Quem tem medo da COP-30?
Os sabotadores do planeta temem uma Conferência participativa e resolutiva, por isso tentarão controlá-la ou esvaziá-la. A grande força do evento estará na participação da sociedade civil. Quais os desafios impostos ao Brasil, para que rompa atavismo dos últimos eventos?
Publicado 30/05/2025 às 09:11 - Atualizado 30/05/2025 às 09:48

Em muitos lugares do Brasil, há muita gente perdendo o sono por causa da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP-30), que o ocorrerá em Belém do Pará, entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025. As expectativas mais otimistas projetam uma participação de mais de 50 mil pessoas.
De certo, teremos gente de todos os lugares e de todos os setores econômicos e sociais ligados ao tema. São muitos e diversos: burocratas, acadêmicos, empresários e assessores, ongueiros, artistas e ativistas.
A COP é um espaço diverso que serve tanto para a denúncia dos crimes ambientais e sociais como para o embuste relativo as insinceras medidas de adaptação e mitigação que são exibidas mundo afora. Esse tipo de intervenção que só existe nos relatórios de fim de ano produzidos pelos setores público e privado para o gosto de eleitores e acionistas. É por conta deste último conjunto de iniciativas que esse evento tem perdido credibilidade mesmo na combalida arena da governança global. As últimas COP foram sediadas em países que têm os combustíveis fosseis como a sua principal atividade econômica, cujos governos são de longa tradição conservadora. Nada mais distante dos conceitos fundamentais do desenvolvimento sustentável.
O Brasil faz uma aposta alta ao trazer o evento para a Amazônia. Se os desafios do subcontinente amazônico têm sido temas quentes nas últimas edições do evento, o que torna atraente que se traga o mundo para que confira in loco como a floresta de fato é, a realização do evento em Belém porá em cheque a invenção mitológica sobre o território que tem sido construída há mais 500 anos. Uma mitologia cultural que representa um pretenso ambiente homogêneo que oscilaria entre o Éden primevo e o inferno natural a ser devastado e submetido. São muitos séculos de interpretações enviesadas sobre a Amazônia e seus povos, desde que Frei Gaspar de Cravajal, no século XVI, e padre Cristóbal de Acuña, no século seguinte, difundiram na Europa os seus registros de viagem à região.
Os desafios para o país-sede são muitos. O primeiro será atenuar o efeito da ausência dos Estados Unidos sobre os países que não lhes são subalternos, mas não querem perder tempo com acordos com pouca chance de dar certo. O segundo será reduzir (resolver seria pedir demais) as pendências herdadas da COP-29 do Azerbaijão, sobretudo a referente ao financiamento da agenda climática, para que ela não contamine excessivamente a agenda da COP do Brasil.
O terceiro será romper com o atavismo que tem dominado as COP mais recentes e sobretudo a regressividade sugerida por muitos países e produzir avanços na agenda climática. O quarto será controlar o lobby das empresas produtoras de commodities agro mineral e de petróleo para que elas não interditem os debates políticos sobre devastação na região pan-amazônica. E, por fim, lidar com as dificuldades logísticas de infraestrutura da cidade sede: falta de leitos, obras de infraestrutura não sustentáveis, preços abusivos na hotelaria e na alimentação, e segurança e mobilidade adequadas para os participantes.
Embora o governo federal tenha feito escolhas acertadas para a condução do evento — André Correa do Lago e Ana Toni eram as melhores opções para esta função –, o contexto político da região é adverso a uma COP bem-sucedida. Nas eleições de 2022, nos oito estados da Amazônia Legal, a direita saiu-se excepcionalmente bem. Nada menos do que 6 governadores de direita saíram-se vitoriosos, juntamente com 7 senadores de 8 cadeiras em disputa e 50 das 73 cadeiras em disputa para câmara dos deputados federais também foram conquistados pela direita, como indica o bem-cuidado relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (2022) sobre “Perfil dos eleitos nas eleições de 2022”.
Porém, seria simplório desconhecer que algumas dessas lideranças de direita possam se unir ao governo federal em agendas progressistas e não reconhecer que parlamentares de centro e mesmo de esquerda endossam políticas não sustentáveis de desenvolvimento para a região. Basta observar a polêmica em torno da exploração das reservas de petróleo situadas na foz do rio Amazonas e a relacionada agressão misógina e negacionista que a ministra Marina Silva sofreu no Senado, no dia 27/5 por parte de três senadores direitistas da região amazônica.
Há iniciativas importantes no governo federal em integrar as várias áreas da administração pública os debates da COP. Uma iniciativa a ser destacada é a Conferência Global de Clima e Saúde que será realizada de 29 a 31 de julho, em Brasília, como fruto de uma parceria entre o governo brasileiro e as Nações Unidas.
O Ministério da Saúde tem buscado envolver a comunidade da saúde coletiva no Brasil e no Mundo para a produção de o Plano de Ação sobre Clima e Saúde para informar a COP 30. Contudo, o grande diferencial do evento em Belém tende a ser a excepcional participação da sociedade civil. Elevá-la a uma maior participação em termos de escala, intensidade e relevância. A articulação de quase 800 entidades do mundo todo que se denomina Cúpula dos Povos, se realizará em Belém de 12 a 16 de novembro, produzirá iniciativas em vários pontos da Amazônia, incluindo a Marcha pelo Clima, que se dará no dia 15 de novembro para que o mundo todo, de várias formas, se conecte aos debates da agenda climática. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva colabora com o Ministério da Saúde e está engajada na organização da Cúpula dos Povos.
O futuro do planeta (e da Amazônia) é sabotado todos os dias, tanto em atividades como o garimpo ilegal, como nos escritórios dos que financiam e são financiados pelas práticas não sustentáveis de utilização de recursos naturais. Contudo, nas florestas, no campo e nas cidades há resistência às ações dos que querem acelerar “o fim dos tempos” e encontrar caminhos para um mundo melhor. Os sabotadores do planeta têm medo de uma Conferência participativa e resolutiva por isso tentarão controlá-la ou esvaziá-la ou, se nada disso der certo, desacreditá-la. Os povos originários, e demais da floresta e das cidades da Amazônia (e seus sinceros aliados) têm na COP uma oportunidade gigantesca de apresentar a complexidade do seu modo de vida e o seu engenho para superar as adversidades e apresentar as suas soluções para um mundo mais sustentável. Que venha novembro!
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