editar um
documento com orientações unificadas para prevenção ao coronavírus,
testagem em massa e… reabertura da economia. Tem tudo para ser o mesmo
texto rechaçado por Conass e Conasems, conselhos que representam
secretários estaduais e municipais de saúde na gestão do SUS. “O general
disse que ainda vai validar esse protocolo com o presidente”, contou
Donizette, ostentando total desconhecimento do funcionamento do SUS.
Prefeito, o documento precisa passar pela Comissão Intergestores
Tripartite (e, no melhor dos mundos, pelo Conselho Nacional de Saúde),
não por Jair Bolsonaro.
É MUITA MENTIRA
Canais de fake news sobre covid-19 são vistos quase três vezes mais
do que aqueles com dados reais. A conclusão é de um estudo de
pesquisadores da USP, da UFBA e do Centro de Análise da Liberdade e do
Autoritarismo, e analisou mais de 20 mil vídeos. Adivinha quem ajudou a
propagar as mentiras de um desses canais? Acertou quem pensou em Jair
Bolsonaro. Um vídeo feito por Belmiro D”Arce compartilhado pelo
presidente teve 113 mil visualizações (contra uma média de 347
visualizações nas demais publicações do canal).
FIM “GRADATIVO”
O coronavírus no Brasil não para de subir, mas Paulo Guedes já pensando em planos para acabar com o auxílio emergencial
de R$ 600 entregue a trabalhadores informais e desempregados. Um fim
gradativo… De modo a “suavizar a queda”, em suas palavras. Depois da
terceira parcela do benefício, ele seguiria, mas reduzido a R$ 200
(aliás, se dependesse da proposta inicial do governo, esse seria o valor
do auxílio desde o começo). Essa é uma das ideias. Há outras: definir
um público mais específico para receber as próximas parcelas, ou
incorporar o programa em outra plataforma de auxílio do governo, ainda
não definida.