Para financiar o SUS deve-se retomar organização e participação populares
Programação do Seminário SUS 35 anos debateu desfinanciamento estrutural da saúde pública a partir da compreensão do contexto político mais amplo.
Publicado 24/09/2025 às 10:01
Desmercantilizar o SUS por dentro e atualizar os mecanismos de controle social são as chaves para lutar por seu adequado financiamento. Essa é a síntese que pode ser feita do debate Financiamento e Gestão do SUS, parte da programação do Seminário SUS 35 anos, realizado na semana passada.
Mediada por Nivaldo Carneiro Júnior, médico e professor do departamento de Saúde Coletiva da pós-graduação da Santa Casa de São Paulo, a mesa fez um debate sobre o desfinanciamento estrutural do SUS a partir da compreensão do contexto político mais amplo.
Aparecida Campos, do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde de São Paulo (Cosems/SP), Mariana Melo,economista da Saúde e representante da Associação Brasileira de Estudos em Saúde (ABrES) e Marília Louvison, sanitarista, professora e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP, convergiram na crítica à racionalidade de Estado vigente.
“O cenário político opera com lógica de mercado e se preocupa com ‘entregas’ imediatistas. E isso depende muito de acordos espúrios”, analisou Aparecida.
Para ela, há uma lógica de gestão compartimentada, que afeta linhas de cuidado, sobrecarrega a atenção primária e ignora necessidades intermunicipais em saúde, aspecto que precisa ser retomado.
“Cidades pequenas têm dificuldade de ter equipe de gestão e em SP encontram muitas dificuldades de apoio técnico do governo estadual. Uma tarefa enorme dos municípios, por exemplo, é transportar pacientes para atendimento de média e alta complexidade. Isso tem custo elevadíssimo, mas não há apoio”, explicou a assessora do Cosems/SP.
“Municípios têm gastado em média 27,5% do orçamento em saúde e o estado de SP tem média histórica de 12,5% (quase o piso de 12%). Há municípios que investem 40% e isso os coloca no limiar da insustentabilidade e desfalca outras políticas públicas decisivas para o bem estar do povo, com influência sobre sua própria saúde”, corroborou Mariana.
Com doutorado em Saúde Pública no qual estudou o desfinanciamento arquitetado no governo Bolsonaro, através de seu programa Previne Brasil, a economista ainda lembrou que “esquecemos de cobrar os R$ 60 bilhões de reais retirados do SUS” no governo do ex-presidente agora condenado Jair Bolsonaro.
Na visão das especialistas, há um clamoroso viés neoliberal na própria mentalidade administrativa, que estabelece planos e objetivos pouco afeitos às funções reais de um sistema de saúde e às necessidades de quem o utiliza.
Dessa forma, problemas como a questão da regionalização se destacam, uma vez que desaparece a solidariedade entre gestores locais, acentuada pela disputa irracional e clientelista das emendas parlamentares.
“Estamos sempre no arremedo. Nunca tivemos reforma tributária, garantia de vários outros direitos como acesso a comida, terra, casa… Com toda a disputa com o privado, se não entendermos que os impostos servem para garantia de um direito, o SUS vai escapando pelos dedos. É a sensação que tenho”, resume Marília.
Tal como ressaltado pelo sanitarista Jairnilson Paim em entrevista especial ao Outra Saúde, as conferencistas afirmam que a realização do SUS e da Reforma Sanitária exigirá novas ondas de luta social, sensação reforçada pelas manifestações de domingo contra uma casta política que parece ter perdido qualquer resquício de ética.
“Se comparamos com o resto do mundo, a proporção de gastos privados no país não caracteriza um sistema universal. E tem a corrupção. As emendas desviam parte do dinheiro do SUS e devemos enfrentar. Sem controle e participação dos trabalhadores da saúde e usuários, não será possível reconstruir o pacto social”, finalizou Marília.
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