Quem controlará os dados de saúde dos brasileiros?
Participação do setor privado em instâncias decisivas pode tornar a Rede Nacional de Dados em Saúde em um mecanismo de mercantilização dos dados do SUS
Publicado 18/12/2025 às 15:05 - Atualizado 18/12/2025 às 15:28

A retirada de pauta do substitutivo ao Projeto de Lei n° 5875/2013, que trata da saúde digital no SUS, interrompeu uma tramitação apressada e reabriu o debate fundamental sobre o destino dos dados de saúde da população.
Segundo análise publicada no Observatório de Análise Política em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (OAPS/ISC/UFBA), a discussão vai muito além da técnica: é uma disputa política sobre quem irá controlar e se beneficiar da infraestrutura digital do maior sistema público de saúde do mundo. Para os autores, a versão do texto em debate privilegiava interesses privados e abria brechas perigosas para a monetização de dados sensíveis.
Conforme destacado no artigo, assinado por Carla Straub, Joyce Souza, Leandro Modolo e Raquel Rachid, os pontos mais críticos do substitutivo eram três. Primeiro, a previsão inédita de exploração de modelos de negócio com os dados da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), pavimentando o caminho para a transformação de informações sensíveis da população em ativos de mercado.
Segundo, a criação de uma instância de governança da RNDS com participação destacada e poder decisório para o setor privado, como operadoras de planos e hospitais particulares, configurando um conflito de interesses direto com a lógica do SUS. Por fim, a flexibilização do uso desses dados para pesquisa, sem a garantia robusta do controle social.
O contexto amplia os riscos. O artigo contextualiza a discussão do PL em um cenário geopolítico sensível, marcado pela atuação de grandes corporações globais de tecnologia de dados, como a empresa norte-americana Palantir – que já mantém parcerias no Brasil e recebeu a relatora do projeto em sua sede. A despolitização do tema, tratado como mera questão de eficiência técnica, abriria flancos para uma agenda “entreguista” que compromete a soberania sobre dados estratégicos da nação.
A retirada do texto da pauta, portanto, é vista como uma vitória tática que cria uma janela de oportunidade. O campo agora exige a construção de um novo marco legal, a partir de um amplo diálogo com o Ministério da Saúde, parlamentares comprometidos e movimentos sociais.
O objetivo, conforme defendido pelos autores, deve ser uma política de saúde digital que tenha como bússola o fortalecimento do SUS e os direitos da população, e não a criação de um novo mercado lucrativo para o setor privado com os dados dos cidadãos. A disputa está aberta e seu desfecho definirá o rumo da saúde pública na era digital.
Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, seja nosso apoiador e fortaleça o jornalismo crítico: apoia.se/outraspalavras
