PL do Estuprador: manobras de Lira e a urgência do arquivamento

• Pelo arquivamento do PL do Estuprador • Mulheres denunciadas por aborto ao procurar hospitais • Violência sexual na infância • Reforma Tributária e seguros de saúde • Rotulagem para redes sociais? •

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Após utilizar os direitos das mulheres como manobra para sufocar o governo, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) queixa-se daqueles que o criticam. O levante da sociedade contra um projeto que buscava equiparar a pena de pessoas que abortam à do homicídio foi sonoro. O movimento feminista organizou atos em diversas capitais brasileiras. Mas Lira acredita que os ataques são “pessoais”, segundo relataram alguns de seus interlocutores. Em reunião com líderes da direita, busca-se dar algum remendo para o projeto de lei 1904. Há quem defenda que se vote apenas após as eleições. O presidente da Câmara quer chamar uma mulher de “centro” e “moderada” para liderar a questão. Mas a esquerda exige o mais razoável: que o projeto seja engavetado o mais rápido possível. Sâmia Bomfim (Psol-SP) declarou em entrevista à Folha: “Há uma avaliação em comum de que o projeto não deve ser pautado. Não se discute nomes na relatoria ou melhorias no texto, o pedido é pelo arquivamento”. Erika Hilton (Psol-SP), responsável por amplificar o debate digital em torno do PL, também se pronuncioucontra a brutalidade do projeto no plenário.

Aborto e os médicos que denunciam

A cruzada do moralismo reacionário contra as mulheres acaba tendo o efeito de ampliar o debate, e alguns fatos e números vêm à tona, no debate público. Uma série de matérias da Folha desta semana trazem novos dados sobre a questão do aborto legal no Brasil, e de como sua restrição põe em risco a vida de pessoas já vulneráveis. O primeiro diz respeito às mulheres que são denunciadas por supostamente terem praticado aborto ilegal. Segundo dados da Defensoria Pública de São Paulo sobre processos judiciais abertos no estado, os profissionais de saúde são os principais responsáveis pelas denúncias contra aquelas que deveriam atender. A prática fere a ética médica, e põe em risco a vida de mulheres no local onde elas procuram por cuidado. Outra crueldade: no Brasil, casos em que há suposto crime de aborto ilegal podem ser levados a júri popular – e este tampouco mostra compreensão com a situação das mulheres. Segundo o TJ-SP, em 89% dos casos levados para esse tipo de julgamento elas são sentenciadas a cumprir penas.

Violência sexual e gravidez

Novos dados sobre os casos de violência sexual foram divulgados pelo Atlas da Violência 2024. O estudo analisou qual o tipo de agressão a que as mulheres estão mais vulneráveis. Entre a faixa-etária de até 14 anos, o abuso sexual é mais frequente que entre mulheres mais velhas. Para as garotas de 10 a 14, esse número é especialmente alto: 49,6% dos atos de violência são sexuais. Além disso, segundo a diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno, 60% das vítimas de estupro no Brasil são meninas de até 13 anos. “A gente está falando de crianças que nem entendem o que estão sofrendo. Que muitas vezes vão descobrir uma gravidez quando já passou da 20ª semana justamente porque não tem compreensão da violência que está sofrendo, que não têm discernimento para entender aquilo”, alerta ela. São essas as principais pessoas que buscam um aborto de uma gravidez causada por estupro. As muitas barreiras para o acesso ao serviço legal contribuem para atrasar ainda mais a realização do procedimento. A médica Helena Paro, que atua no Núcleo de Atenção Integral às Vítimas de Agressão Sexual do Hospital de Clínicas de Uberlândia, um dos centros de referência para os casos no Brasil, contou sobre os percalços em garantir o direito ao aborto legal ao Outra Saúde. Em um dos casos mais dramáticos, ela se lembra que uma garota, ao ser perguntada se sabia porque estava grávida, respondeu: “eu não sei, só vou aprender isso na escola no ano que vem”.

Reforma tributária mantém alíquotas de seguros de saúde

Um artigo de Daniel Abraham Loria, diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, publicado no Valor, explica em detalhes como a Reforma Tributária incidirá no setor privado de saúde. De forma detalhada, Loria confirma a informação de que as alíquotas de cobrança se manterão basicamente as mesmas, com leves mudanças de cálculos de acordo com as novas regras – que evitam uma dupla tributação entre PIS/Cofins, ISS e IOF. Em linhas gerais, o desconto deverá ficar na casa de 10%, que será observado apenas sobre as margens de ganho na intermediação do serviço entre prestadores e usuários dos serviços de saúde. Despesas com fornecedores de insumos e corretores também serão dispensadas de cobrança, o que pode gerar um alívio nas contas de um setor que registrou lucro de R$ 3 bilhões no primeiro trimestre de 2024. A medida ao menos interromperá o processo de cancelamentos unilaterais de contratos com usuários que fazem tratamentos mais longos e caros, como pessoas autistas?

Autoridade de saúde dos EUA pede rótulo de advertência em redes sociais

Vivek Murthy, o “cirurgião geral dos EUA”, nome dado ao chefe do Corpo de Comissários do Serviço de Saúde Pública, uma espécie de órgão oficial que estabelece diretrizes em saúde no país, escreveu artigo no NY Times no qual pede uma rigorosa regulação pública das redes sociais. No texto, ele usa o que considera uma grande crise de saúde mental como motivo principal do que, na prática, seria uma dura intervenção do Estado nas plataformas digitais. Murthy alega que tais redes têm relação com diversos gatilhos de crises que afetam a saúde de jovens e deveriam ser mais assertivas nos alertas de questões como assédio, produtos ou informações enganosas e maior abertura para controle dos pais, inclusive do tempo de uso. Além disso, defende que diversos dados de seus usuários sejam compartilhados com o poder público a fim de prevenir eventuais consequências em ambientes físicos, como escolas, e abertura para auditorias externas independentes. Um pacote de medida que se choca frontalmente com tudo que essas grandes empresas até hoje sempre se esforçaram em evitar.

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