Quem medirá as consequências sanitárias da violência?
Há todo um processo de adoecimento coletivo gerado pela violência. Um trauma que deixa feridas objetivas em milhões de cidadãos.
Publicado 30/10/2025 às 13:00
Após o brutal confronto entre a polícia do Rio de Janeiro e o Comando Vermelho que bateu recorde histórico de mortes em uma mesma operação, o país reflete sobre a real eficácia deste tipo de aposta em segurança pública.
A chamada Operação Contenção parou a cidade, suspendeu milhares de atividades e gerou prejuízos praticamente incalculáveis. A saúde, sem dúvidas, aparece como um dos principais temas afetados. Como havia mostrado O Globo na véspera do banho de sangue, o setor já é pesadamente atingido pela violência.
Só neste ano, serviços da atenção primária do SUS tiveram de suspender atendimentos por mais de 700 vezes. São milhares de consultas desmarcadas, tempo perdido em deslocamentos inúteis e sequelas físicas e psicológicas, tanto em profissionais de saúde como usuários.
No episódio desta terça-feira, entidades ligadas ao campo da saúde, como o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e a Frente Pela Vida (FpV), condenaram as ações do governador Claudio Castro.
Em sua nota, a FpV “reivindica que o conceito institucional de combate às drogas e à violência resgate o vínculo estruturante destes fenômenos como problemas sociais e de saúde pública”. Por sua vez, o texto do Cebes destaca a importância do julgamento célere da ADPF das Favelas.
Quanto à saúde pública, quem irá medir as sequelas geradas pela violência? Como publicado em reflexões recentes no Outra Saúde, há todo um processo de adoecimento coletivo gerado pela violência. Um trauma que deixa feridas objetivas em milhões de cidadãos.
Isso sem falar no racismo institucional que agride, fere e traumatiza cidadãos anônimos em situações corriqueiras do cotidiano.
A pesquisadora Rachel Gouveia Passos, professora da UFRJ, fala das mães e parentes de pessoas mortas – aqui tanto faz se criminosas ou não, a despeito do moralismo de uma direita afundada em escândalos de corrupção – que desenvolvem inúmeras doenças e precisam de tratamentos e remédios diversos.
Atendimentos no SUS, aumento de gastos públicos e privados em saúde, internações e, sobretudo, mortes precoces formam o pacote até hoje pouco debatido, tanto na mídia como na classe política.
Entre tantos depoimentos deste Brasil ainda massacrado pela segregação, podemos ler no livro de Rachel (Na mira do fuzil: a saúde mental das mulheres negras em questão): “Esse adoecimento desce pelo corpo todo. Porque a maioria de nós temos diagnósticos após esses assassinatos: de câncer, de depressão, síndrome do pânico, diabetes. A maioria de nós somos diabéticas, somos hipertensas, e já tivemos ou tristemente vamos ter, porque não é planejado para todo mundo ter, mas vamos ter câncer. Porque os nossos cânceres, quando aparecem, são desenvolvidos através da dor, através do sofrimento”.
O governo Castro convocou coletiva para exibir algumas dezenas de fuzis e munições apreendidos. Resta saber quando as sangrentas operações policiais lidarão com as demais variáveis envolvidas.
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